Novo Marco das Garantias barateia crédito, mas há riscos para o consumidor
Projeto promete destravar o crédito no país e governo aposta que novas regras devem estimular o crescimento pelo consumo interno, mas especialistas alertam para o perigo do superendividamento
Linha de montagem: crise na Argentina derrubou as exportações – (crédito: Volkswagen/Divulgação)
Com a aprovação pela Câmara, na semana passada, das mudanças incluídas pelo Senado, o novo Marco Legal das Garantias de Empréstimos está, agora, à espera da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O projeto, proposto ainda na gestão de Jair Bolsonaro (PL), é uma das apostas do governo para ampliar o crédito e impulsionar o crescimento do mercado interno.
Com as novas regras, bancos e outras instituições de crédito, em caso de inadimplência, terão mais facilidade de executar garantias oferecidas na tomada de empréstimos. Com essa redução do risco para o credor, a expectativa do governo é que a oferta de crédito se amplie, forçando a redução nos custos de financiamentos no país.
Abordando as condições para realização de penhora, da hipoteca e dos casos de transferência de imóvel para pagamento de dívidas, além da retomada de bens móveis, como carros em alienação fiduciária, a lei deve facilitar as operações entre entidades financeiras e consumidores. Vai impactar diretamente na vida da população, promovendo uma redução nos juros e a ampliação das ofertas de crédito. Os maus pagadores também devem ser impactados com a execução mais rápida dos bens dados em garantia, diminuindo as vantagens de se valer da tradicional demora do Judiciário para protelar a liquidação de débitos.
Privilegiando a cobrança de dívidas no âmbito extrajudicial e mirando a agilidade desses processos, os cartórios poderão notificar um devedor até por plataformas de mensagens eletrônicas, como o WhatsApp, e o procedimento será considerado legalmente válido.
Veículos
O setor automotivo, considerado estratégico pelo governo — representa 22% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial do país e, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), emprega diretamente 1,2 milhão de pessoas — deve ser um dos mais beneficiados com a nova lei.
Pela nova regra, além dos devedores poderem ser notificados extrajudicialmente por mensagens no telefone celular, as financeiras de veículos poderão promover a busca e apreensão de veículos de devedores sem a necessidade de ingressar com ações judiciais. Quando o veículo estiver alienado, o credor poderá ir diretamente no Detran, e com o atendimento de empresas especializadas, fazer a recuperação desse bem dado em garantia.
O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, comemorou a aprovação da lei como um novo horizonte para a economia brasileira. Apostando em uma forte retomada do crédito, destacou o estímulo que deve ter a compra de automóveis zero quilômetro.
“O vice-presidente (Geraldo) Alckmin mencionou comigo que ele ouviu da indústria automobilística que a aprovação do Marco das Garantias, terá um impacto sobre a venda de veículos muito maior que qualquer incentivo fiscal do governo ao setor”, disse o secretário em referência ao programa de descontos de R$ 2 mil a R$ 8 mil para a compra de carros novos de até R$ 120 mil, realizado pelo governo no início do ano.
Hipoteca da Casa
Quando aprovado pela primeira vez na Câmara, em junho de 2022, o projeto permitia a penhora do único imóvel de moradia da família. A proposta de supressão dessa proteção que existia na lei gerou muitas críticas, e o texto foi alterado no Senado para garantir a impenhorabilidade da única residência familiar. Mas essa proteção segue apenas abrangendo as dívidas que não tenham o próprio imóvel como garantia. Se a residência familiar for hipotecada, no caso de não pagamento, o devedor continuará correndo o risco de perder a residência em que mora.
Hoje, um imóvel pode ser usado como garantia de apenas uma operação de crédito, mas, com a nova lei, será permitido hipotecar o imóvel em diversas operações. A norma permite, por exemplo, que um imóvel avaliado em R$100 mil possa ser usado em duas hipotecas de R$50 mil. Até agora só era possível usar o imóvel apenas para uma hipoteca, independentemente do valor.
Endividamento
O secretário Marcos Pinto, descarta a possibilidade de uma bolha imobiliária, que gerou a crise dos “subprimes” nos Estados Unidos, em 2008. Para ele, a nova legislação vai garantir a ampliação do mercado de crédito, com empréstimos muito mais baratos para os consumidores. Para ele, não há risco de qualquer crise sistêmica, já que, no Brasil, o crédito hipotecário — apesar de ter as menores taxas do mercado — fora do financiamento da casa própria tem uma participação ainda residual, situação que deve mudar com a nova lei.
A avaliação do ministério é que, reduzindo o tempo e a burocracia de recuperação de garantias, o risco de inadimplência vai cair, levando a uma redução expressiva nas taxas de juros que acarretará a ampliação do acesso ao crédito para toda a população.
“O grande risco pro consumidor é o superendividamento. É preciso ter muita cautela e planejamento ao assumir novos empréstimos. E se lembrar que, se não pagar, vai perder o bem. Ou seja, o consumidor terá maior autonomia sobre a sua propriedade, maior capacidade de alavancagem e maior oferta de crédito com juros menores, mas isso demanda mais responsabilidade na hora de assumir os compromissos”, explica Silvio Soares, advogado especialista em direito bancário do escritório Urbano Vitalino.
No prego
O penhor civil, usualmente de joias, relógios e obras de arte, continuará monopólio da Caixa, para evitar o estímulo à agiotagem ou à lavagem de dinheiro por meio dessa modalidade de crédito.
“É uma das operações mais baratas, voltada a pessoas que passam por dificuldades financeiras, estão negativas e não têm outras garantias a apresentar e, por isso, decidem penhorar bens que não querem se desfazer deles. São objetos de alto valor afetivo, herdadas de antepassados, desde joias a relógios e canetas, por exemplo. Com a quitação do empréstimo a juros mais baixos, as peças retornam aos herdeiros” defendeu em nota a Associação de Pessoal da Caixa Econômica (Apcef).
Com informações do Correio Braziliense
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