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Contradições na pauta climática ameaçam protagonismo do Brasil na COP30

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Novo marco do licenciamento, os ataques à ministra Marina Silva e a insistência na exploração de petróleo na Amazônia colocam em xeque a credibilidade do país

Dividido entre o discurso e a prática, o Brasil prepara-se para sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, tentando firmar-se como liderança global na agenda climática, ao passo que assume o protagonismo de um desmonte interno sem precedentes na sua governança ambiental.

No Congresso Nacional, o novo marco do licenciamento o Projeto de Lei 2.159/2021 — aprovado em tempo recorde —, os ataques à ministra Marina Silva e a insistência na exploração de petróleo na Amazônia colocam em xeque a credibilidade do país e expõem um conflito profundo entre interesses imediatos e compromissos com o futuro.

Apesar da redução expressiva de 32,4% na área desmatada em 2024, com quedas registradas em cinco dos seis biomas brasileiros, segundo o Relatório Anual do Desmatamento (RAD) do MapBiomas, especialistas alertam que os avanços podem ser comprometidos caso o PL seja sancionado. A proposta abre brechas para isenção de análise prévia em diversas obras e empreendimentos.

Nas vésperas da data que celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, no próximo dia 5, especialistas ouvidos pelo Correio veem com preocupação as decisões que o país vem tomando na pauta ambiental.

Para o doutor em economia ambiental Sérgio Margulis, professor da ESPM, o argumento de que o novo marco “destrava o crescimento” é enganoso e datado. “Essa balela de que os rigores ambientais atrapalham a economia já tem 50 anos. Estamos em 2025 e ainda repetem o discurso de que o meio ambiente e o desenvolvimento são antagônicos. É uma afronta ao conhecimento acumulado desde a Rio-92”, critica.

Segundo ele, o licenciamento não é obstáculo, mas um ativo que garante segurança jurídica, previsibilidade e proteção contra desastres. “O bom empresário quer leis claras, rígidas e aplicadas com honestidade. Quem foge disso é o mau empresário, aquele que quer economizar às custas da destruição ambiental”.

O professor do curso de Ciências Ambientais Marcelo José de Oliveira, da Universidade Federal do Amapá (Unifap), alerta que a precariedade das estruturas ambientais nos estados e municípios torna a aprovação do novo texto ainda mais arriscada. “Nosso sistema já é frágil. Aqui no Norte, muitos municípios sequer têm técnicos capacitados para analisar projetos de impacto. Em vez de fortalecer os mecanismos existentes, o projeto afrouxa ainda mais o controle, o que pode aumentar a vulnerabilidade de comunidades inteiras”, afirma. Ele observa que a descentralização sem suporte técnico e financeiro pode gerar “licenciamentos por conveniência” e ampliar os riscos de degradação.

O ambientalista Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, diz que o PL faz parte de um pacote maior que visa desmontar a legislação ambiental brasileira. “É um ataque sistêmico. Estão aprovando uma série de projetos que fragilizam o licenciamento, a fiscalização, a proteção da biodiversidade e até a própria capacidade do Estado de punir crimes ambientais”, denuncia.

Para Astrini, o texto aprovado não tem conserto. “Estamos diante de um momento-chave. A única saída para impedir esse desastre é o veto presidencial. O presidente Lula terá que escolher entre ceder ao Congresso ou manter sua coerência com os compromissos de campanha e com a liderança que o Brasil pretende exercer na COP30”, frisa.

Além dos riscos ecológicos, os especialistas alertam para os custos sociais e fiscais que vêm com a flexibilização. “Brumadinho e Mariana nos mostraram que tragédias ambientais não custam apenas vidas e territórios. Elas custam bilhões aos cofres públicos e condenam municípios inteiros à estagnação. O que se está fazendo agora é jogar os riscos para frente e sobre os mais pobres”, denuncia Sérgio Margulis.

Margem Equatorial

Enquanto o mundo discute a transição energética e a redução acelerada do uso de combustíveis fósseis, o Brasil aposta alto em explorar petróleo em uma das regiões mais sensíveis do planeta, localizada nas proximidades da foz do rio Amazonas. O tema se tornou central no debate ambiental brasileiro, envolvendo interesses econômicos, disputas eleitorais, embates técnicos e alertas internacionais sobre riscos climáticos e ecológicos.

