Estudo revela que mulheres brasilienses estão optando por menos filhos
Em 20 anos, taxa de natalidade na capital federal teve queda de 15,6%, de acordo com o relatório ObservaDF. Estudo avalia que a ampla escolarização e a inserção feminina no mercado de trabalho influenciam na mudança do comportamento
cidades mulheres filhos – (crédito: pacifico)
Antes da ampla escolarização e da inserção feminina no mercado de trabalho, mudanças desencadeadas no início do século 20, ser mãe foi a principal função social das mulheres por muito tempo. É o que informa o relatório Ter ou não ter filho? Um olhar sobre a maternidade no Distrito Federal, realizado pelo ObservaDF. Os autores do documento analisaram dados da Secretaria de Saúde (SES-DF) que apontam queda na taxa de natalidade entre as brasilienses. Segundo o estudo, em 2000, foram registrados 47,9 mil nascimentos e, em 2022, a estimativa é que tenham sido 37,6 mil. A redução é de 15,6% no período.
No Brasil, em 1960, quando ocorreu a inauguração da nova capital federal, as mulheres tinham, em média, 6,3 filhos. Cinquenta anos depois, em 2010, essa média caiu para 1,8 filho por mulheres. Atualmente, as famílias brasilienses são compostas por poucos filhos, ou até mesmo, nenhum.
Para a professora Ana Maria Nogales, autora do relatório, a baixa no número está ligada às questões profissionais, divisão do trabalho doméstico, além dos custos com educação, saúde e segurança, que também são fatores relevantes para essa mudança nas últimas décadas. “A perspectiva é de redução dos níveis de fecundidade, sobretudo nas áreas de mais baixa renda, e de o primeiro filho ocorrer em idades cada vez mais avançadas”, ela prevê.
Segundo a análise de dados feita pelo relatório, as mulheres do DF abaixo dos 30 anos são as com menor interesse em ser mãe. Desde 2000, a redução de fecundidade entre as idades de 20 a 24 anos foi igual a 52,3%. Na faixa etária de 25 a 29 anos, a diferença é de 39,1%. Para a professora, a maior escolarização e a carreira profissional têm contribuído na postergação da idade de início da maternidade. “E quanto mais tarde esse início, menor o número de filhos que a mulher tende a ter.” conta.
Renúncias
“Você vai pagar a língua” é uma das máximas que Carola Ribeiro ouve desde os 7 anos, quando já expunha seu desinteresse em ser mãe. Hoje, aos 37, ela não mudou de ideia. “Vejo que pouco se fala da maternidade real e das renúncias que apenas as mulheres fazem para isso. Meu objetivo de vida é ter equilíbrio financeiro para conhecer a maior quantidade de lugares e pratos típicos. Decidi priorizar minhas vontades”, ela argumenta.
Carola julga que ser mãe pode dificultar a realização de objetivos profissionais e acadêmicos, o que justifica sua renúncia. Para ela, é possível ser feliz sem filhos. “Uma mulher completa é uma mulher realizada pelas suas escolhas e pelas suas histórias”, expõe a moradora do Núcleo Bandeirante.
Para a jovem de 24 anos Rayssa Carneiro da Silva, apesar de sua aptidão para o cuidado com crianças, a maternidade é a maior responsabilidade que alguém pode assumir. “Não acho que poderia ser egoísta e dizer que quero ter um filho quando reconheço as dificuldades implicadas no processo. Sei que não estou disposta a arcar com elas”, reflete.
De Valeska Zanello, a obra Saúde mental e gênero: Cultura e processos de subjetivação detalha as formas em que a função do cuidado é exigida apenas às mulheres. Em referência à autora, a doutoranda em psicologia Daniele Fontoura Leal explica que o instinto materno foi historicamente popularizado com a cumplicidade de áreas do conhecimento científico e religioso, de forma a alienar outras possibilidades da individualidade feminina. “Nossa sociedade prega que a maternidade é a maior realização da sua vida. Não há espaço para que a mulher fale do seu não desejo, arrependimento e sofrimento enquanto mãe”, expõe.
Em sua tese de doutorado, a acadêmica discorre acerca da urgência em coletivizar o debate a respeito da sobrecarga que o modelo atual de maternidade exerce somente sobre elas. “Projeta-se na figura da paridora o papel de cuidar e maternar, de alguém que sabe até mesmo o que aquela criança ou adolescente está pensando. Além disso, qualquer desvio de conduta que esse menor venha a cometer, no futuro, vai ser colocado na conta da mãe, nunca na do pai”, completa.
Cadê o pai?
Quanto à paternidade, a psicóloga lembra que no Brasil mais de 5,2 milhões de crianças não têm o nome do pai em seus documentos oficiais e também considera ineficazes as leis de cumprimento da paternidade. “Todo o gerenciamento da vida das crianças, e muitas vezes o sustento financeiro, é provido pelas mulheres”, acrescenta. Essa falha paterna também se estende à negligência. “Quando pais se separam, a criança fica a cargo da mulher. Muitas vezes, deixando de lado os seus projetos de vida e a sua realização pessoal, porque os homens não são ensinados a cuidar. Isso faz com que esse tipo de preocupação recaia sobre elas”, conclui.
A recusa da maternidade também pode ser um reflexo de experiências familiares. Garben Hellen Ferreira, 55, conta ter nascido em uma família humilde, o que a obrigou a educar os irmãos desde muito nova. “Chegaram os 35 anos e percebi que não tinha mais pique para gestar. É como se eu já tivesse exercido a minha maternidade. Aí foi quando eu tirei um tempo para mim, o que até então eu não havia feito. Fui estudar, cuidar de mim e viajar”, relata.
Para a pesquisadora e doutoranda em sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Camila Galetti, um dos principais motivos para essa queda é o alto custo de vida. “Os salários dos casais não acompanham esse aumento. O outro motivo também é que os métodos contraceptivos para as mulheres têm sido mais difundidos. E há a questão do mercado de trabalho”, relata.
Consequências
A professora Ana Maria Nogales acredita que a baixa na taxa de natalidade expõe desafios que teremos no futuro da capital do país. “A queda da fecundidade implica o envelhecimento da população, e esse processo tem sido muito acelerado. No futuro, com as famílias menores, e inclusive um número maior de famílias sem filhos, teremos uma demanda mais forte por políticas públicas de cuidados”, analisa.
*Com informações do Correio Braziliense
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