Reforma tributária: entenda em 5 pontos a proposta de mudar impostos
Entenda o que efetivamente muda com a reforma tributária caso a Câmara aprove a versão que passou no Senado.
Há 30 anos em discussão no Brasil, a reforma tributária (PEC 45/2019) pode ser finalmente aprovada pelo Congresso nesta semana. Lideranças da Câmara estão em intensa negociação para tentar votar o texto ainda nesta sexta-feira (15/12).
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reforçou pela manhã que a reforma está na pauta do dia para votação.
A proposta, que busca simplificar a tributação sobre consumo de bens e serviços, pode ter forte impacto positivo sobre o crescimento econômico, segundo especialistas.
Mas esse impacto ainda levaria alguns anos, pois a previsão é que a reforma seja implementada gradualmente e entre em vigor totalmente apenas em 2033.
Por se tratar de uma tentativa de alteração da Constituição, a proposta só entrará em vigor se Senado e Câmara concordarem completamente com o texto.
Ou seja, os deputados teriam que aprovar a mesma versão que passou no Senado em novembro ou, no máximo, suprimir alguns trechos, para que seja promulgada apenas a parte que tenha o aval de ambas as casas legislativas.
Já se forem feitas alterações ou acréscimos, a reforma tributária teria que ser votada novamente no Senado.
Um dos trechos que causam polêmica e podem ser suprimidos da versão aprovada no Senado é a prorrogação de incentivos fiscais para o setor automotivo no Nordeste, Norte e Centro-Oeste até 2032.
O governo diz que o objetivo da reforma é simplificar o sistema tributário brasileiro, melhorando o ambiente de negócios e facilitando o crescimento da economia – a discussão é polêmica, porém, pois mexe com os interesses de setores econômicos diversos e de entes federativos, como Estados e municípios.
Parlamentares de oposição têm defendido que a reforma aumentará a tributação e traz muitas exceções.
No entanto, mesmo que a proposta seja aprovada, definições específicas, como as alíquotas dos impostos, dependerão da regulamentação de reforma em 2024.
Entenda a seguir, em cinco pontos, o que efetivamente muda com a reforma tributária, caso a Câmara aprove a versão que passou no Senado.
1. Simplificação de impostos
A reforma tributária prevê a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins e IPI, de competência federal; e ICMS e ISS, de competências estadual e municipal, respectivamente) por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).
O IVA é um imposto que incide de forma não cumulativa, ou seja, somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção de um bem ou serviço, excluindo valores pagos em etapas anteriores.
O modelo acaba com a incidência de impostos em cascata, um dos problemas históricos do sistema tributário brasileiro.
Atualmente, mais de 170 países adotam o IVA, entre eles Canadá, Austrália, diversos países membros da União Europeia e emergentes como Índia, além de vizinhos latino-americanos, como México, Colômbia, Chile e Argentina.
O IVA brasileiro será um IVA Dual, dividido em duas partes: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de Estados e municípios.
Com a reforma, a cobrança de impostos deixará de ser feita na origem (local de produção) e passará a ser feita no destino (local de consumo), uma mudança que visa dar fim à chamada guerra fiscal – a concessão de benefícios tributários por cidades e Estados, com objetivo de atrair o investimento de empresas.
Pela proposta, produtos importados devem pagar o IVA da mesma forma que itens produzidos no Brasil, já exportações e investimentos serão desonerados.
Haverá uma alíquota-padrão e outra diferenciada, para atender setores como a saúde.
A alíquota geral será definida por lei complementar, após a aprovação da PEC. A previsão, porém, é que o IVA brasileiro terá um patamar alto na comparação internacional (entenda mais abaixo).
O texto proposto pelo relator no Senado prevê ainda uma “trava” para a cobrança dos impostos sobre consumo – um limite que não poderá ser ultrapassado no futuro.
Esse limite será a carga tributária como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), na média para o período de 2012 a 2021 – o que seria equivalente a 12,5% do PIB, segundo a Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda.
Críticos a esse ponto argumentam, porém, que a trava impedirá que, em momentos de crise, o governo promova aumentos temporários de arrecadação.
