Prêmio Nobel: Ganhadores em 2022 falam sobre os caminhos para a paz
Às vésperas do anúncio do Comitê Nobel Norueguês, o Correio entrevistou o russo Oleg Orlov e a ucraniana Oleksandra Matviichuk, laureados com o Nobel da Paz, e com o pai da paquistanesa Malala
Oleg Orlov: “A paz, o progresso e os direitos humanos são três metas inextricavelmente ligadas” – (crédito: Memorial )
Em 27 de novembro de 1895, um ano e 13 dias antes de morrer, o engenheiro e inventor sueco Alfred Nobel deixou em seu testamento boa parte de sua fortuna para uma destinação específica: “a pessoa que tiver feito o melhor trabalho em prol da fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução dos exércitos permanentes e pela realização e promoção de congressos de paz”. Cinco anos depois de sua partida, o desejo de Nobel começou a ser atendido. Desde 1901, em 103 edições, o Prêmio Nobel da Paz foi concedido a 110 pessoas e 30 organizações. Na próxima sexta-feira, o Comitê Nobel Norueguês anunciará o 141º ganhador, caso a honraria contemple um único laureado, como ocorreu em 69 edições. Em sua 104ª edição, o Nobel da Paz será anunciado em meio a conflitos que matam civis, provocam refugiados, destroem sonhos e colocam em risco soberanias territoriais.
Na Ucrânia, em 584 dias de invasão da Rússia, mais de 9.700 civis morreram — média de 16 por dia — e 17.700 ficaram feridos (30 a cada 24 horas), segundo o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHCR, pela sigla em inglês). O conflito no Leste Europeu reacendeu uma espécie de Guerra Fria entre norte-americanos e russos, com o fornecimento de armas de Washington a Kiev e troca de acusações. No Cáucaso, a invasão militar do Azerbaijão ao enclave armênio de Nagorno-Karabakh forçou a fuga de 100 mil dos 120 mil moradores, além das mortes de 170 civis em uma explosão de um depósito de combustível. Na fronteira do Kosovo, a presença de tropas sérvias causa tensão. A China mantém exercícios militares intimidadores nos arredores de Taiwan, enquanto a Coreia do Norte anunciou que oficializou o status de “potência nuclear” em sua Constituição.
A paz também é ameaçada por violações aos direitos humanos, com a perseguição sistemática a opositores e a comunidades LGBTQIAP+, como tem ocorrido na Rússia e na Ucrânia, por exemplo. Ou com a imposição de regras religiosas severas às mulheres do Afeganistão e do Irã. O Correio entrevistou dois laureados pelo Nobel da Paz em 2022: a ativista ucraniana Oleksandra Matviichuk, 39 anos, diretora do Centro pelas Liberdades Civis, ONG baseada em Kiev que documenta crimes de guerra de Moscou; e o russo Oleg Orlov, 70, codiretor do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Memorial, fundado em 1988 para perpetuar as vítimas do regime soviético e transformado na maior ONG em defesa dos direitos humanos da Rússia. Eles falaram sobre a necessidade de uma cultura de paz e sobre a visibilidade que o Nobel deu ao seu trabalho. O Correio também falou com o educador e ativista paquistanês Ziauddin Yousafzai, 54, pai da também ativista Malala Yousafzai, 26, ganhadora do Nobel da Paz em 2014.
OLEG ORLOV, codiretor da ONG Memorial, em Moscou
Como o senhor definiria o conceito de paz?
O conceito da paz foi formulado quase 50 anos atrás pelo grande ativista dos direitos humanos e físico Andrei Dmitrievich Sakharov. Ele criou o seguinte princípio: a paz, o progresso e os direitos humanos são três metas inextricavelmente ligadas. Não se pode alcançar uma delas negligenciando as outras. Não direi nada novo. A proteção dos direitos humanos em sua pátria é, ao mesmo tempo, uma luta para garantir que seu país não perca a capacidade de progredir e de se desenvolver e não fique atrás de outras nações.
De que modo a paz pode ser alcançada?
A falta de progresso, ou ainda pior — a degradação da economia e das relações sociais — inevitavelmente ameaça a paz em um determinado país e, no futuro, em toda a região. Ao mesmo tempo, a proteção dos direitos humanos também é uma luta para manter a paz internacional, porque um Estado que é um violador malicioso dos direitos humanos de seus cidadãos, mais cedo ou mais tarde se torna ameaça aos vizinhos e à paz mundial. Infelizmente, meu país, a Rússia, se tornou um claro exemplo da veracidade da última informação.
O Nobel deu visibilidade e força à luta do Memorial?
