Única governadora, petista defende relação de respeito com Bolsonaro
Única mulher escolhida governadora nas últimas eleições, a senadora Fátima Bezerra (PT) faz questão de lembrar o nome de uma precursora do movimento feminista no Brasil, toda vez que comemora sua eleição para chefiar o Rio Grande do Norte.
“Não podemos nos esquecer de que o Rio Grande do Norte é a terra de Nízia Floresta”, diz Fátima, referindo-se à escritora e poetisa brasileira, nascida em 1810, no então município de Papari. Hoje, a cidade leva o nome da feminista. No século 19, Nízia ela rompia os limites privados reservados ao feminino e publicava textos na imprensa nacional, ainda incipiente.
Paraibana de nascimento, mas representante da política potiguar há mais de 30 anos, Fátima Bezerra, enquanto comemora, inquieta-se com o fato de ser a única mulher a ascender ao posto na última eleição. “Em um universo de 27 gestores, ter apenas uma mulher governadora? Isso fala por si só!”, reclama. “Isso deve ser motivo para que a sociedade se dê conta de que, cada vez mais, é preciso ter instrumentos que estimulem a participação política das mulheres”, defendeu.
Os feitos do Rio Grande do Norte não são poucos em relação ao protagonismo feminino. Trata-se do estado que mais teve mulheres governadoras no país. Fátima será a terceira, sendo precedida por Wilma de Faria (1945-2017), eleita em 2002 e 2006, e Rosalba Ciarlini, eleita em 2010.
Também no Rio Grande do Norte, a professora Celina Guimarães Vianna conseguiu seu registro para votar em novembro de 1927 e é considerada a primeira eleitora do Brasil. O estado ainda elegeu a primeira prefeita da América Latina, em 1929, quando Alzira Soriano chegou ao executivo do município de Lages.
A governadora eleita espera ter com o futuro Jair Bolsonaro, uma relação “institucional”. “Do mesmo jeito que eu, enquanto governadora, tenho que respeitar o presidente, ele tem que me respeitar como governadora e ambos têm que respeitar a essência da democracia que é soberania do povo”, defendeu.
Fátima Bezerra foi eleita em segundo turno, com 57,58% dos votos válidos, e derrotou o candidato do PDT, o ex-prefeito de Natal Carlos Eduardo.
Metropoles – A senhora foi a única mulher eleita governadora nestas eleições. O que fazer para que esta participação seja maior?
Fátima Bezerra – O Rio Grande do Norte é um estado no qual a história registra um certo pioneirismo na participação política das mulheres. O primeiro voto feminino, a primeira prefeita eleita na América Latina, mas é preciso adicionar que é a terra onde nasceu Nízia Floresta e isso é motivo para a gente celebrar. Por outro lado, o fato de eu ser a única mulher eleita neste ano enseja uma reflexão. Em um universo de 27 gestores, ter apenas uma mulher governadora? Isso fala por si só. Some-se a isso, infelizmente, que nos demais espaços de decisão política, como no Poder Legislativo, ainda se tem uma presença muito tímida das mulheres. Isso deve ser motivo para que a sociedade se dê conta de que, cada vez mais, é preciso ter instrumentos que estimulem a participação política das mulheres.
Quais seria esses instrumentos?
Ao meu ver, isso passa por uma reforma política que traga tese da paridade. Isso o meu partido defende há muito tempo e outros partidos no campo popular também, mas esta tese não avança. A gente tem a cota de mulheres candidatas, mas a legislação deveria garantir um número de assentos destinados às mulheres. Recentemente, a destinação de parte do fundo partidário para a candidatura de mulheres, adotada corretamente nestas eleições, foi objeto de muita polêmica por parte de muitos partidos, o que indica, infelizmente, o caráter machista da política.
A senhora assumirá um estado com situação fiscal difícil e com dificuldades para honrar até mesmo a folha de pagamentos. O que fará para melhorar este quadro? A senhora pensa em cortar gastos? Cortar secretarias?
É fato que vivenciamos uma situação muito grave no estado ao ponto de não ser possível cumprir com o pagamento dos salários de servidores. Nosso foco será expandir receita, conter despesas, sem aumentar impostos. Não há uma medida isolada. Queremos melhorar a recuperação da dívida ativa do estado. Boa parte virou crédito podre, mas tem uma parte que é recuperável. Hoje, o estado recupera só 0,25%, a gente pode chegar a 3,5%. Outra coisa é negociar com os demais poderes em relação ao orçamento. O que se tem hoje é o Executivo nesta penúria e sobras no Legislativo e no Judiciário. Minha expectativa e que parte dessas sobras possam retornar para o Executivo.
