Em entrevista exclusiva ao Correio, o produtor José Emilio Rondeau revela bastidores da gravação do primeiro disco do grupo brasiliense. “A Legião entrou no estúdio uma banda e saiu dele outra”, diz
Os bastidores de um disco que mudou a cena roqueira do Brasil são revelados por José Emilio Rondeau, no livro Será! — Crises, genialidade e um som poderoso: os bastidores da gravação do primeiro disco da Legião Urbana contados por seu produtor. Sim, foi Rondeau o responsável pela alquimia estética e sonora desse disco icônico. Depois da frustração com outros dois produtores, a EMI-Odeon “escolheu” o jornalista, crítico e diretor de videoclipes para administrar o caos punk-roqueiro que iluminava Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e Renato Rocha. O resultado fez de Brasília a Capital do Rock por duas décadas. “Nossas referências eram muito parecidas, embora, no desenrolar da gravação, tenha ficado claro que o gosto deles — especialmente por conta de Renato e Dado — era muito mais abrangente do que poderia supor inicialmente, incluía também Beatles, Chic e Beach Boys, o que ampliava ainda mais as possibilidades”, destaca Rondeau, nesta entrevista exclusiva ao Correio. Será! chega às livrarias e sites este mês, com lançamento também no formato e-book em mais de 20 plataformas digitais.
Como foi essa parceria com a EMI-Odeon, logo depois de ter produzido o clássico disco do grupo
punk-baiano Camisa de Vênus?
Quando recebi e ouvi a fita-demo da Legião, percebi ali a semente de uma revolução no rock brasileiro, um som como ainda não existia, e aderi imediatamente. Queria participar, queria ajudar, me envolver, ir para as trincheiras com o grupo, fosse como fosse. Armado da marra da juventude, bati na porta da EMI-Odeon e me ofereci como produtor, embora minha experiência prévia fosse quase nula. Conhecia bem o diretor artístico (da gravadora) Jorge Davidson, desde os tempos em que era diretor internacional (vimos juntos David Bowie, em Connecticut, EUA, durante a turnê Serious Moonlight, em 1983) e acreditava ter abertura para fazer a proposta. De qualquer maneira, era muita cara de pau. Mas ele topou. Apostou em mim, sempre sabendo, naturalmente, que eu poderia contar com o apoio de Mayrton Bahia, diretor de produção da gravadora, sempre que fosse necessário. E Mayrton ajudou muito, em vários aspectos, com conselhos, dicas técnicas e musicais, diplomacia, refrigerantes, cervejas e pizzas.
E seu primeiro contato com a turma da Legião Urbana?
Conheci a Legião meio que no susto, sem maiores preparações, porque cheguei de viagem em casa, após um feriadão, e achei um recado na secretária eletrônica dizendo que a Legião já estava no estúdio! Não havia sido marcada uma data para o início da gravação, e nunca tínhamos visto um a cara do outro. Por isso, nosso primeiro encontro foi “a seco”, eles no estúdio e eu chegando para me apresentar a eles. Isso significa que logo partimos para o trabalho. Com cuidado, nos conhecendo melhor com o passar dos primeiros dias, mas logo encontrando uma sintonia.
Conhecia o rock que era feito em Brasília, antes da Legião?
Sabia que existia, graças à bela matéria feita por Hermano Vianna para a Pipoca Moderna, revista que cofundei e da qual fui um dos editores. Mas a primeira vez que ouvi o som de lá foi por meio da fita-demo da Legião.
Você recebe aquela icônica e rodada fita cassete Scotch Dynarange com 13 músicas do que viria a ser a Legião, qual foi a primeira ação para fazer daqueles meninos punks uma banda de rock?
Primeiro de tudo, era necessário ouvir tudo que eles tinham a oferecer — em termos de repertório, de habilidades e de aspirações. E, aos poucos, com muito trabalho, muita conversa e sacação, aquelas músicas iam sendo buriladas no estúdio, em termos de arranjo, sonoridade, execução. Ao longo dos meses, os rapazes iam ficando cada vez mais à vontade, seguros para aprimorar as músicas e o próprio som da banda.
O que você fez de diferente do que Marcelo Sussekind e Rick Ferreira, dois competentes instrumentistas e produtores, que tentaram produzir a banda anteriormente?
Talvez, a principal diferença tenha sido o fato de minha vivência musical ser mais próxima da deles, na Legião. Nossas referências eram muito parecidas, embora, no desenrolar da gravação, tenha ficado claro que o gosto deles — especialmente por conta de Renato e Dado — era muito mais abrangente do que poderia supor inicialmente, incluía também Beatles, Chic e Beach Boys, o que ampliava ainda mais as possibilidades. E isso ficou claro no disco, essas influências estão todas lá.
