Caio Bonfim: dos treinos em Sobradinho até a medalha em Paris
Torre Eiffel, manhã de 1º de agosto de 2024. A canção Estrada, do Cidade Negra, seria a trilha sonora do filme épico de Caio Bonfim e do Brasil na marcha atlética na história dos Jogos Olímpicos. Doze anos, três tentativas frustradas, muito preconceito e xingamentos depois, a referência das pistas do Centro de Atletismo de Sobradinho (Caso) pode se orgulhar: é o primeiro medalhista olímpico do país na modalidade. A prata do brasiliense nos 20km da marcha atlética foi construída depois de percorrer milhas e milhas para chegar até ali, ao pódio, com perseverança, foco e pés no chão.
A postura de Caio Bonfim em todos os momentos da decisão chama a atenção. Inicia pelo aquecimento. A prova começou com 30 minutos de atraso devido às chuvas no amanhecer parisiense. Instantes antes da largada, a reportagem flagrou uma versão inquieta do atleta. Ele marchava para lá e para cá, enquanto os concorrentes aguardavam quase inertes a autorização para partirem. Era tudo um ensaio para o momento que viria 1h19min09s depois.
Caio se preparou para viver esse momento diversas vezes durante treinamentos no Estádio Augustinho Lima, em Sobradinho. Idealizou até uma versão de si capaz de levá-lo ao topo no esporte dominado por europeus e asiáticos. “Sobradinho é uma cidade-satélite de Brasília. Marchando naquelas ruas, ganhei várias medalhas olímpicas sonhando. Não pensei nisso durante a prova, porque é preciso ser racional, é nos treinos. Isso estava no íntimo do meu coração. Queria ter a ousadia do Rio-2016, a experiência de Tóquio-2020 e o primeiro amor de Londres-2012. Conseguimos aqui”, disse ao Correio Braziliense.
Em Londres, Caio era uma promessa de 21 anos empolgada pela estreia. Quatro anos depois, tornou-se realidade, mas tomou um chacoalho ao bater na trave com o quarto lugar no Rio-2016. Em Tóquio-2020, competia novamente sob altas expectativas. No entanto, falhou. As decepções o levavam a pensar se haveria outra oportunidade. “Tive de trabalhar para conseguir. Cheguei tão perto, mas tenho muito orgulho do meu quarto lugar. Abriu muitas portas para mim. Brinco que, antes da Olimpíada, eu era xingado quando ia marchar. Depois, o som da buzina mudou e os caras exigiam: ‘Bora campeão, está flutuando’. Eu queria mudar isso”, conta.
Caio divide a conquista com os quase 3 milhões de moradores da capital federal. “Brasília é medalhista olímpica. Não é Caio, é Brasília, Sobradinho”, ressalta. Como na canção Estrada, do Cidade Negra, só os pais mudaram o caminho de Caio. O atleta foi aconselhado pela mãe treinadora, Gianetti, a não deixar o DF. Desafiou o filho a pagar o preço para a abertura de portas no esporte a novos marchadores. O resultado da persistência será materializado hoje, com a entrega na medalha de prata no Stade de France, em Saint-Denis. Não a recebeu ontem, pois as condecorações do atletismo são oficialmente no estádio. “É um momento muito especial para nossa cidade. Nos ajudem a divulgar para que a gente possa fazer um grande trabalho e possa levar Brasília junto”, solicita.
Próxima missão
Os Jogos de Paris-2024 não acabaram para Caio Bonfim. Ele retorna às pistas em 7 de agosto no revezamento misto dos 42,195km ao lado da carioca Viviane Lyra. Perguntado se pretende organizar uma passeata no retornar a Brasília, o medalhista não titubeia. “Vamos fazer alguma coisa, nem que a gente desfile no carro de bombeiro até Sobradinho. Calma aí, que tenho muitas coisas aqui para viver, mas sou grato a vocês também (repórteres). Sempre tive matérias publicadas no Correio. Sempre gostei de estar perto. O Correio Braziliense sempre esteve comigo”, agradeceu.
Inúmeras vezes, Caio Bonfim foi alvo de críticas e preconceito, porém jamais abaixou a cabeça. Sempre foi pés no chão. “É preciso coragem para viver de marcha atlética. Dos primeiros anos, na escola até eu ir para uma Olimpíada, atleta era considerado vagabundo. Olhando onde estamos”, reforça.
“Chegamos aqui para o trabalho de uma vida. Não sei dizer o que significa isso tudo. Não estou acostumado a ouvir ‘medalhista olímpico’. Sempre foi um sonho. Sou de Brasília, cresci com Joaquim Cruz. Hoje, tenho uma medalha igual a dele para levar para casa — Cruz foi segundo dos 800m em Seul-1988 e ouro em Los Angeles-1984. É um momento muito especial, que representa todos esses anos, não só o ciclo olímpico”, discursa.
Com informações do Correio Braziliense
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