O Judiciário acabou de receber um aumento nacional e isso acaba se refletindo nos estados e nos municípios, no chamado efeito cascata…
Votei contra. Sou governadora eleita. Os servidores do meu estado não têm sequer o pagamento de seus salários, as politicas públicas precisando de recursos. Não poderia, neste momento, defender um aumento desses.
A questão da violência no Rio Grande do Norte também é grave. Como enfrentar este problema? A senhora tem um plano de segurança?
Nosso foco inicial será o de colocar as contas em dia, mas a questão da segurança pública é prioridade. Vamos investir em uma gestão profissionalizada para diminuir drasticamente os índices de criminalidade e para que isso não impacte no desenvolvimento econômico do estado. A violência atrapalha e muito. Somos um estado turístico e essa criminalidade é uma propaganda hostil.Nosso plano passa pela valorização dos policiais, por recompor o efetivo realizando, de maneira gradativa, concurso e investimento em inteligência. O crime organizado requer muito investimento em inteligência, em novas tecnologias, mais vigilância com sistemas de monitoramento, além de produção de dados para orientar de forma estratégica a ação dos policiais. Quanto ao sistema prisional, nossa ideia é ter uma estrutura totalmente voltada para isso, vamos botar ordem nisso, presos para trabalhar, programas de estudo lá dentro e política de prevenção. Reduzir índices de criminalidade não passa só por mais policiamento, mas é preciso investimento nas políticas sociais com foco na educação.
A senhora vai precisar garantir os investimentos do governo federal no estado. Como será sua relação com o governo de Jair Bolsonaro? O presidente eleito já ensaia um encontro com governadores eleitos. A senhora participaria desse encontro?
Eu vou participar de todas as instâncias em que estejam em debate os interesses do povo do Rio Grande do Norte. Minha relação com ele (Bolsonaro) será institucional. Assim como ele foi eleito presidente da República, eu foi eleita governadora pelo povo do Rio Grande do Norte. É claro que se dependesse do Rio Grande do Norte e dos estados do Nordeste, o presidente teria sido o professor Fernando Haddad que, aliás, deu uma enorme contribuição à Democracia e saiu desse processo como uma grande liderança nacional. Mas o povo brasileiro escolheu Jair Bolsonaro como presidente. Do mesmo jeito que eu, enquanto governadora, tenho que respeitar o presidente, ele tem que me respeitar como governadora e ambos temos que respeitar a essência da soberania, que é soberania do povo.
Alguns partidos de esquerda ou do campo progressista, derrotados das urnas, ensaiam fazer oposição ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, mas sem unidade com o PT. Que movimento o PT deve fazer neste momento?
É necessário que se avalie a série de ataques contra o PT nos últimos anos, a cassação da presidente Dilma Rousseff, sem constatação do crime de responsabilidade, aquilo que ficou conhecido como o golpe parlamentar, depois, a perseguição ao ex-presidente Lula, arbitrária que, afinal, teve como objetivo tirá-lo do páreo. Mesmo assim, o PT elegeu a maior bancada na Câmara, elegeu quatro governadores, Fernando Haddad saiu com quase 45% dos votos. Isso é um resultado que não pode ser desprezado. No segundo turno, o Ciro Gomes cometeu, ao meu ver, um dos maiores equívocos políticos de sua trajetória, que foi se omitir. Isso, do ponto de vista político, é inaceitável. Se tivesse sido o contrário, com ele no segundo turno, o PT estaria do lado dele. Enfim, olhando para frente, o povo brasileiro decidiu de forma soberana mandar o PT para a oposição e faremos esta oposição de olho na Constituição. Isso significa defender os direitos do povo, defender o que está na Constituição do ponto de vista das liberdades, dos direitos fundamentais e pela retomada do crescimento da economia e para que não tenhamos retrocessos.
A senhora é pedagoga de formação e teve atuação como titular das comissões de Educação, tanto na Câmara quanto do Senado. O que pensa do projeto Escola Sem Partido, bandeira do novo governo federal?
É um desserviço à Educação. Volto à Constituição que diz, a respeito da liberdade de cátedra, a liberdade de ensinar e aprender. Isso está na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. É da essência da escola lidar com a realidade. Na verdade, o que o Brasil precisa, não é de escola sem partido. O Brasil precisa é de escola, de professor remunerado dignamente e com condições dignas e justas de trabalho. Todo mundo sabe que o que está atrás disso é cercear o papel do professor e isso não vai prosperar. O Supremo Tribunal Federal está atento a isso e a Procuradoria Geral da República já se posicionou claramente dizendo que este projeto de lei é inconstitucional.