2. Maior IVA do mundo?
A futura alíquota do novo imposto, porém, virou alvo de polêmica. Críticos da reforma dizem que o IVA brasileiro vai elevar a carga tributária e citam projeções de economistas indicando que a alíquota pode chegar a 28%, a maior do mundo.
Embora ainda não seja possível cravar qual será a alíquota do IVA brasileiro, defensores da reforma reconhecem que será alta para padrões internacionais. No entanto, ressaltam que isso reflete o fato de o Brasil ter uma grande parte da sua arrecadação sobre produção e consumo – diferentemente de outros países com IVA menor que arrecadam mais sobre renda e propriedade.
A ideia, destacam os apoiadores da mudança, é que o novo IVA arrecade exatamente o que hoje os cinco impostos (IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS) rendem às três esferas do poder público, sem, portanto, elevar a carga tributária atual.
O objetivo de manter a mesma arrecadação é não desfalcar o caixa dos governos, já que esse dinheiro é usado para bancar serviços públicos, como escolas, hospitais e o funcionamento das polícias.
Entusiastas da reforma dizem ainda que a reorganização e a simplificação do sistema com a unificação dos impostos terá efeito de impulsionar o crescimento e ampliar o poder de compra da população (entenda melhor ao longo da reportagem).
“Como a futura alíquota será correspondente a carga tributária de hoje, então o Brasil já tem esse maior IVA do mundo. Só que o novo sistema trará muito mais transparência”, defende especialista em questões tributárias Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canadá.
Melina explica ainda que a alíquota base do IVA também ficará mais alta no Brasil devido aos descontos que estão sendo dados na reforma a alguns setores.
Serviços de saúde e educação, por exemplo, pagarão um IVA equivalente a 40% da alíquota cheia. Já a cesta básica terá alguns itens com isenção total (não pagarão IVA) e alguns itens com alíquota reduzida (40% da alíquota cheia).
Há ainda segmentos que terão desconto, mas que a alíquota ainda será definida na regulamentação da reforma, como serviços de hotelaria, parques de diversão e bares.
No total, foram incluídas 42 previsões de descontos no novo tributo. O número é considerado alto por especialistas e pelo próprio governo, mas há uma avaliação de que não seria possível aprovar a reforma no Congresso sem atender a pressão de setores econômicos por esses descontos.
O problema disso é que, para que alguns produtos e serviços tenham imposto menor, a alíquota padrão capaz de garantir a mesma carga tributária de hoje precisa ser maior.
Segundo projeções preliminares do Ministério da Fazenda, o novo imposto brasileiro pode ficar entre 25,45% e 27%, mas esse cálculo será revisto após a aprovação do texto no Senado, pois houve alterações no texto que podem elevar a alíquota final.
Já uma projeção do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) João Maria Oliveira, também anterior à aprovação no Senado, calculou que o IVA brasileiro poderia chegar a 28,4%.
Hoje, o maior IVA do mundo é o da Hungria (27%). Os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm alíquota média de 19,2%. Dos 38 integrantes da organização, formada principalmente por países ricos, apenas os Estados Unidos não adotam o IVA.
Para Melina Rocha, porém, não faz sentido comparar o IVA de diferentes países sem levar em conta o sistema tributário de cada um deles como um todo.
“Não dá para comparar a alíquota nominal padrão de um país com outro, justamente porque esses outros países, que têm uma alíquota menor do IVA, têm uma alíquota muito maior sobre renda”, argumenta.
Segundo um relatório da Receita Federal com dados de 2020, a carga tributária média dos países da OCDE estava em de 33,5% do Produto Interno Bruto (PIB) naquele ano, enquanto a brasileira era de 30,9% do PIB.
3. ‘Imposto do pecado’
O Imposto Seletivo, também conhecido como “imposto do pecado”, será uma espécie de sobretaxa que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Entre esses produtos estão, por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas.
O Imposto Seletivo será de competência federal, com arrecadação dividida com os demais entes da federação.
Originalmente, o Imposto Seletivo também seria usado para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus, mas o relator da reforma no Senado propôs a criação de uma nova Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para essa finalidade.
Se aprovada, a nova Cide recairá “sobre a importação, produção ou comercialização de bens que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus”, como uma forma de manter a vantagem do polo industrial.
