Criação de um corredor exclusivo para motos anima condutores do DF. Projeto depende do aval da Secretaria Nacional de Trânsito, que diz esperar o envio de documentos pelo Detran. Especialistas questionam a eficácia da medida
“Toda vez que pego o capecete, meu coração aperta. Penso no meu filho de 2 anos e tenho medo de não voltar vivo para casa.” O desabafo é de Thiago Mariano, morador de Ceilândia, que trabalha como vigilante no Plano Piloto e, há oito anos, usa a motocicleta como meio de transporte.

As estatísticas justificam o medo de Thiago. Segundo os dados mais recentes da Gerência de Estatísticas de Trânsito (Gerest), em 2023, foram registrados 69 mortes de condutores de moto. Em 2024, o número saltou para 74. Neste ano, entre janeiro e abril, 27 motociclistas perderam a vida em acidentes de trânsito, superando os 26 casos registrados no mesmo período do ano passado.
Para tentar reduzir os números de acidentes e de mortes, o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran) quer implantar a Faixa Azul em vias da capital. O projeto-piloto, batizado Monumental Azul, será executado nos dois sentidos do Eixo Monumental. Desde setembro do ano passado, a proposta está sob a análise da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), a quem cabe autorizar o teste.
A Faixa Azul é uma sinalização horizontal, exclusiva para motos, que fica entre as faixas 1 e 2 das vias (mais à direita). O objetivo é organizar o trânsito e reduzir os altos índices de acidentes envolvendo motociclistas. No DF, a fase de testes deve durar dois anos. O primeiro vai avaliar os efeitos da sinalização nos condutores e o segundo, o comportamento no trânsito diante da sinalização.
Na cidade de São Paulo, que inspriou a iniciativa brasiliense, existem 221,2 km de faixas em 46 vias. A Faixa Azul foi adotada há três anos na capital paulista e, nesse período, as mortes de motociclistas caíram 47,2%, segundo o balanço da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP). De acordo com o gestor de trânsito da Área de Segurança de Tráfego da CET-SP, Júlio Rebelo, a medida foi adotada a partir de experiências internacionais e da análises de resultados na cidade.
“A Faixa Azul é resultado do trabalho de diversas áreas da companhia. As áreas de planejamento e operação contribuiram para aperfeiçoar o projeto com a vivência de quem está na rua, acompanhando o comportamento do trânsito e dos condutores. A Sinalização propôs, na fase final, adequações nas dimensões e nas características da faixa para minimizar riscos”, explicou.
A CET-SP investiu R$ 35 milhões nos últimos três anos para colocar a ideia em prática. A construção mais recente foi entregue em 26 de março: 6 km na Avenida do Estado, em ambos os sentidos. O corredor exclusivo beneficia cerca de 500 mil motociclistas diariamente. Para Rebelo, a importância da Faixa Azul está se reflete na redução da gravidade dos acidentes e das mortes.
Otimismo
O corredor exclusivo surge como uma resposta à crescente frota de motocicletas e ao aumento do número de acidentes na capital. De acordo com o Detran, o DF conta, hoje, com 282.829 motocicletas, crescimento de 7% em relação a 2023, quando eram 264.376.
Nas ruas, a proposta da Faixa Azul recebeu apoio de quem mais conhece os perigos do asfalto. Marcelo Vieira, 25 anos, militar, morador de Valparaíso (GO), usa a moto todos os dias para locomoção. Ele apoia o projeto e relatou ter sofrido sete acidentes. O mais grave foi na BR-040. “Esse corredor exclusivo será muito bem-vindo e mostra que as pessoas se importam com o motociclista”, disse.
Marcelo comentou que, embora alguns motociclistas sejam imprudentes, muitos acidentes ocorrem por desatenção dos motoristas. “No meu pior acidente, o carro estava parado no semáforo e virou de uma vez, sem sinalizar. Estava a 10 metros e a 60 km/h. Não tive tempo de reação e bati. Voei por cima do carro, mas, felizmente, não quebrei nada”, detalhou.

Pedro Lucas, 21, trabalha como entregador há um ano e já sofreu um acidente de moto, sem gravidade. Ele acredita que a medida pode trazer mais segurança para a categoria, pois o trânsito é especialmente perigoso para quem trabalha sobre duas rodas. “A gente corre muito risco, principalmente porque trabalha com rapidez”, ressaltou, acrescentando que a faixa exclusiva será positiva. “A gente não vai ter que disputar espaço com os carros”, concluiu.

