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Novos ares para a comunidade negra brasileira

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O novo ano também é de boas notícias na esfera política. Carla Caroline de Oliveira Silva e Marjorie Chaves trazem alguns motivos para esperançarmos.

Carla Caroline de Oliveira Silva, defensora pública do Estado de Sergipe e coordenadora da Comissão Étnico-racial da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep). - (crédito: Arquivo Pessoal )

Carla Caroline de Oliveira Silva, defensora pública do Estado de Sergipe e coordenadora da Comissão Étnico-racial da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep). – (crédito: Arquivo Pessoal )

O início de 2023 também é de boas notícias na esfera política. Carla Caroline de Oliveira Silva e Marjorie Chaves trazem alguns motivos para esperançarmos.

Injúria racial é equiparada ao crime de racismo

A depreciação do outro a partir de demarcadores étnicos ainda é extremamente naturalizada na sociedade brasileira. A presunção de subalternidade de pessoas não brancas está na base da própria formação da nação, da qual a contemporaneidade remota às práticas coloniais. Entender isso é o primeiro passo para compreensão da opção legislativa pela fragmentação do comportamento racista em injúria racial (art. 140, §3º do Código Penal) e o crime de racismo propriamente dito (Lei nº 7.716/89).

Ora, o legislador pátrio, em sua maioria branco e sucessor legítimo do poder político acumulado pelos escravocratas, jamais se colocaria na posição de autor de um crime de lesa humanidade. Por óbvio, o seu comportamento de reafirmação contínua de dominação a partir do xingamento, da chacota e do desprezo a negros e indígenas deveria ser relativizado para permitir sua perpetuação, servindo como ferramenta de manutenção da hegemonia branca.

Essa relativização, com a criação da figura da injúria racial, que não considerava como ato de racismo a ofensa à honra a partir da depreciação étnico-racial, permitiu benesses ao autor da agressão, como a afiançabilidade e a prescritibilidade da conduta, e causou danos imensos ao enfrentamento da questão, dentre estes, o de negar à vítima o direito de adequadamente qualificar o seu agressor, bem como autorizar o sistema de Justiça a “passar pano” para o comportamento do agente que, ao fim, “não tinha feito nada demais”, até porque “é o preto que vê racismo em tudo”.

Esse contexto ainda permitiu a manutenção do manto da atipicidade nas práticas de “racismo velado”, aquela típica do tratamento discriminatório e degradante sem a ocorrência da verbalização de ofensas diretas.

Por isso, para além do recrudescimento penal, a Lei nº 14.532, sancionada em 11 de janeiro de 2023, é marco carregado de grande simbolismo, sinalizando a intolerância a todas as espécies de racismo, não interessando se direcionada a um indivíduo ou a um grupo de pessoas, tampouco se o comportamento se deu de maneira expressa ou dissimulada. Inclusive garantindo à vítima a assistência obrigatória de um advogado(a) ou defensor(a) público(a) (art. 20-D da Lei nº 7.716/89).

Assim, o Movimento Negro Brasileiro, ao ver atendida essa sua antiga reivindicação, pode lutar por igualdade tendo o sistema de Justiça como aliado e não como fonte de racismo institucional em razão da tecnicidade jurídica causada pela fragmentação indevida de conceitos.

Carla Caroline de Oliveira Silva, Defensora pública do Estado de Sergipe, mestra em direitos humanos e coordenadora da Comissão Étnico-racial da Associação Nacional das Defensoras e
Defensores Públicos (Anadep)

Democracia e o resfôlego da justiça racial

Em 2023, completa-se 20 anos da criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), que, naquele momento, estava vinculada à Casa Civil da Presidência da República com status de ministério. A Seppir iniciou o processo de institucionalização da temática racial pelo Estado Brasileiro após anos de negação do racismo e das desigualdades por ele provocadas, ampliando as políticas públicas voltadas para a população negra com o objetivo de consolidar a democracia no país. O enfrentamento do racismo é um caminho longo e difícil, mas a luta incansável dos movimentos negros tem o efeito de rememorar, a todo momento, que somos a maioria da população brasileira com menos direitos assegurados, mesmo que previstos na Constituição Federal. Nesses 20 anos, não se pode negar a relevância das políticas de ações afirmativas e seus impactos, sendo a sanção da Lei de Cotas uma das principais conquistas das últimas décadas.

No entanto, nos últimos anos marcados pela destituição de Dilma Rousseff, legitimamente eleita, e pela ascensão da extrema direita ao poder com a eleição de Jair Bolsonaro, experimentamos o desmonte de várias políticas voltadas para a população negra, quilombola e povos originários, além do agravamento das iniquidades já existentes. O Brasil voltou a fazer parte do mapa da fome da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo a população negra a mais afetada pela insegurança alimentar. O cenário de obscurantismo atravessado pela crise sanitária provocada pelo coronavírus descortinou a fragilidade do que chamamos de Estado Democrático de Direito, em que ser “não branca/o” é estar vulnerável a diversas violências. Em uma sociedade estruturalmente racista, é necessário que o Estado esteja comprometido com políticas que assegurem a participação e a representação política dos grupos racializados e esteja atento ao equilíbrio das relações de poder.

A eleição do Presidente Lula traz resfôlego ao diálogo entre governo e movimentos sociais, o que deveria ser uma constante nas democracias. A criação do Ministério da Igualdade Racial e do Ministério dos Povos Indígenas, assumidos por Anielle Franco e Sonia Guajajara, respectivamente, não é apenas simbólica, como traduz a vontade do povo brasileiro em se ver representado na política. Na primeira quinzena do novo governo, temos sancionados o Dia Nacional de Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé — 31 de março — e a Lei nº 14.532, que equipara a injúria racial ao crime de racismo, além do compromisso da ministra de Igualdade Racial em fortalecer as ações afirmativas. Se quatro anos é pouco diante de séculos de exclusão, também será a oportunidade de reconstrução das políticas de equidade racial e de projeção do futuro que queremos. Nós negras/os que elegemos Lula presidente queremos deixar de sobreviver para viver plenamente e, em um futuro próximo, elegermos uma mulher negra para o mais alto cargo do Executivo.

Marjorie Chaves, coordenadora do Observatório da Saúde da População Negra e pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), ambos na UnB

Fonte: Correio Braziliense

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