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As feridas e os R$ 24 milhões em prejuízos com os atos de 8 de janeiro

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O DF lembra a ação de extremistas que invadiram sedes dos Três Poderes e destruíram ou roubaram e causaram perdas aos cofres públicos

Os atos antidemocráticos ocorridos em 8 de janeiro de 2023 causaram prejuízos expressivos aos cofres públicos, com danos estimados em, aproximadamente, R$ 24 milhões, além de trazer uma sensação de insegurança ao brasiliense. Os vândalos invadiram as sedes dos Três Poderes e destruíram centenas de peças, obras de arte e objetos raros. Muitos foram roubados por extremistas que protestavam contra o resultado das eleições de 2022.

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi a instituição mais afetada, com custos de recuperação avaliados em R$ 12 milhões. Desse valor, R$ 8,6 milhões referem-se a 951 itens furtados, quebrados ou completamente destruídos e R$ 3,4 milhões foram destinados à reconstrução do plenário, substituição de carpetes, vidros da fachada e reparos estruturais. Entre os bens perdidos, o STF teve 106 itens históricos, de valor inestimável, destruídos, incluindo esculturas e móveis que não podem ser restaurados ou substituídos. O Palácio do Planalto registrou a segunda maior conta, estimada em R$ 8 milhões. Peças, por exemplo, como o quadro As Mulatas, de Di Cavalcanti, foram atacadas e, nesta quarta-feira (8/1), estão de volta ao lugar de destaque no palácio.

Na Câmara dos Deputados, o prejuízo foi de R$ 2,7 milhões. Cerca de R$ 1,4 milhão foi destinado à restauração de 68 bens do acervo cultural, incluindo pinturas, esculturas e painéis, enquanto R$ 1,2 milhão foi utilizado para reparos em persianas, carpetes, sistemas elétricos e hidráulicos, vidros e o sistema de detecção de incêndios. No Senado Federal, os prejuízos chegaram a R$ 1,4 milhão. Desse total, R$ 483 mil foram aplicados na recuperação de bens do museu, como a tapeçaria de Burle Marx, e R$ 900 mil na recuperação do edifício-sede.

 Chegada do Relogio feito por Balthazar Martinot no palacio do  planalto
Relógio feito por Balthazar Martinot chegou ontem ao Planalto(foto: Edilson Cordeiro/TVBrasilia)

O Palácio do Planalto começou a receber, na segunda-feira (6/1), as obras restauradas após os ataques de 8 de janeiro. Ao todo, 21 peças danificadas pelos invasores passaram por um longo processo de recuperação e serão novamente expostas no local. Três delas foram entregues nesse carregamento: além de As Mulatas, uma escultura em madeira, feita pelo artista Frans Krajcberg; e a escultura O Flautista, de Bruno Giorgi.

Os itens foram restaurados por uma equipe da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em laboratório montado no subsolo do Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência da República.

Na segunda-feira (6/1), o Planalto recebeu o relógio histórico de Balthazar Martinot, quebrado durante a invasão. O objeto foi presenteado pela Corte Francesa a Dom João IV, rei de Portugal. O relógio foi enviado à Suíça e restaurado no país europeu. O governo apresentará oficialmente os itens durante uma cerimônia, nesta quarta-feira (8/1), em memória dos dois anos dos atos golpistas.

Personalizado

Mestre em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB), Leandro Gabiati ressaltou que o 8 de Janeiro foi um episódio que marcou, de fato, todos os brasilienses. “É algo que fica registrado na memória da população, com toda certeza, pois os cidadãos do DF têm essa particularidade de presenciarem, de forma mais personalizada, todos os acontecimentos de âmbito nacional”, comentou.

Além dos recentes ataques aos Três Poderes, o especialista pontuou que a capital federal também foi palco de outros movimentos que são marcantes para a história recente de Brasília. “O fato de estarmos no centro político do Brasil, fisicamente, nos faz vivenciar de forma diferente aos outros brasileiros, tendo uma percepção mais íntima”, observou.

André César, cientista político pela Unicamp, acrescentou que a reação os atos de 2023 foi simbólica e que, no momento inicial, todas as lideranças da República se uniram para responder aos ataques. “É difícil, para quem está no comando dos Poderes, dizer que é algo que ‘passou’ e que não é preciso ficar mais pensando no assunto”, avaliou.

De acordo com ele, “golpe é golpe”, e é preciso sempre jogar dentro das regras da democracia. “Por isso, acho importante julgar todos os responsáveis por qualquer ato, no rigor da lei, para dar exemplo a quem puder pensar em cometer algo semelhante, no futuro”, enfatizou. Murilo Medeiros, cientista político da UnB, com especialização em democracia, direito eleitoral e poder legislativo, considerou que os ataques de 8 de janeiro fortaleceram a democracia brasileira (leia palavra de especialista).

