Está cada vez mais difícil estacionar nos centros das regiões administrativas
Com a frota de carros quase se igualando à quantidade de habitantes do DF, as infrações de motoristas que não têm onde deixar o carro cresceram 3,82% entre 2022 e 2023. Gargalos no transporte público fazem com que brasilienses optem pelo automóvel
Um total de 476 autuações foram aplicadas diariamente por estacionamento em local proibido em 2023, quando o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) aplicou 174.076 multas por esse motivo na capital do país. A situação só se agrava, visto que somente nos três primeiros meses de 2024, um total de 44.525 autuações foram registradas pela mesma infração, o que representa 489 multas aplicadas por dia. Queixas referentes ao sistema de transporte público têm se refletido na dimensão da frota de carros do DF, que só cresce. Especialistas defendem a mobilidade sustentável como solução para a mobilidade.
Ontem, a reportagem do Correio Braziliense percorreu os centros de Ceilândia, Taguatinga, Águas Claras e do Setor Comercial Sul, onde flagrou carros amontoados próximos a placas que sinalizavam a proibição de estacionar. Moradora de Sobradinho, Eloá Godoy, 38 anos, trabalha no Setor Comercial Sul (SCS) e os problemas com estacionamento fazem parte de sua rotina. “Trabalho aqui há cinco anos. Entro às 9h, mas o movimento de carros por aqui começa às 8h. Quando chego, dificilmente tem vaga. Já me acostumei a deixar o carro estacionado em fila dupla, bater o ponto e depois voltar a procurar vaga. Nesse meio tempo, já fui multada várias vezes”, relata. “Toda semana o Detran passa aqui multando, mas é praticamente impossível encontrar uma vaga que não seja em local proibido”, completa.
Eloá conta que já pensou em deixar de ter carro, mas desistiu, uma vez que não considera o transporte público do DF ideal e também por conta do filho pequeno. “É complicado andar com criança em transporte público. Já pensei também em trocar carro por transporte por aplicativo, mas fiz as contas e o dinheiro que gasto com gasolina diariamente para ir ao trabalho equivale apenas a um trecho feito por aplicativo. Não compensa”, declara.
A escassez de estacionamentos tem causado conflitos na região central de Brasília. Na última quarta-feira, um motorista teve um ataque de fúria e quebrou os vidros e as lanternas de um carro parado atrás do automóvel dele no Setor Hoteleiro Sul (SHS). A condutora do veículo danificado havia deixado o carro aos cuidados de um flanelinha. No último dia 3, no estacionamento da Câmara dos Deputados, um motorista deu ré arrastando um veículo que estava trancando a saída dele. O carro foi parar no meio da passagem de veículos, aumentando o congestionamento no local.
Mobilidade sustentável
Especialistas em tráfego e locomoção urbana defendem a mobilidade sustentável como solução para os problemas com estacionamento e transporte público que o Distrito Federal enfrenta. Paulo César Marques, professor de Engenharia de Tráfego na Universidade de Brasília (UnB), defende que, em vez de o governo investir em mais estacionamentos, deve apostar cada vez menos na dependência do automóvel. “Não há grande cidade no planeta que ofereça vagas, ainda mais gratuitas, para que todos possam chegar de carro nas áreas centrais. As pessoas simplesmente pagam caro para estacionar em espaços privados ou usam transporte público”, destaca.
Para o economista e secretário-executivo do Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte (MDT), Wesley Ferro, a implementação da política de mobilidade urbana sustentável em um território pressupõe o rompimento com os modelos históricos baseados na priorização de carros. “Em Brasília, há uma imobilidade causada pelo excesso de automóveis. É preciso reduzir o protagonismo dos carros dentro do espaço urbano e priorizar modais ativos de circulação e o sistema de transporte público”, defende. “Não se trata de demonizar o automóvel, mas priorizar as pessoas é a única garantia para a redução das externalidades negativas produzidas pelo nosso atual modelo de desenvolvimento baseado em carros”, acrescenta.
Segundo dados do Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte (MDT), entre 2003 e 2023, a população do Distrito Federal cresceu 24,8%, enquanto a frota de veículos, por sua vez, teve o aumento expressivo de 184%. Hoje, o DF conta com 2.026.118 veículos em circulação, quantidade 3,82% maior do que a registrada no ano de 2022.
Zona Verde
O Governo do Distrito Federal (GDF) desenvolveu o projeto Zona Verde, que prevê a gestão de aproximadamente 115 mil vagas de estacionamento e a previsão é de criação de aproximadamente 6 mil novas vagas. O projeto está em análise no Tribunal de Contas do DF (TCDF) e o governo aguarda para, então, seguir com a licitação.
O Zona Verde é uma concessão na qual a empresa vencedora da licitação poderá operar o serviço por até 20 anos e traz em sua essência o incentivo ao transporte público, com a disponibilização de bolsões de estacionamento nas estações de BRT e Metrô, o que contribuirá para a redução dos deslocamentos em automóvel particular. O usuário que deixar o veículo nos bolsões próximos às estações de metrô e BRT, e usar o transporte público, será isento de cobrança de estacionamento. O projeto engloba estacionamentos rotativos com cobrança de tarifa no Plano Piloto, Sudoeste, Setor de Indústrias Gráficas e Setor de Indústria e Abastecimento.
Flanelinhas
O excesso de carros espalhados por todas as regiões de Brasília é vantajoso para uma classe de trabalhadores que tem crescido cada vez mais no DF: os flanelinhas e lavadores de carros. Leonardo Pereira, 38 anos, e a esposa Ester Pereira, 26, trabalham há dois anos vigiando e lavando carros em um estacionamento próximo ao Taguacenter, em Taguatinga, e, além da renda com a limpeza de automóveis, eles também recebem o apoio financeiro dos proprietários das lojas próximas ao local. “A gente ajuda a organizar o estacionamento. Não só ajudamos o povo que vai estacionar, como os donos das lojas a não perderem clientes por falta de estacionamento”, ressalta Leonardo, que já está cadastrado pelo GDF.
Em 2021, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda (SEDET-DF) criou o cadastro dos lavadores e guardadores de veículos. O programa tem o objetivo promover a formalização e capacitação desses profissionais, oferecendo aos trabalhadores segurança jurídica, capacitação, melhores oportunidades e, também, segurança à população do Distrito Federal. Os candidatos recebem um curso de capacitação profissional e treinamento de boas maneiras e atendimento ao público, incentivo a práticas sustentáveis para o desempenho de suas atividades e orientação à formalização, além de fomento a linhas de crédito.
Após a formação, o profissional é cadastrado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda, recebe crachá e colete de identificação, e sua ficha técnica fica disponível no site www.sedet.df.gov.br. Como apoio, o lavador de carro ganha um kit contendo itens essenciais para o exercício da atividade, como mochila, flanelas, borrifadores e escovas e produtos de limpeza biodegradável, para que ele exerça suas atividades de forma mais organizada e profissional.
Multas
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), as multas por estacionamento irregular vão de R$ 88,38 a R$ 293,47. Aos condutores que estejam estacionados e se deparem com outro veículo trancando a saída, a orientação do Detran-DF é ligar 190 e fazer a queixa. Dessa maneira, o Centro Integrado de Operações de Brasília (CIOB) irá direcionar a demanda para a equipe de policiamento de trânsito que estiver mais próxima do local, a fim de que seja prestado o atendimento com prioridade.
Com informações do Correio Braziliense
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