Número de casos de dengue aumenta 1.769% nas dez primeiras semanas do ano
Em 2024, houve um aumento de 1.769% nos casos prováveis de dengue no Distrito Federal, em comparação às 10 primeiras semanas de 2023. Na prática, os números alarmantes são representados pela superlotação no sistema de saúde e pela alta na quantidade de mortes. “Estamos experimentando uma situação de agravamento nunca vista antes no DF”, alertou o epidemiologista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Walter Ramalho.
Para o especialista, o DF vive uma “tempestade perfeita” a favor da dengue, que inclui fatores climáticos, culturais e logísticos. O atual regime de chuvas e as altas temperaturas — potencializadas pelo fenômeno El Niño — elevam a velocidade de reprodução dos mosquitos e, consequentemente, aumentam as transmissões de arboviroses. “Assim, temos a cocirculação de diferentes sorotipos, que permitem, por exemplo, que uma pessoa seja infectada pelo vírus mais de uma vez”, explicou.
Com as pancadas de chuva, a possibilidade de acúmulo de água é maior. “Até um plástico jogado em um gramado favorece a reprodução do Aedes aegypti, que ocorre rapidamente”, completou. Outro fator destacado por Walter diz respeito à falta de monitoramento da dengue e de treinamento e reciclagem de profissionais da área da saúde. “Ficamos muito tempo vidrados na covid-19 e imaginamos que não poderíamos sofrer com outros vírus. Há falta de preparo, inclusive, na rede hospitalar particular”, pontuou.
Diante disso, a sobrecarga no sistema de saúde contribui para o alto número de mortes, 109, segundo o último boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Saúde (SES-DF), na última segunda-feira. Com o fim do verão, a previsão é que as chuvas diminuam e deem lugar ao tempo seco. “Porém, com a imprevisibilidade climática, teremos, pelo menos, mais 30 dias de precipitações e favorecimento da doença”, ressaltou o epidemiologista.
Pico de casos
Por mais que, nas últimas cinco semanas deste ano, os casos prováveis (e contabilizados) de dengue tenham diminuído (Confira gráfico), é preciso atenção à quantidade de testes e ao coeficiente de incidência, que permanece alto em 29 das 35 regiões administrativas do DF. “A quantidade de testes semanais tem caído, por isso, a impressão errada de que a doença está diminuindo no DF. De toda forma, há a possibilidade de estarmos entrando em um pico de casos, sim”, ponderou Breno Adaid, professor e pesquisador em ciências do comportamento da UnB. O pico ocorre quando os casos, que estão em aceleração, atingem seu nível mais alto e, assim, estabilizam. Nesta posição, podem permanecer por pelo menos duas semanas.
Atendimentos
No Hospital de Campanha (HCamp) da Aeronáutica, montado há 39 dias ao lado da Unidade de Pronto-Atendimento I, de Ceilândia, os casos não têm diminuído há sete dias. O major João Luiz Silveira, responsável pela unidade, afirmou que, em média, estão ocorrendo 1.000 procedimentos por dia no local. “Temos recebido bastante pacientes com sinais de alarme, como dores abdominais contínuas, vômitos, sangramentos e choques”. Do dia 3 a 12 de março, foram 34.422 atendimentos no HCamp.
Lorena Oliveira, 23 anos, estava acompanhando o namorado, Kevin Santos, 21, que apresentava sintomas da doença e, sem conseguir trabalhar, procurou o HCamp. “Ele ficou muito preocupado com a questão do trabalho, porque não queria dar atestado”. Além do companheiro, a mãe de Lorena, Francisca Maria Oliveira, 52, também teve um quadro severo da doença. “Ela ficou mais de 15 dias deitada, sem conseguir levantar, gemia de dor, ficamos preocupadas e até choramos juntas assustadas”, contou. “Na minha rua todo mundo pegou, menos eu”, detalhou.
