Ajuda humanitária não chega ao norte da Faixa de Gaza e, no sul, há relatos quase diários de pessoas sendo mortas
Antes de a guerra começar, Hazem Lubbad, de 21 anos, era um estudante universitário que, para se sustentar, trabalhava como garçom num restaurante na Cidade de Gaza. Nos últimos 19 meses, ele e sua família têm buscado refúgio em Sheikh Radwan, um bairro no noroeste da Cidade de Gaza.
Em muitas áreas vizinhas, como Beit Lahiya e Jabalia, os moradores receberam ordens de evacuação dos militares israelenses, com a ordem de se mudarem para o sul de Gaza. Em Sheikh Radwan há frequentes ataques aéreos e bombardeios israelenses, dizem os moradores, que se encontram numa luta diária desesperada por comida. Movimentar-se pela área é perigoso.
“Comemos o que estiver disponível, uma refeição por dia, da manhã até tarde da noite. Às vezes são lentilhas; às vezes, massa”, diz o estudante palestino numa mensagem de vídeo enviada da Faixa de Gaza.
Lubbad diz que a comida tem sido escassa durante toda a guerra. Nos últimos dias, alguns alimentos começaram a chegar a Gaza após um bloqueio de 11 semanas imposto pelo governo israelense, mas os moradores dizem que ainda não estão chegando ao norte do território palestino.
O conflito em Gaza teve início após a ataque terrorista do Hamas em Israel em 7 de outubro de 2023, que deixou 1.200 mortos e levou à captura de cerca de 250 reféns. Em resposta, Israel lançou uma ofensiva no enclave palestino.
Travessias fechadas
Israel fechou as travessias e interrompeu todas as entregas de ajuda humanitária a Gaza em 2 de março. Autoridades israelenses justificaram a decisão afirmando que o grupo radical palestino Hamas estava roubando a ajuda humanitária e a utilizando para alimentar seus combatentes, mas sem apresentar evidências que sustentassem essa alegação. O Hamas, que controla a Faixa de Gaza, é considerado um grupo terrorista por Israel, Alemanha, Estados Unidos e vários outros países.
“Faz um mês e meio, dois meses que não há mais farinha. Um quilo de farinha no mercado negro custa de 80 a 100 shekels (algo entre R$ 130 e R$ 160), e a situação em que estamos não nos permite comprá-la”, relata Lubbad. Devido à guerra, na família dele ninguém mais tem uma renda regular.
Ele conta que ele e sua família montaram uma estação de recarga de celulares com energia solar e oferecem esse serviço para as pessoas das redondezas. “Sem esse dinheiro, não há renda”, afirma.

