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Entenda o projeto de lei “Escola sem Partido”

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O movimento “Escola sem Partido”, mais novo vício dos setores mais reacionários do país agora inflamados pelo novo presidente eleito, afirma que está em curso no Brasil um gigantesco processo de doutrinação de orientação marxista-leninista nas escolas de rede pública, encabeçado por professores “comunistas”, serviçais da “ditadura bolivariana”.

O programa, que já é um projeto de lei e transita na câmara dos deputados (http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1317168.pdf ), afirma que os professores, em sala de aula, não podem expressar suas opiniões políticas ou preferências ideológicas. Quando for necessário tratar dessas questões, como em uma aula de História, por exemplo, o professor deve apresentar todos os fatos, opiniões e perspectivas com o máximo de pluralidade científica possível, cuidando para que não exista desmesura em sua apresentação e que um lado não seja privilegiado em detrimento do outro.

Nós, da Dissidência, nos perguntamos: mas isso já não é feito? E a resposta é sim! Não há doutrinação marxista alguma em curso no Brasil. É um absurdo típico de quem nunca abriu um livro didático na vida. Se de fato houvesse, nossos jovens seriam instruídos na leitura dos clássicos socialistas desde cedo, as obras de Engels e Fourier estariam nas listas de leituras obrigatórias no ensino fundamental, e os alunos deixariam o ensino médio sabendo o que é “mais-valia” e “acumulação primitiva”, coisa que não acontece. Desafiamos os autores do projeto de lei a sabatinar alunos brasileiros sobre teoria marxista clássica e iremos nos divertir quando eles descobrirem, espantados, que esses alunos, muitas vezes, nunca ouviram falar em “materialismo histórico” e nem sabem ao certo qual a diferença entre “socialismo” e “comunismo”.

O que há nas escolas é um ensino básico e superficial dos grandes movimentos políticos da história, nos anos apropriados, normalmente no final do ensino fundamental, quando os estudantes entram em contato com as mais importantes correntes do pensamento político, de Maquiavel e Adam Smith a Marx e Montesquieu. Não há, de maneira alguma, uma lavagem cerebral marxista feita por professores comunistas que apresentam Karl Marx como único pensador relevante na história da humanidade. Basta ler qualquer livro didático de história que é possível encontrar uma pluralidade absolutamente normal de figuras históricas importantes para o mundo, sejam eles de direita ou de esquerda. Há textos sobre a revolução russa, francesa, cubana e chinesa, bem como sobre a guerra fria, a revolução industrial, a reforma protestante, a peste negra, a inquisição, as batalhas napoleônicas, o nacional-socialismo, o império romano, as civilizações árabes, o renascimento italiano, a queda do muro de Berlim e outros grandes eventos e momentos notáveis na história humana. Ditaduras, de nenhum dos lados, são louvadas, há apenas uma explanação histórica básica do que elas foram.

Esse simples fato bastaria para que, em uma análise razoavelmente racional dessa questão, qualquer cidadão letrado entendesse que o projeto é uma alucinação desvairada, que não tem conexão alguma com a realidade da educação no Brasil, além de ser um desperdício de tempo dos nossos parlamentares.

A própria LDB (http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529732/lei_de_diretrizes_e_bases_1ed.pdf), lei que regulamenta o sistema educacional brasileiro, público ou privado, da educação básica ao ensino superior, já se ocupou em tratar do assunto, obrigando o ensino a ter “pluralismo de ideias” e afirmando que a educação deve ter “liberdade para divulgar cultura e conhecimento” sempre relacionados com a “realidade social e política”, como é dito no artigo 26, inciso 1, do capítulo 2. Na seção III, capítulo 2, afirma-se ainda que, no ensino fundamental, é essencial “a compreensão do ambiente natural e social, do SISTEMA POLÍTICO, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”, tornando, assim, absolutamente proterva a ideia de varrer dos livros escolares textos políticos sob a desculpa da doutrinação, impedindo que os estudantes tenham acesso ao universo do pensamento político.

Os alunos precisam ter uma formação completa, precisam estudar o socialismo, o liberalismo e tutti quanti, sem exceções, e os professores precisam ter liberdade para ensinar sem o medo de serem coagidos por câmeras de celulares (aqui cabe uma digressão: já ficou provado que o uso de aparelhos celulares dentro de sala é nocivo para o aprendizado: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/09/uso-de-celular-em-sala-de-aula-dobra-efeito-negativo-nas-notas-aponta-estudo.shtml, mas os militantes do “Escola sem Partido” não parecem estar preocupados com isso.)

Todo esse movimento “sem partido” não passa de uma fantasia insana de reacionários, liberais e afins, que nada sabem sobre educação, sonham em policiar falas, com o beneplácito do executivo, e censurar qualquer possibilidade de uma educação verdadeiramente crítica e erudita da história, limitando nossos alunos a uma compreensão incompleta e monolítica da sociedade e do mundo, e ainda inventando mentiras e incitando o ódio contra os educadores de nosso país. Uma rápida pesquisa no Google mostra um enxame de pais e mães raivosos “denunciando” “doutrinadores” e alunos filmando aulas de professores e professoras (https://youtu.be/0qeHzbgpfMQ).

Com a aprovação de uma lei estapafúrdia como essa entregaremos nas mãos de indivíduos despreparados a educação brasileira e estaremos dando aval para uma perseguição tresloucada contra professores “esquerdistas”, que já começou esse ano quando a deputada eleita em Santa Catarina pelo PSL, Ana Campagnolo, divulgou uma mensagem em que pedia aos alunos das escolas públicas de seu estado que filmassem professores “doutrinadores” (vale lembrar que a deputada era professora e ministrava aulas usando uma camiseta com a foto de seu candidato: https://www.revistaforum.com.br/deputada-que-pediu-para-filmar-professores-doutrinadores-e-denunciada-por-ex-aluno). O presidente eleito, Jair Bolsonaro, também divulgou um vídeo dando uma “orientação para toda a garotada do Brasil” (sic). No vídeo, ele pede que os alunos filmem os professores para que os pais saibam o que acontece dentro da sala de aula, para que todo o Brasil levante-se contra a “doutrinação” das escolas. Além de comprar a ideia surreal de doutrinação marxista, ainda incentiva o uso de celulares em sala de aula, provando que está mais preocupado em sustentar o espantalho da doutrinação para manter sua imagem de anticomunista imperecível na sociedade do que com o aprendizado verdadeiro dos estudantes.

A Dissidência Política do DF repudia esse projeto por saber que é apenas mais um delírio reacionário e que a escola brasileira não é um campo de reeducação maoísta em que os alunos são castigados com chicote se, por ventura, não souberem recitar o inexistente “Decálogo de Lenin” de cor.

O invariavelmente cômico e completamente farsesco “Decálogo de Lenin” foi usado aqui única e exclusivamente como referência satírica ao desconhecimento histórico absolutamente infernal, horripilante, atroz e incansável dos militantes anticomunistas brasileiros, se tratando de uma das mais torpes e desonestas falsificações atribuídas a um autor que jamais escreveria alto tão espúrio.

Fonte: Dissidência Política do DF.

Jornalista

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