A Zona Franca e o Simples (sistema de tributação simplificada para empresas de pequeno porte) devem continuar como exceções ao sistema, mantendo suas regras atuais – o que é criticado por alguns especialistas, que avaliam os regimes tributários especiais como ineficientes.
4. Cesta básica e cashback
A reforma tributária prevê ainda a criação de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos, cujos itens – como arroz, feijão, entre outros – serão isentos de impostos.
Os produtos da cesta serão definidos por lei complementar, que deverá levar em conta a diversidade regional e cultural da alimentação do país.
Haverá ainda uma cesta “estendida” com outros produtos, como carnes e itens de higiene pessoal e limpeza, que terão um desconto de 60% nos tributos para consumidores de baixa renda.
Esse desconto será concedido através da devolução de impostos, chamada de cashback.
A população mais pobre também deve ter direito ao cashback para o imposto cobrado na conta de luz e no gás de cozinha, pela proposta do relator no Senado.
A manutenção da desoneração de parte da cesta básica na reforma tributária é criticada por alguns especialistas.
Eles argumentam que a isenção de impostos reduz a arrecadação do governo e beneficia indistintamente ricos e pobres. Segundo esses analistas, a devolução de impostos é uma política mais barata e mais eficiente para reduzir a injustiça tributária.
Originalmente, a proposta de reforma do governo previa a reoneração da cesta básica e o cashback aos mais pobres. O Congresso, no entanto, optou por um modelo intermediário, com a isenção sendo mantida para alguns itens básicos e o cashback aos mais pobres na cesta “estendida”.
5. Tempo de transição
Segundo a proposta de reforma tributária, o período de transição para unificação dos tributos vai durar sete anos, entre 2026 e 2032.
A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos. A transição foi prevista para não haver prejuízo de arrecadação para Estados e municípios.
Pelo cronograma proposto, em 2026, haverá uma alíquota teste de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para IBS (IVA compartilhado entre Estados e municípios).
Em 2027, PIS e Cofins deixam de existir e a CBS será totalmente implementada. A alíquota do IBS permanece com 0,1%.
Entre 2029 e 2032, deve haver uma redução paulatina das alíquotas do ICMS e do ISS e elevação gradual do IBS, até a vigência integral do novo modelo em 2033.
Já a transição da cobrança de impostos da origem para o destino deve acontecer em 50 anos, de 2029 até 2078.
Esse longo período de transição divide opiniões entre economistas.
Para Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e chefe de pesquisa econômica do Julius Baer Family Office, a separação entre as duas transições – da unificação de impostos e da migração da origem para o destino – é o “Ovo de Colombo” da reforma.
“Esta reforma vai mudar muito, para muito melhor, a estrutura tributária. Mas ela mexe na estrutura federativa, em quem recebe e quem deixa de receber. Ela não é neutra do ponto de vista dos Estados”, disse Pessôa, em entrevista à BBC News Brasil em julho.
“Então a ideia, ao separar as duas transições, é dar tempo – muito tempo – para os Estados se adaptarem às novas estruturas de recebimento e também dar tempo para os efeitos benéficos da reforma virarem crescimento econômico.”
Já Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, acredita que o longo período de transição para a unificação de impostos pode significar que a guerra fiscal não tenha fim, prejudicando um dos objetivos da reforma.
Pela proposta da reforma, o IBS será instituído com alíquota de 0,1% em 2026. Até 2028, o novo imposto vai conviver com o ICMS e o ISS sem mudança de alíquotas nos tributos antigos.
A partir de 2029, os impostos antigos começam a ser reduzidos, em 10% ao ano, até 2032. Assim, ao final de 2032, o ICMS e o ISS terão alíquotas equivalentes a 60% das atuais.
“Para que [a tributação] migre para o destino, nós temos que acreditar que não vai haver pressão nenhuma para que esses 60% de ICMS não continuem vigorando além de 2032. Ou seja, que da noite pro dia esse ICMS de 60% vá passar a zero”, disse Salto à BBC em julho.
“Isso é um risco porque, ao manter uma alíquota grande para um imposto ruim que enseja benefícios fiscais – o que não é proibido pela PEC –, você pode ensejar a concessão de novos incentivos tributários. Aí há o risco de não termos a migração para o destino nem em uma década.”
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