Para o engenheiro florestal Virgílio Viana, superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), o Dia Mundial do Meio Ambiente de 2025 transformou-se em mais do que uma data comemorativa, tornando-se um alerta. “Mais do que celebrar ou lamentar, é hora de jogar luz sobre a realidade ambiental do país. O que está em jogo não é apenas a reputação internacional do Brasil, mas o equilíbrio climático, a justiça social e a própria capacidade de o país exercer um papel de liderança em um planeta em crise”, ressalta.

Viana destaca os riscos estratégicos da escolha brasileira, explicando que o bioma é único no mundo, e isso já seria um suficiente para os cuidados serem redobrados. “A chance de um vazamento em alto-mar, nessa região, significaria uma catástrofe ambiental com impactos incalculáveis”, alerta.

Ele também aponta o paradoxo de um país com alto potencial em energia renovável — solar, eólica, biomassa — insistir em investir em fontes fósseis. “O Brasil é referência mundial em biocombustíveis. Por que não apostar nisso, em inovação, em soluções baseadas na natureza?”, indaga.

Para Margulis, a decisão é um “erro estratégico sem retorno econômico”, que pode comprometer a credibilidade do país às vésperas de um evento internacional decisivo. “Está sendo feita no momento errado, com base em uma lógica atrasada e em nome de um petróleo que, quando for extraído, já terá perdido seu valor de mercado”, alerta. Ele ressalta que levará de 12 a 15 anos para o petróleo começar a ser produzido. “Em 2040, o mundo estará em plena descarbonização. O petróleo mais barato e de extração simples será o único competitivo. O da Margem Equatorial, profundo e caro, não terá espaço.”

O professor da Unifap, Marcelo José de Oliveira, adota uma visão mais pragmática, refletindo o dilema das regiões periféricas da Amazônia. Para ele, o estado do Amapá vê na exploração petrolífera uma chance de inserção econômica e social. “Somos uma das regiões com piores indicadores de saneamento, emprego e desenvolvimento humano. Há uma expectativa legítima de que esse investimento possa gerar receita, empregos e infraestrutura”, afirma.

Oliveira, no entanto, reconhece os riscos e defende que a universidade, os órgãos ambientais e as instituições locais estejam preparadas para atuar na regulação e fiscalização. “Nada disso será positivo se não houver governança. Precisamos garantir que os possíveis royalties sejam aplicados em educação, saúde, pesquisa, e que os impactos socioambientais sejam minimizados.”

A divergência entre os especialistas expressa um dilema mais profundo, como equilibrar desenvolvimento econômico, soberania energética e preservação ambiental em uma região estratégica para o planeta. A decisão de autorizar ou não a exploração divide até mesmo membros da base governista e se tornou um tema sensível na relação entre o Palácio do Planalto, o Ibama e a Petrobras.

COP30

Prevista para acontecer em novembro, em Belém, COP30 é vista por especialistas como uma chance única de o Brasil recuperar seu protagonismo ambiental diante do mundo. No entanto, mesmo enxergando o potencial simbólico do evento, eles alertam para a fragilidade política e institucional do país na condução de sua agenda climática interna.

Para Márcio Astrini, o Brasil não terá autoridade moral na Conferência do Clima se mantiver a política de retrocessos, como a aprovação do novo marco do licenciamento. “Liderança climática se constrói com exemplo. Não adianta querer posar de protagonista internacional enquanto desmonta a legislação ambiental em casa. O mundo está vendo”, adverte.

O engenheiro florestal Virgílio Viana destaca que o evento pode ser o momento mais importante da história recente do Brasil na pauta ambiental, mas exige decisões ousadas e coerentes. “Não se trata apenas de organizar um evento. Trata-se de apresentar ao mundo um plano claro, concreto e ambicioso para a transição ecológica. E isso só será possível se o governo abandonar a ambiguidade e assumir com coragem a liderança que diz desejar exercer”, frisa.

O sociólogo e doutor em Ciência Políticas, Jorge Chaloub, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), complementa que o Brasil possui potencial para ser referência no mundo, mas que suas decisões políticas sobre o tema ambiental podem trazer consequências negativas. “O Brasil tem potencial para ser um modelo de país que concilie biodiversidade, democracia e justiça climática. Mas isso depende de escolhas políticas. A COP30 será o palco onde o país poderá reafirmar ou perder esse papel. E o tempo está correndo”.

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Jeová Rodrigues

Jornalista

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