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Longe de ‘Ainda estou aqui’? Cineastas falam dos gargalos do cinema candango

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Cineastas brasilienses apontam caminhos para potencializar a produção depois de o país provar força no Oscar

A Ponte JK, o Cine Brasília e o Espaço Cultural Renato Russo como cenários do longa-metragem A menor distância entre dois pontos dão a certeza ao diretor Elias Guerra: “Todo o filme de Brasília mostra alguma coisa impactante da capital, porque essa é uma característica nossa”. Há “honra” em filmar na cidade, pois “é um lugar que nasceu filmado pelos grandes nomes, nos anos de 1950 e 1960. Traz o horizonte bonito, um clima bom — com estabelecimento dos períodos de chuva. Traz boas características para filmagens. Na cidade, para onde você aponta a câmera, ela te entrega. Há ainda a riqueza de visões: temos o Plano Piloto e temos periferias, com perfis bem diferentes. Saímos um pouquinho do Quadradinho, e no Entorno, temos os ambientes de cachoeira, o Cerrado, mais fechado — tudo muito bonito. É prazerosa a estética apresentada”, demarca o cineasta.

Claro, que, na empreitada das filmagens, Guerra batalhou, como no caso do quesito orçamentário. “Nós temos a via do FAC (Fundo de Apoio à Cultura), mas ele não tem crescido junto com a demanda. Vejo um medo mesmo do governo de ter a decisão de investir mais na cultura, talvez por não entenderem o quanto a cultura retorna, como mostram dados do Governo Federal. Audiovisual traz financeiro, não só na qualidade de vida da população. No meu set, temos umas 50 pessoas que recebem profissionalmente. Este filme não foi apoiado por dinheiro do GDF; temos com ele, o dinheiro do Fundo Setorial. Se a Secretaria de Cultura investisse em fazer pesquisas elaboradas, veriam do retorno financeiro. O governo não veste muito bem a camisa da cultura no DF. A gente é meio isolado nisso”, opina.

Pelo que nota o diretor, ainda há falta de interesse e anseio de apoiar cinema no DF. “Não adianta a gente pegar bater palma para o Ainda estou aqui, que foi ótimo, aliás. O Brasil está virando essa chavinha, e não será que, nisso, não era hora de o DF estar à frente? O audiovisual em Goiás, por exemplo, está acontecendo!”, diz Guerra que quer ver mais bonitas histórias boas para “uma Brasília que merece ser vista”.

Com estilo autoral e a partir de peculiaridades da cultura local, a diretora a Catarina Accioly colocou Brasília no mapa internacional, dada a circulação de Rodas do gigante, documentário de “improviso poético” sobre a figura de Hugo Rodas. Personagem ímpar, Rodas movimentou o teatro latino-americano e especialmente o teatro do DF. Estreamos o filme, em 2023, na Mostra Brasília do Festival de Brasília e temos tido carreira incrível em festivais. Circulamos em mais de 70 festivais nacionais e internacionais, sendo que o volume muito maior foi em festivais internacionais. Ganhamos mais de 30 prêmios. Rodas foi impactante, irreverente e inspirador. Temas universais abrem mundo de diálogos, e, nisso levamos a marca da nossa cidade”, diz Accioly. Ela opina que a trajetória do cinema local é incrível, com expoentes e atenta à necessidade de se apostar em novos talentos para que não haja estagnação e defasagem. “O investimento no audiovisual deve prever sedimentação — é um setor que não está flutuante, e não deveria ser levado de acordo com o interesses de cada uma das gestões de governo”, diz, apostando no conceito de política de continuidade.

“Vejo as plataformas de fomento local para cinema com muita preocupação, porque, desde a pandemia, os editais perderam transparência. Nós não temos mais uma regularidade no fomento e os valores para produção de filmes (a etapa mais sensível) decresceram muito em relação a encarecimentos vindos com a inflação. Com R$ 1,4 milhão produzi meu primeiro longa (de baixo orçamento), há 12 anos; atualmente, o patamar é de R$ 2 milhões, e os mais recentes editais da Secretaria de Cultura (DF) estabeleceram valor de $ 1,5 milhão!”, observa o diretor Iberê Carvalho, de O último Cine Drive-In e O homem cordial.

Entre estagnação e achatamento, ele aponta que o amadurecimento do setor depende da regularidade. Segundo ele, com longas-metragens se impulsiona um cinema local, como exemplifica, ao falar de Porto Alegre, Pernambuco. “O longa abre porta dos profissionais que se afirmam no mercado. Sem tempo hábil para viabilizar captação (de recursos), passado o desenvolvimento de roteiro (que leva muitos meses), pode acontecer de o tema não ser mais interessante, e, por vezes, nesta conjuntura, cinema vira hobby para privilegiados que, com emprego formal, fazem nas horas vagas ou férias! É preciso planejamento, para entrar em editais e buscar apoios de empresas privadas. Não podemos incorrer numa precarização de trabalho, junto ao audiovisual”, avalia o diretor.