O presidente do Sindicato do Motociclista (SindMoto), Luiz Carlos Gárcia, participou dos debates sobre a Faixa Azul, desde a formação do grupo de trabalho — com o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), o Detran e a Secretaria de Mobilidade —, e pede agilidade do Governo do Distrito Federal (GDF).
“Estamos ansiosos. Esse projeto vai organizar o tráfego das motos na cidade, reduzir acidentes, mortes e até gerar economia para o governo”, enumerou. Gárcia acredita que o corredor exclusivo pode ajudar na mudança de mentalidade no trânsito. “Os carros vão passar a respeitar essa faixa, como respeitam a de pedestre. É uma questão de cidadania”, acrescentou.
Estudos
Segundo o DER-DF, estão em andamento estudos de viabilidade técnica para implantação da Faixa Azul. “Analisamos as condicionantes geométricas, a quantidade de motos, os sinistros envolvendo motocicletas e o tamanho das intervenções em cada rodovia. Ainda não há prazo definido para que o estudo seja finalizado e não podemos afirmar sobre a viabilidade da implementação”, explicou.
O Detran-DF aguarda aval da Senatran para dar continuidade ao projeto. A autorização é necessária porque a Faixa Azul não está prevista na legislação, o que exige uma permissão especial, em caráter experimental. “A implantação, mesmo em caráter experimental, só poderá ser iniciada após a manifestação favorável e a devida autorização da secretaria”, informou a autarquia.
Em nota, a Senatran afirmou que a solicitação do Detran-DF foi analisada, mas aguarda documentações complementares que devem ser envidas pelo órgão para dar seguimento ao processo. “Ainda não há previsão para a conclusão do estudo, pois o andamento depende do envio dessas informações”, comunicou.
Especialistas ouvidos pelo Correio enfatizaram que a Faixa Azul tem pontos positivos, mas são necessárias outras medidas para reduzir as mortes de motociclistas. O professor Carlos Penna Brescianini, pesquisador em mobilidade urbana e ex-coordenador do Metrô-DF, criticou a medida. Para ele, a proposta resolve um problema de forma paliativa, mas não resolve a raiz da questão.
“A ideia de corredores para as motocicletas parece uma organização do trânsito, mas não é uma solução. O crescimento do número de motociclistas se deve a dois fatores principais: péssimos sistemas de transporte público, o que leva à busca por soluções individuais; e o uso da motocicleta para entregas e fretes, como fonte de renda”, destacou.
Para Penna, a solução seria fazer mais investimentos em transporte público de qualidade. “Com mais metrôs, veículos leves sobre trilhos, aeromóveis e monotrilhos, as pessoas se sentirão confortáveis e seguras para deixar seus veículos em casa. A quantidade de veículos diminuirá, e os acidentes diminuirão.”
Rafael Calabria, também especialista em mobilidade, apresentou pontos positivos e negativos da medida. “O projeto ofereceria mais espaço a motociclistas no trânsito e poderia, se fosse bem fiscalizado, dar um aspecto de organização. Mas os prejuízos são muito maiores. A faixa, ao dar exclusividade à moto, aumenta a velocidade dos condutores. Caso eles se envolvam em um acidente, há chance de ele ser mais grave”, avaliou.
Segundo o especialista, a solução está em políticas de acalmamento de tráfego, como travessias elevadas, redução de velocidade, adequação das vias, balizadores, sinalização eficaz e fiscalização intensiva. “Com vias mais seguras e velocidades menores, a fiscalização de trânsito e a educação chegam para complementar esse trabalho”, disse Calabria.
Medidas
Segundo o Detran-DF, as principais causas dos acidentes fatais com motociclistas são distração no trânsito, excesso de velocidade e a prática de circular pelos corredores entre veículos. Essas situações, frequentemente associadas à pressa e à imprudência, tornam os motociclistas mais vulneráveis, especialmente em vias de maior fluxo.
O Detran desenvolve diversas ações de caráter educativo e preventivo. Entre as principais iniciativas estão as blitzes educativas direcionadas a motociclistas e as palestras em empresas que atuam com entregadores por aplicativo. A autarquia também implementa o programa Entregadores de App, que mapeia esses profissionais para ações de conscientização nos locais onde trabalham.
Outra frente de atuação é a Operação Sossego, que busca retirar de circulação motos com descarga livre ou sistemas de escapamento irregulares. Além de coibir o barulho excessivo, a operação foca na fiscalização das condições dos veículos e do comportamento dos condutores, reforçando a segurança no trânsito e o cumprimento da legislação.
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