Esse prêmio, assim como qualquer outro, não pode proteger o Memorial, seus membros e funcionários da perseguição pelas autoridades russas. A Sociedade Memorial é uma confederação de muitas organizações, mas as principais organizações na Rússia estão na posição de serem liquidadas pelas decisões dos tribunais. Depois que fomos agraciados com o Nobel da Paz, os integrantes do Memorial foram alvos de buscas em várias cidades. Casos criminais foram abertos com base em acusações absurdas e forjadas. Um de nossos líderes regionais foi preso. Muitos se viram forçados a emigrar para escapar da perseguição. Estou sendo julgado por meus protestos e declarações públicas contra a guerra na Ucrânia. As instalações que eram nossa propriedade, onde trabalhávamos, armazenávamos arquivos e realizávamos exposições, palestras e conferências, foram confiscadas ilegalmente em Moscou. Em outras cidades, as organizações que fazem parte do Memorial são obrigadas a deixar as instalações onde trabalharam durante muitos anos.
Mas em quê o Nobel ajudou sua organização?
Mesmo em tais condições, o Memorial continua a funcionar, tanto na Rússia, quanto no exterior. O Nobel nos ajudou muito nisso. Dividimos a premiação em dinheiro pela metade: uma parte para nossos colegas ativistas dos direitos humanos na Ucrânia, a fim de ajudarem vítimas civis da guerra. Muitas famílias com vítimas receberam a nossa ajuda. A segunda parte do prêmio foi para ajudar os prisioneiros políticos russos e suas famílias. Mas a principal coisa é que uma avaliação tão elevada de nosso trabalho ao longo dos últimos anos inspirou tantos residentes do Memorial a continuarem a trabalhar e a manterem os padrões elevados deste trabalho, não importa o que ocorra. É claro que, graças ao prêmio, ganhamos fama adicional no mundo, e isso nos permite disseminar mais facilmente a informação que coletamos, tanto no curso da defesa dos direitos humanos na Rússia de Vladimir Putin, quanto no decurso da pesquisa histórica sobre as repressões políticas do passado, na União Soviética.
OLEKSANDRA MATVIICHUK, diretora da ONG Centro pelas Liberdades Civis, em Kiev
Na sua opinião, o que é a paz e qual a receita para alcançá-la?
A Ucrânia precisa da paz muito mais do que qualquer outra pessoa. Mas a paz não virá de um país que é invadido e para de lutar. Isso não seria paz, mas ocupação. A ocupação é horrível, trata-se de uma nova forma de guerra. A ocupação russa significa tortura, sequestro, violência sexual, negação da identidade, adoção forçada de crianças ucranianas por famílias russas e covas coletivas. Não temos o direito moral de deixar o nosso povo sozinho, para ser torturado e morrer. A paz significa a possibilidade de as pessoas viverem sem medo da violência e terem uma perspectiva de vida longa.
De que maneira o Nobel ajudou a lançar luz sobre sua luta em prol dos direitos humanos?
Durante décadas, as vozes dos defensores dos direitos humanos não foram ouvidas por uma parte da nossa região. Países que aprisionam ativistas, perseguem jornalistas e dispersam protestos são uma ameaça não somente ao próprio povo, mas a todo o mundo. A Rússia é um exemplo disso. Por décadas, o mundo civilizado fechou os olhos para a sociedade civil russa e para o que Moscou fez na Chechênia, na Geórgia, no Mali, na Síria e na Líbia. Os russos acreditam que podem fazer o que quiserem, até mesmo forçar mudanças nas fronteiras internacionalmente reconhecidas e ditar o jogo para toda a comunidade internacional. Enquanto defensores dos direitos humanos, o Nobel da Paz nos forneceu a oportunidade de, finalmente, sermos ouvidos.
Qual é a receita para conseguir a paz na Ucrânia?
Para obter a paz na Ucrânia, precisamos parar a Rússia. Putin somente será parado quando alguém o parar. Como todo ditador, ele ataca a fraqueza e teme a força. Por isso, precisamos do apoio da comunidade internacional para deter a guerra imperialista russa.
ZIAUDDIN YOUSAFZAI, ativista e educador paquistanês, pai de Malala, ganhadora do Nobel em 2014
Como vê a força da educação e seu uso como ferramenta da paz?