Mistérios

Quanto à falta de transparência, segundo Iberê Carvalho, o fator se esparrama nos critérios de aprovação de editais ancorados por Lei Paulo Gustavo, Aldir Blanc e até mesmo do FAC. “Os relatórios de análise de projetos parecem piada, de simplórios. Parecem firmar meras etapas burocráticas”, sublinha. A adesão quantitativa de inscrições de projetos locais que galgam tomar parte do edital do FSA (nível nacional), num patamar de 90 projetos do DF expõem, segundo Iberê, “demanda e gargalo”. “É algo que não está sendo escoado, localmente. São indícios de uma cidade que está em crescimento e que quer fazer cinema. Falta estratégia e de política, a longo prazo. Na linha de apoio ao desenvolvimento de filmes (criação de roteiros e outros), nós tivemos entre 15 e 20 projetos aprovados, em quatro editais seguidos, ao longo dos últimos quatro. Mas, daí, tivemos a produção efetiva de dois ou três destes longas, por edital. Qual foi a estratégia utilizada ao apoiar uma quantidade enorme de desenvolvimento de projetos sem pensar como viabilizar pelo menos uma parte considerável desses projetos?”, aponta.

O cenário global, por um lado, na visão do diretor Marcelo Díaz é positivo: experimentamos uma internacionalização dos produtos do DF, como nunca. “Estamos por toda parte, em festivais, plataformas, canais de tevê, cinemas e festivais. Mas, há forte crise, por aqui. No meio das plataformas de streaming, há pouca abertura. Em particular, produtoras pequenas e médias, com seus projetos e serviços, ficam prejudicadas, diante das exibições dos produtos norte-americanos. Regular o streaming será a saída. Foi o caminho de sucesso da Coreia, que hoje é um estouro com seu audiovisual pelo mundo, sem contar da França e de outros países que valorizam seu audiovisual. A regulação é para já”, demarca Díaz.

Na esfera local, Díaz detecta pouquíssimo espaço, entre tevês e players, para projetos candangos. “O governo local, infelizmente, vive uma crise no campo da cultura, possivelmente, nunca antes experimentada. Acusação de corrupção em editais, em festas de fim de ano e eventos, os cortes ao FAC, que, inclusive, desrespeitam a legislação orçamentária local, além de um claro desinteresse do governador. Somos uma região com forte vocação para a cultura: nosso audiovisual circula o mundo! No campo federal, ainda esperamos uma atuação mais forte do governo. O audiovisual gera mais oportunidades de trabalho do que a construção civil. Já pensou se algum governo entenda isso e fique inspirado?”, provoca.

Palavra de especialista

“No momento, falta estratégia para o crescimento do audiovisual e até manutenção do ecossistema do audiovisual no DF. O setor precisa de um conselho. Foi prometido durante o Festival de Brasília a criação do Conciav (Conselho de Cinema e Audiovisual do DF). Isso seria interessante para colocar os agentes culturais do DF, do setor audiovisual, conversando com a Secretaria de Cultura. Estão chegando recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, por meio dos arranjos regionais e o setor está preocupado. A partir desse conselho, poderia se avançar na criação da DF Filmes, um sonho antigo do setor, nos moldes do que se tem hoje em SP, RJ e na BA, além de outros estados. Uma agência regional de desenvolvimento do audiovisual, que pode receber recursos do Fundo Setorial (da Ancine). Isso faria toda a diferença. Temos uma produção boa e competente, mas nossos filmes e séries precisam ocupar mais espaço no mercado nacional e internacional. Precisamos de recursos para distribuição das obras. A política cultural é cansativa e feita por voluntários. Se o governo não se colocar também numa posição de discutir a política do audiovisual, o setor fica fragilizado e não avança; aliás regride. Os talentos migram. Quem insiste em ficar na cidade é por um caso de amor com Brasília. Mas não há oportunidade suficiente para manter os trabalhadores do audiovisual aqui. Infelizmente também estamos vendo um fenômeno de empresas piratas que abrem um CNPJ no DF só para ter acesso aos recursos do Fac e do FSA. Triste, porque são empresas que acabam levando recursos para fora e não há fiscalização eficiente”

Cibele Amaral, cineasta

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Escrito por
Jeová Rodrigues

Jornalista

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