Deputados distritais discutem adoção da tarifa zero no transporte público
De acordo com estudo realizado na CLDF, são 265 milhões de acessos no sistema de transporte público por ano, sendo que, deste total, apenas 19,5% são gratuitos. Especialistas divergem sobre a implantação do modelo na capital do país
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Em uma era de mobilidade urbana cada vez mais complexa, muitas ideias e projetos surgem para tentar lidar com um problema que afeta milhões de cidadãos. Uma das iniciativas que tem ganhado destaque é a tarifa zero. A proposta visa isentar o usuário final de pagar pela passagem. Em pauta na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), o tema tem provocado discussões sobre a viabilidade e os impactos econômicos.
Em um estudo organizado pelo deputado distrital Fábio Félix (PSol), foi constatado que o sistema de transporte público tem uma média de 736 mil acessos por dia (265 milhões por ano). Dos usuários que utilizam esse meio para se deslocar, 235 milhões são pagantes (80,5%), enquanto 57 milhões utilizam gratuitamente (19,5%).
O relatório destaca também que, para empresas de transporte público funcionarem, é preciso que o governo faça um repasse anual de recursos. Isso traz aos cofres públicos um custo que gira entre R$ 1,1 bilhão e R$ 1,6 bilhão por ano, sustentando dois terços do sistema. De acordo com o documento, os empresários calculam que, sem a ajuda do governo do DF, as passagens, que hoje têm preço médio de R$ 3,86, deveriam estar custando próximo de R$ 10.
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O distrital avaliou que é possível alcançar a gratuidade total no transporte público, no entanto, ainda é preciso reforçar o diálogo com o Executivo local, para que isso seja gradualmente atingido. “Temos avançado nas tratativas com o governo, pressionando para que o GDF acelere a implementação da tarifa zero. Conseguimos alguns compromissos importantes rumo à gratuidade do transporte, como a liberação do passe livre para estudantes nos fins de semana e nas férias, além da inclusão de outros grupos vulneráveis na política de gratuidade”, apontou.
A ideia
O texto aponta que a saída para lidar com o panorama apontado pelos empresários seria adotar um modelo que ofereça transporte gratuito para a população em geral. O custeio deste plano viria do crescimento na arrecadação de impostos. A justificativa é que a arrecadação do GDF tem crescido mais de R$ 3 bilhões anualmente — com R$ 1,2 bilhão voltado, exclusivamente, para o pagamento da folha de servidores públicos. Do montante arrecadado, R$ 2 bilhões poderiam ser aplicados em novas políticas públicas.
Entre as vantagens ressaltadas para essa mudança de modelo, estão o incentivo ao uso de ônibus para locomoção, o que, consequentemente, gera redução dos engarrafamentos nas vias de Brasília. Haveria impacto também sobre a empregabilidade das pessoas, pois sem o custo de passagem, a população desempregada aumentaria a busca por ocupações em outras regiões. Além disso, moradores de regiões distantes poderiam circular mais, em busca de lazer e de diversão. Todos esses fatores culminaram num crescimento da economia local, de acordo com o estudo.
Distrital e líder do governo na CLDF, Robério Negreiros (PSD) levanta preocupações quanto a viabilidade financeira proposta. “A tarifa zero é algo que obviamente seria importante para a população, porém, ainda muito distante da realidade. Isso só se concretizará com a equação orçamentária/financeira definida. Hoje, o governo sofre para custear o atual sistema de mobilidade, sem a tarifa zero, na forma subsidiada”, disse.
Ao criticar o estudo feito por Fábio Félix, Negreiros lembrou que gestões anteriores tentaram implementar a ideia, porém sem sucesso. “Defender isso na oposição é fácil. Sendo que o governo de esquerda já teve três oportunidades (Cristovam Buarque, Agnelo e Rollemberg) e viram que não é simples, na prática. Ressaltamos que o atual governo está aberto ao diálogo”, concluiu.
Solução
Entre os defensores da iniciativa, a adoção da tarifa zero, embora necessite de estudos, é quase uma urgência. O deputado distrital Max Maciel (PSol) é um dos que vê dessa forma. Para o presidente da Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CTMU), a aplicação do modelo para o transporte público da capital é quase inevitável. “A verdade é que a tarifa zero é um caminho sem volta. O modelo de transporte público, da forma como é feito atualmente no DF, faliu”, comentou.