Moradora da Ceilândia, Maria da Paz, 57, conta que ela e o esposo, Airton Araújo, 60, foram contaminados, mas tiveram sintomas leves da doença. “Na nossa família também pegaram minha filha e minha cunhada, que ficou em estado grave e precisou ser internada porque estava com as plaquetas muito baixas”, relatou.
Na tenda de hidratação, em Ceilândia, a instrutora de yoga Samanta de França, 28, disse estar apreensiva com as novas cepas da dengue, e quando recebeu, na última terça-feira, o diagnóstico, imediatamente considerou em como seria seu repouso, pois já havia contraído a doença anteriormente, e sabe que um dos cuidados é parar os trabalhos e ficar em casa. “Tomei todos os cuidados, verifiquei com vizinhos se havia focos do mosquito na rua, e usava frequentemente o repelente, justamente pelo medo de contrair. Mas não foi o suficiente “, queixou-se Samanta.
Mortalidade
Manuel Palacios, infectologista do Hospital Anchieta, explicou que indivíduos infectados mais de uma vez por sorotipos diferentes têm maior risco de desenvolver a forma grave da doença. “Os anticorpos que são gerados pela primeira infecção, podem não neutralizar completamente um novo sorotipo e até facilitar a entrada do vírus nas células do sistema imunológico, piorando a condição”.
Outro fenômeno que contribui para agravar a doença é a carga viral. “Se um indivíduo recebe várias picadas por mosquitos que têm, todos, sorotipos de dengue, então, ele está exposto a uma carga viral muito maior”. Além disso, a reposta imune, quando exacerbada, pode aumentar a permeabilidade vascular, ou seja, ampliar os poros que existem nos vasos sanguíneos, intensificando a chance de casos com choque e sangramento. “Por fim, a predisposição genética pode influenciar na resposta imune e a permeabilidade capilar”, disse Palacios.
Desidratação, uso de medicamentos não indicados, falta de repouso, negligência dos sintomas e não procura por atendimento médico podem agravar os casos de dengue. “A melhor abordagem para reduzir a mortalidade é a prevenção, tanto por meio do controle do vetor quanto da educação da comunidade”, reforçou o infectologista.
Superlotação
O GDF realizou uma coletiva de imprensa na tarde dessa quarta-feira (13/3), no Palácio do Buriti, com o objetivo de evitar subnotificações do número de casos de dengue pelos hospitais privados e compartilhar procedimentos exitosos nos tratamentos realizados nos pacientes entre as redes pública e privada. A vice-governadora Celina Leão (PP) destacou o aumento do número de mortes em investigação atualmente pelo GDF. “De nove mortes por dengue no ano passado, estamos investigando 120 agora”, disse. Ainda segundo ela, todos os hospitais do DF estão superlotados, assim como todas as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
De acordo com Celina Leão, o DF vai servir como celeiro para pesquisas sobre dengue, devido ao alto número de casos e mortes. “A ideia é criar um perfil das pessoas cujos casos vão a óbito. Assim, poderemos identificar os grupos de riscos entre a população e entender por que as pessoas estão morrendo”. As investigações serão comandadas pela Fiocruz e pela UnB. A vice-governadora reiterou também que o alto número de casos e mortes registrado pelo DF se deve a centralização das informações pela SES, estrutura que, de acordo com ela, outros estados não teriam.
Celina afirmou que estão sobrando vacinas contra a dengue, porque os pais não estão levando os seus filhos para se vacinarem, e fez um apelo: “O recado que nós deixamos é para não subestimar a dengue. A dengue de agora leva o paciente a uma situação de coma em 24h”.
Prevenção
– Caixa d’água, lixeiras e ralos devem estar sempre bem tampados;
– Pratos de suporte de plantas devem conter areia;
– Calhas devem estar limpas;
– Piscinas não usadas devem estar cobertas;
– Repelentes devem conter icaridina (picaridina) e DEET e ser reaplicados geralmente a cada 4 a 6 horas;
– Terrenos baldios não devem conter lixo e pneus abandonados.
Com informações do Correio Braziliense
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