Qual a diferença essencial do som da Legião para o que se ouvia de rock de bandas dos anos 1980?
A convicção, a verdade, as letras, o comentário existencial, social e político — e o jeito como Renato cantava. Quando cantava rock and roll, era imbatível. Sabia tudo, tinha ouvido tudo, digerido tudo e era dono de uma voz perfeita para o rock e para o pop.
Foi difícil convencer Renato Russo a ceder na proposta musical que ele defendia? Pois, desde novo, ele havia imaginado (e projetado) a “banda com o som ideal” definido por ele…
A Legião entrou no estúdio uma banda e saiu dele outra. O disco é o retrato da transformação pela qual o grupo passou, emergindo dali mais maduro, mais sofisticado, mais apto, mais seguro, e muito mais pop, preparadíssimo para o grande público. E Renato, talvez mais que os demais, sabia disso.
Nas fitas demo do Aborto Elétrico, e do Renato também, o punk rock britânico, principalmente, pulsava nos acordes e nos versos. A Legião, em seu primeiro disco, vem com um som e arranjos mais refinados, sem perder a garra visceral daquela época… como foi essa mudança?
Às vezes, eu acho que a Legião ainda não sabia o tanto que era, em termos artísticos, e aquela temporada no estúdio acabou sendo um intensivão concentrado. Ali, eles se desenvolveram e encontraram partes artísticas que estavam dormentes, talvez, mas que vieram à tona no decorrer daquele trabalho.
Qual o peso de Mayrton Bahia na trajetória da Legião?
Enorme. Ele guiou e alimentou artisticamente a Legião por anos a fio. Bancou o grupo num momento de crise — depois de dois produtores terem jogado a toalha, depois da banda quase ter desistido do contrato com a gravadora — , abriu a cabeça deles para os meandros da indústria fonográfica, do business e do mundo artístico, e os ensinou a se prepararem para o futuro.
O primeiro disco foi um “aprendizado de artista” para Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e Renato Rocha (ou Negrete), que começaram a ver o mercado fonográfico, e o próprio som, de outra maneira?
Exatamente. A Legião meio que se descobriu por completo durante a gravação, graduou de uma banda punk radical para um grupo pop de rock dono de uma profundidade e de um alcance gigantescos. Durante aqueles meses, exercitaram seus músculos musicais e artísticos e amadureceram imensamente.
Por falar em Negrete, o último a entrar na banda, houve um estresse com Bonfá, durante as gravações. Como foi? Estilos diferentes?
Não que eu notasse, nada demonstrava isso, mas agora, conversando com Bonfá sobre a gravação, vi que não se entenderam, no começo. De fato, eram duas formações diferentes. Negrete trazia mais suingue, era fã de hardcore, mas gostava também de funk americano. Bonfá era mais Public Image Limited e estava mais acostumado à dobradinha que ele formava com Renato Russo, quando este ainda estava focado no contrabaixo, também. Só que a entrada de Negrete ajudou a lapidar o som da Legião como o mundo veio a conhecer. Como teria sido sem ele?
Canções comentadas por Rondeau
» Será — É a Legião apresentando sua carta de princípios — “tire suas mãos de mim, eu não pertenço a você” —, lembrando a todos suas raízes punk, mas enxuta, superpop, turbinada por violão, glockenspiel — e um dos melhores vocais de toda a carreira de Renato.
» Ainda é cedo — Um clássico instantâneo, uma música romântica à enésima potência que vinha, inesperadamente, de um grupo punk. Tão romântica e tão clássica que anos depois seria regravada por Nelson Gonçalves — sob a forma de um bolerão descabelado — e por artistas sertanejos e de forró.
» Petróleo do futuro — É a Legião punk em estado puro, todo mundo tocando junto na sala, uma orgia de microfonias, distorções e vazamentos ricocheteando pelas paredes.
» Geração Coca-Cola — Embora uma das músicas-assinatura do grupo, foi a mais difícil de ser concluída (talvez por isso mesmo), e só chegou a sua forma final nos últimos dias de gravação, com Renato se trancando numa salinha isolada para adicionar violões e, depois, saindo dali para fazer os vocais definitivos.
» Por enquanto — Um fechamento inesperado, surpreendente para o disco, mas perfeito. Renato sozinho no sintetizador, tecendo uma tapeçaria sonora romântica, em parte melancólica, em parte esperançosa. Entre Será e Por enquanto existe todo um universo de aprendizado e transformação.
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