Isso significa que eles não podem comprar muita coisa nos mercados, onde os preços dispararam. Moradores dizem que parte da ajuda humanitária que entrou recentemente em Gaza foi saqueada por pessoas desesperadas e famintas, e que outras estão vendendo alimentos a preços inflacionados.
Israel não permite a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza desde que iniciou a guerra contra o Hamas após os ataques terroristas de outubro de 2023, então a DW frequentemente precisa recorrer a conversas telefônicas com os moradores de Gaza.
“Política planejada de privação”
Os moradores no norte da Faixa de Gaza também acompanham horrorizados as notícias sobre as mortes quase diárias de pessoas que tentam chegar a centros de distribuição de alimentos no sul. Esses postos são administrados por uma empresa privada israelense-americana chamada Fundação Humanitária de Gaza (GHF) e protegidos pelas Forças de Defesa de Israel (IDF).
As Nações Unidas e organizações de ajuda humanitária criticam esse sistema de distribuição com o argumento de que ele é incapaz de atender às necessidades dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza e permitiria a Israel usar os alimentos como meio de controle sobre a população.
Não há pontos de distribuição no norte de Gaza. Para quem vive no norte, ir até o sul para buscar comida seria muito longe e perigoso.
A ONU afirma que Israel apenas lhe permite entrar com um número limitado de caminhões com farinha em Gaza, cuja distribuição só pode ser feita para padarias, além de alguns outros suprimentos, como itens médicos e alimentos para bebês.
“É uma escassez planejada”, comenta Jonathan Whittall, chefe do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA). Ele diz que a ajuda humanitária deveria chegar a todos os civis em Gaza, onde quer que estejam, e não deveria ser limitada. “Esse novo esquema é um racionamento baseado em vigilância que legitima uma política planejada de privação. E isso num momento em que a população de Gaza, metade da qual são crianças, enfrenta uma crise de sobrevivência.”
Há uma escassez generalizada de alimentos, água potável e gás de cozinha. Para cozinhar, os moradores queimam lixo ou pedaços de madeira retirados de prédios bombardeados. Eles precisam caminhar muitos quilômetros para chegar aos centros de distribuição de ajuda humanitária, que estão localizados perto de zonas militarizadas israelenses
Mortos perto de centro de distribuição
Nesta terça-feira (03/06), agências de notícias, citando autoridades locais, relataram que 27 pessoas morreram depois que as forças israelenses abriram fogo perto de um centro de ajuda humanitária.
As Forças de Defesa de Israel divulgaram um comunicado sobre o incidente. “Durante a movimentação da multidão ao longo das rotas designadas em direção ao local de distribuição de ajuda – a aproximadamente meio quilômetro do local –, soldados das IDF identificaram vários suspeitos se movendo em sua direção, desviando-se das rotas de acesso designadas. Os soldados deram disparos de advertência e, após os suspeitos não terem recuado, tiros adicionais foram disparados contra alguns indivíduos suspeitos que avançaram em direção aos soldados.”
Os militares acrescentam que estão “cientes dos relatos de que há vítimas e que os detalhes do incidente estão sendo investigados”. Os militares também afirmaram que “permitem que a Fundação Humanitária de Gaza opere de forma independente para permitir a distribuição de ajuda aos moradores de Gaza – e não ao Hamas”.

A Cruz Vermelha Internacional afirmou que seu hospital de campanha em Rafah acolheu “um fluxo massivo de 184 pacientes” na manhã de terça-feira. Dezenove foram declarados mortos ao chegarem, segundo o comunicado, e oito morreram logo depois. A maioria dos casos era de ferimentos a bala.
Nesta quarta-feira, a Fundação Humanitária de Gaza anunciou que seus centros de distribuição de ajuda vão ficar fechados durante o dia “para reforma, reorganização e melhorias de eficiência”. As IDF alertaram a população civil contra a movimentação em áreas que levem aos centros, considerando-as “zonas de combate”. A GHF afirmou ter solicitado às IDF que melhorem a segurança ao redor dos centros de distribuição.
O que ocorre nos novos centros de distribuição?
Na semana passada, a DW entrevistou por telefone Muhammad Qishta, um deslocado interno de 30 anos no sul de Gaza que havia buscado duas caixas de alimentos num ponto de distribuição do GHF. “Qualquer um podia carregar o quanto quisesse. Não havia instruções sobre quantidade, nem verificações nem nada”, disse Qishta. Segundo ele, as caixas continham arroz, açúcar, farinha, halva (pasta doce de gergelim), óleo, biscoitos e macarrão.
“Como não havia instruções claras sobre quais ruas usar para entrar e sair da área, algumas pessoas entraram em ruas que elas não sabiam que eram proibidas, e houve tiros. Eu corri e não vi nada, mas ouvi o som de tiros”, contou Qishta.
Em Sheikh Radwan, no norte de Gaza, Hazem Lubbad e seus parentes preferem não deixar a área porque “a situação é a mesma em todos os lugares: em todos os lugares é perigoso”. Lubbad diz que sua família optou por moer macarrão e lentilhas para fazer pão. “Fazemos 20 pães do tipo pita por dia e os dividimos entre 13 pessoas. Cada pessoa recebe um ou dois pedaços de pão por dia. Isso nos ajuda até termos outra coisa para comer.”
Até recentemente eles ainda podiam comprar dukkah, um condimento feito com especiarias e usado como molho para o pão, mas ele está acabando. A comida enlatada que eles haviam estocado também acabou, relata Lubbad. “Para as crianças, é extremamente difícil”, diz. “Uma refeição por dia simplesmente não basta, mas não há comida para mais de uma refeição.”
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.

1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. “Uma solução de dois Estados é a única possível”, disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou “estado de guerra” e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.
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