Maciel também pontuou que, mesmo sendo indispensável uma mudança no transporte público, ela ainda deve ser feita com progressivamente, com execuções em locais-teste, em um primeiro momento. “A nossa ideia é que a tarifa zero seja implementada para todo mundo, até para aqueles que não queiram usar. A nossa proposta de escalonamento, é que comece com um fim de semana, uma linha, só o BRT ou o metrô. Com isso, vamos saber qual é a real demanda, quantas pessoas vão acessar o sistema, entre outros pontos”, explicou.
Obstáculos
Maciel destacou que, para que a gratuidade funcione bem, o transporte público precisa ser estimulado. “Temos a questão da malha viária. Estão acontecendo várias obras pelo DF, mas nenhuma foi pensada para o transporte público. Se eu quero desestimular o uso do transporte individual, é preciso pensar em obras que facilitem a utilização do transporte coletivo de massa”, observou Max Maciel.
De acordo com o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Francisco Christovam, a prática de subsidiar o transporte coletivo — seja 100% da tarifa ou uma parcela dela — é importante. “O modelo tradicional, de financiamento do transporte público exclusivamente por meio da tarifa paga pelo passageiro, está ultrapassado e exclui uma parcela crescente da população, que não possui condições de custear o serviço”, destacou.
Para Christovam, Brasília avançou nesse sentido, mantendo a boa oferta do serviço, o equilíbrio dos contratos e o valor módico das tarifas. “A adoção da tarifa zero pode ser o próximo passo, mas é preciso muito planejamento e responsabilidade por parte do poder público. É fundamental levar em conta quais serão as fontes dos recursos necessários para implementar e manter o sistema”, alertou. “Não existe passagem gratuita, alguém paga essa conta. Então, entendemos que, se for para subsidiar integralmente a tarifa, o governo do Distrito Federal precisa encontrar uma maneira segura e eficiente para financiá-la”, complementou o presidente da NTU.
O engenheiro de trânsito e professor do Ceub Luango Ahualli concorda e vai além. “Toda viagem começa e termina a pé. Por isso, nada mais justo do que melhorar as calçadas, a acessibilidade e a segurança nas paradas e estações de transporte público”, destacou. Para o especialista, é importante investir na melhoria das calçadas e na acessibilidade para pessoas com deficiência. “Isso inclui a construção de calçadas largas, bem iluminadas, bem conservadas e com rampas de acesso, facilitando o deslocamento dos pedestres até as paradas de ônibus”, ressaltou Ahualli.
Em nota, a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) informou que está realizando um estudo de viabilidade econômica e financeira da tarifa zero, para posterior envio aos órgãos competentes para análise. “No momento, não há informações disponíveis”, acrescentou a Semob.
Embora a discussão seja complexa, ela ainda precisa levar em conta um importante fator: a adesão do público. O Correio ouviu alguns usuários do transporte público para saber o que eles acham da iniciativa e de que forma ela poderia lhes beneficiar. Embora reconheçam a importância da gratuidade do transporte público em suas vidas, boa parte dos entrevistados levantam alguns temores em relação à ideia, principalmente quanto à qualidade do serviço prestado.
Esse é o caso da vendedora Jennifer Teixeira, 22 anos, é uma das usuárias do sistema. A moradora de Águas Lindas (GO) contou que os gastos com transporte consomem boa parte de seu orçamento, chegando a uma despesa mensal de aproximadamente R$ 400. “Se eu não gastasse tudo isso para me locomover, seria um rendinha a mais, que eu poderia utilizar de outras formas”, disse. Ela, no entanto, se preocupa com a superlotação dos ônibus, a qual viria com o maior uso proporcionado pela gratuidade. “Às vezes, o ônibus está abarrotado. Eu conheço algumas pessoas que usam para as coisas mais supérfluas. De graça, seria ainda pior”, preocupou-se.
Assim como Jennifer, Francisca Oliveira, 57, também moradora de Águas Lindas (GO). Ela ressaltou que a gratuidade do serviço certamente beneficiaria a população em geral, mas teme que com isso as empresas não tenham recursos suficientes para cuidar dos veículos coletivos. “Pagando já está difícil, imagina se não pagar. Acredito que a situação pode ficar pior. Vai ser bom, mas não sei se é a melhor solução”, lamentou. De acordo com o soldado Gabriel Chagas, 20, morador de Brazlândia, tarifa zero “é um projeto bem distante, mas seria positivo para a sociedade”.
Com informações da Correio Braziliense
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