Cronologia da barbárie

9h — Naquela manhã de 8 de janeiro de 2023, 101 ônibus chegaram a Brasília para uma manifestação. A Secretaria de Segurança Pública do DF estimava 3 mil pessoas na área próxima ao Setor Militar Urbano (SMU). A PMDF designou 580 homens para fazer a segurança no ato;

13h — Os vândalos deixaram o acampamento no SMU com destino à Esplanada, escoltados pela PMDF. Às 13h23, Fernando de Sousa Oliveira, que respondia pela Secretaria de Segurança Pública do DF na ausência de Anderson Torres, que estava de férias, disse ao governador Ibaneis Rocha que o ato era pacífico. Enquanto isso, a Abin emitiu alerta de que os manifestantes tinham “discursos inflamados” e “pessoas pintando o rosto como se fossem para um combate”;

14h30 — Os manifestantes chegaram na Esplanada, onde encontraram a primeira barreira policial. A PMDF tinha montado um esquema de revista perto da Catedral, que acabou não acontecendo;

14h45 — Os vândalos estavam furando o segundo bloqueio, que tinha sido montado na Alameda das Bandeiras. Nesse momento, o grupo se dividiu, uma parte seguiu para o Congresso, outra para o Palácio do Planalto e outra para o STF;

15h — A multidão invadiu o Congresso Nacional. No momento, havia apenas 20 soldados do Patamo Alfa da PMDF e 24 militares do 1º Pelotão de Choque da PMDF. Eles tentaram conter as pessoas com gases de efeito moral e balas de borracha, mas não conseguiram. Pouco depois, os policiais do Pelotão de Choque se deslocaram para a Via S1, que dá acesso ao STF;

15h20 — Havia cerca de 20 policiais fazendo a segurança do Palácio do Planalto, mas eles não conseguiram conter a multidão que chegou. Os vândalos entraram pelo estacionamento de trás do prédio e quebraram os vidros da fachada para poderem invadir;

15h25 — Os móveis do Planalto foram atirados na Praça dos Três Poderes; o painel As Mulatas, de Di Cavalcanti, foi esfaqueado; e um relógio de Balthazar Martinot, do século 17, foi quebrado;

15h35 — Ao mesmo tempo, os golpistas quebraram o vidro do Salão Verde do Congresso rasgaram telas, quebraram móveis, picharam paredes, roubaram objetos e iniciaram um incêndio. Neste momento, cerca de 60 policiais legislativos da Câmara e do Senado tentavam conter a multidão com bombas de efeito moral;

15h37 — No STF, a Polícia Judicial tentou conter os invasores, mas não conseguiu. Os golpistas picharam a Estátua da Justiça, de Alfredo Ceschiatti; quebraram vidros e móveis. Até mesmo uma cadeira de ministro foi parar no meio da Praça dos Três Poderes;

17h — O Batalhão de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal só chegou à Praça dos Três Poderes às 17h. Em poucos minutos, eles expulsaram os invasores, que foram levados para o gramado;

17h08 — Ibaneis Rocha demitiu o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, que estava nos EUA. Por voltas das 18h30, a Advocacia-Geral da União pediu a prisão de Torres;

17h50 — O presidente Lula, que estava em Araraquara (SP) para verificar o estrago das chuvas ocorridas na região, decretou intervenção federal na Secretaria de Segurança Pública do DF e designou Ricardo Garcia Cappelli, então secretário-executivo do Ministério da Justiça, como interventor;

19h — Em vídeo publicado nas redes sociais, Ibaneis pediu desculpas pelas invasões às sedes dos Três Poderes. “O que aconteceu hoje na nossa cidade foi simplesmente inaceitável”, disse;

20h — Cappelli manda as tropas prendam o máximo de vândalos possível e decide pela desocupação do acampamento no QG na manhã seguinte;

22h — Lula chega de Araraquara e vistoria o Planalto e o STF, acompanhado dos ministros Rosa Weber, Roberto Barroso e Dias Toffoli.

Democracia robusta

Os ataques de 8 de janeiro, inflamados pela polarização, desinformação e radicalização política, não foram capazes de pôr em risco a estabilidade democrática brasileira. Passados dois anos da invasão e depredação às sedes dos Três Poderes, observamos que a força das instituições e a resiliência da sociedade serviram de esteio para amortecer as ambições iliberais.

Mesmo sob pressão, os alicerces institucionais do país não cederam e demonstraram sua capacidade de resposta imediata e exemplar, com o repúdio generalizado da população a qualquer ameaça democrática. O nosso arcabouço institucional, eivado de mecanismos de controle, como bicameralismo, multipartidarismo, federalismo, imprensa livre, setor privado consolidado, Judiciário e Ministério Público independentes, entre outros, são âncoras que fream eventuais rupturas. Mesmo diante de crises, o sistema democrático do Brasil é capaz de se manter firme.

Países que detêm o centro político forte, como o caso do Brasil, também costumam enfraquecer aventuras autoritárias. As forças centristas trazem moderação e equilíbrio para a tomada de decisões, eliminando arroubos populistas à esquerda e à direita. Após os ataques de 8 de janeiro, o discurso em defesa da democracia se tornou mais evidente entre políticos, líderes da sociedade civil e cidadãos.

Houve um avanço pedagógico sobre a preservação do Estado de Direito. Os Três Poderes agiram de forma conjunta para enfrentar a crise, demonstrando maturidade institucional. O 8 de Janeiro de 2023 ressaltou ainda o valor de educar a população sobre o exercício da cidadania, o funcionamento das instituições e o respeito às leis. Uma sociedade mais informada está melhor preparada para resistir a discursos rasos e fáceis.

Nas últimas quatro décadas, sempre que a democracia foi ameaçada por métodos iliberais — depredações públicas, invasões de terras, desordem institucional e conspirações diversas — a sociedade reagiu de forma categórica. Os ataques de 8 de janeiro reforçaram novas lições para a democracia brasileira, a principal delas é que é preciso estar sempre vigilante, mesmo em períodos de normalidade institucional.

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