Por ter uma filha e ser professor, tenho experimentado a força da educação como meio para alcançar a paz dentro de uma família, em uma comunidade e entre pessoas de outras religiões. Cresci em um pequeno vilarejo no noroeste do Paquistão, em uma sociedade tribal e patriarcal, e em uma família religiosa. Havia vários conflitos, como tribalismos locais, rivalidades entre tribos e violência patriarcal contra mulheres e garotas. Mais tarde, vi o extremismo religioso. Vi todas essas coisas na minha vida, desde criança. Enquanto educador infantil, vi uma grande mudança em mim mesmo. Como fui capaz de usar a educação para trazer a paz? Cresci entre cinco irmãs e um irmão mais velho. Pude ver a desigualdade sob o mesmo teto. Minhas irmãs não eram tratadas da mesma forma que eu e meu irmão. Eu e meu irmão tínhamos comida melhor, roupas melhores, pares de sapato com mais qualidade. Tive a oportunidade de ir para escola e sonhar grande. Mas minhas cinco irmãs não tiveram acesso à educação. Para mim e meu irmão, meus pais tinham muitos sonhos. No ambiente em que cresci, percebi que, por causa da privação da educação, minhas irmãs não puderam sonhar além de se tornarem esposas, mães e avós. A desigualdade teve um impacto muito ruim na vida delas. Elas não puderam viver em paz.
O que é a paz para o senhor?
Para mim, a paz não é apenas uma situação de guerra ou de quando as pessoas se matam. Ela tem um significado mais amplo e maior. É uma situação em que seres humanos coexistem, com toda a sua dignidade humana e todos os seus direitos humanos básicos, com igualdade. Podem desenvolver muitos potenciais, sem discriminação. Enquanto garoto e membro da comunidade, pude sentir a discriminação. Eu odiava o sentimento de ter que me opor a outras tribos ou a primos. A educação mudou o meu ser interior, me transformou. A educação me deu grandes valores, como o respeito à lei, a empatia, a tolerância, a igualdade e a aceitação de outras pessoas. Aprendi a amá-las, a ser amigável, a respeitar seu credo e sua religião. Eu me tornei mais pacífico comigo mesmo. A educação trouxe paz para mim, para minha alma e meu coração. E fui capaz de espalhar essa paz na família, na minha vizinhança e na minha comunidade. Fui capaz de usar a educação para espalhar a mensagem de paz e criar um ambiente de paz. Eu e minha esposa, Toor Pekai, buscamos criar uma família que acredita na igualdade, na lei e no respeito por todos. Abandonamos todas essas animosidades e hostilidades tribais sem motivos.
Como as nações podem promover a paz?
A paz é a coisa mais crucial para nós, seres humanos. Vemos várias nações sofrendo com conflitos, pessoas deslocadas internamente e mortas por causa de guerras e conflitos. Todo o mundo precisa de paz. Vejo que cinco coisas podem promover e espalhar a paz pelas nações. A mais importante é o diálogo, com um compromisso sincero entre as partes em conflito. Por meio do diálogo, pode-se alcançar a harmonia. Basicamente, não conversamos com as pessoas e temos um grande deficit de confiança no próximo. A segunda ferramenta importante pode ser o compromisso entre duas pessoas, por meio de reuniões e encontros. Uma pessoa entender a outra e serem capazes de sentar-se à mesa. O terceiro ponto é tratar as pessoas como o centro da política. Os governos de países devem tratar as pessoas assim. A hegemonia não deve ser a meta das nações, pois isso as torna estrategicamente superiores. A hegemonia pode trazer guerras por procuração. A política para a paz deve ser antropocêntrica. A quarta ferramenta poderia ser a adoção de metas de desenvolvimento sustentável da ONU. Se os países se tornarem realmente comprometidos com todas essas metas, não vejo razão para uma nação lutar contra outra. Se o objetivo de um país for alimentar todos os seus cidadãos, não gastará com defesa, tanques e bombas. Por fim, o quinto elemento é o curricular. O currículo em escolas, universidades e madrassas, na mídia. Vemos o quanto o ódio é disseminado pelo currículo em alguns países.
Quais seus sentimentos em ver sua filha se dedicar à paz?
Eu me sinto muito grato e orgulhoso por ser pai de uma mulher, especialmente, por ser Malala. Ela também é uma mensageira da paz para a ONU e para a educação das garotas. Tenho orgulho por ela levar uma mensagem de paz para todos os lugares que vai e os valores que acredita. Sou muito orgulhoso por minha filha, Malala. Uma das razões para não existir a paz em famílias patriarcais é a inexistência de justiça e de educação. Veja o que acontece no Afeganistão, onde quase 5 milhões de garotas estão privadas de acesso à educação do segundo grau. O futuro delas é muito sombrio. Elas não veem nenhuma luz. Quando o Talibã baniu a educação das meninas no Vale do Swat (Paquistão), Malala falou para mais de 50 mil garotas. Agora, ela fala para mais 129 milhões de garotas no mundo que não têm acesso à educação de qualidade.
Com informações do Correio Braziliense
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