Ir para o conteúdo
Casa Distrito Federal DF registra 620 casos de estupro de vulneráveis em um ano
Distrito Federal

DF registra 620 casos de estupro de vulneráveis em um ano

Compartilhar
Compartilhar

A cada nove minutos, uma criança ou adolescente é abusado no Brasil. No Distrito Federal, em 2024, a Secretaria de Segurança Pública registrou 620 casos de estupro de vulneráveis. No primeiro quadrimestre deste ano, foram 182 ocorrências

“Eu senti um choque que não se compara a nenhum outro medo que senti na vida.” Esse é o relato de uma vítima de abuso sexual, colhido anos depois de um trauma que marcou sua infância. Assim como ela, milhares de meninas e meninos no Distrito Federal vivem silenciosamente um pesadelo escondido em casas, escolas, igrejas e na vizinhança.

A cada nove minutos, uma criança ou adolescente é abusado sexualmente no Brasil. Por isso, este domingo (18/5) é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, uma data que escancara um problema estrutural e perverso: a violência contra os mais vulneráveis.

Apesar de avanços em políticas públicas e na rede de proteção, os números continuam altos e alarmantes. Os dados mais recentes do Ministério da Saúde revelam que, em 2023, foram registradas mais de 57 mil notificações de violência sexual contra pessoas de até 19 anos no país. Ou seja, 158 ocorrências por dia. 

No caso de Maria Octavia*, 26, o criminoso estava dentro da própria casa, o lugar onde ela deveria estar mais protegida. Ela tinha apenas 9 anos quando o tio a atacou de foram brutal, e nem mesmo a presença de pessoas próximas o intimidava. “Ele começou a acariciar minha perna por debaixo da coberta, até que colocou a mão nas minhas partes íntimas”, conta. Mesmo após 16 anos, marcas invisíveis da violência ainda causam profunda dor.

“O abuso dele me fez ser uma mulher que hoje não consegue confiar em homens e que tem pesadelos com violações sexuais”, relata. Depois de adulta, Maria Octavia denunciou o agressor, em 2024. “Estou disposta a esgotar minha voz para escancarar esse caso”, diz. Contar sua história é, ao mesmo tempo, um ato de coragem e um grito por Justiça, pois ela sabe que muitos sofrem calados. Por isso, fala por si, pelos que não podem e pelos que ainda acreditam que pedofilia é algo que se deve aceitar. “É preciso que as instituições acreditem nas crianças.”

Crueldade em números

No Distrito Federal, em 2024, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) registrou 620 casos de estupro de vulneráveis — crianças menores de 14 anos ou pessoas em condição de vulnerabilidade. Apesar da redução de 14,7% em relação aos 727 casos contabilizados em 2023, o número continua impactante. No primeiro quadrimestre de 2025, 182 ocorrências já foram registradas, contra 204 no mesmo período do ano anterior.

Nos casos de estupro de maiores de 14 anos, os números seguem uma tendência de estabilidade. Em 2024, foram 319 registros — a maioria das vítimas (93%) são mulheres. Desse total, 18% das vítimas tinham entre 14 e 17 anos. Ou seja, 71 adolescentes sofreram esse tipo de violência no ano passado. Os primeiros quatro meses de 2025 já acumulam 110 casos, acima dos 104 registrados no mesmo período de 2024.

Inimigo dentro de casa

Anita Drusila*, 50, hoje não consegue se referir ao avô pelo termo de parentesco. “Foi o pai do meu pai. Avô é outra coisa”, reforça. Descrito como um pai de família exemplar, rigoroso na criação dos filhos e pregador da moral e dos bons costumes, ele não levantava suspeitas de que estava cometendo um crime bárbaro contra a própria neta. “Quando achei que receberia um beijo no rosto, fui beijada na boca e tocada em minhas partes íntimas. Eu tinha 10 anos”, relembra.

Marcados na mente dela como se gravados a ferro quente, os detalhes dos abusos ainda a atormentam. “Quando ouvia aquele homem chegando, me escondia com minha irmãzinha. Às vezes, a gente se revezava de tão insuportável”, conta, ressaltando que a irmã também era vítima dele. Hoje, ela luta para escapar de uma prisão cujas grades são feitas de memórias. “Ainda sinto mau cheiro do suor dele. E a sensação nojenta daquela boca na minha. É um pesadelo que rezo para esquecer um dia.”

Cicatrizes 

Esses ataques não deixam marcas somente no momento em que acontecem, mas causam cicatrizes mentais profundas e duradouras. De acordo com a psicóloga e perita criminal Luiziana Schaefer, doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), os efeitos da violência variam conforme a idade da vítima, a gravidade do abuso e o vínculo com o agressor, mas frequentemente comprometem o desenvolvimento emocional, cognitivo e social. “A curto prazo, são comuns sintomas como medo, ansiedade, culpa, vergonha, alterações no sono e no apetite, regressões comportamentais e baixo rendimento escolar”, explica.

A longo prazo, esses traumas podem se transformar em transtornos de humor, medo de intimidade, dificuldades interpessoais e até comportamentos autodestrutivos. Frente a esse aterrador quadro, a pesquisadora destaca que a prevenção deve começar cedo, com a construção de vínculos afetivos seguros entre adultos e crianças. “É essencial que a criança aprenda que seu corpo lhe pertence e que qualquer situação que a faça se sentir desconfortável deve ser compartilhada com um adulto de confiança”, orienta. 

A prevenção desse tipo de crime passa não só pelas vítimas e pela rede de proteção próxima, mas também pelas forças de segurança. Para o especialista em segurança pública e ex-subcomandante da Polícia Militar (PMDF) Leonardo Sant’Anna, o combate à violência sexual contra crianças e adolescentes exige capacitação constante dos profissionais envolvidos. “Os agressores mudam suas estratégias com o tempo, inclusive, usando ambientes digitais como jogos on-line ou modificadores de voz para se aproximar das vítimas. Por isso, a formação dos agentes públicos não pode ser pontual ou esporádica, precisa ser contínua e adaptada às novas dinâmicas”, alerta.

Sant’Anna destaca o papel central da segurança pública na articulação com outros setores. Segundo ele, mais do que a presença física, é fundamental promover ações educativas e formar multiplicadores em diferentes ambientes, como escolas, espaços de saúde e até centros comerciais. “É preciso preparar pessoas de fora do sistema de segurança para reconhecer sinais e agir. Um exemplo de política eficiente nesse sentido é o Proerd, no enfrentamento às drogas, que pode servir de inspiração para ações de prevenção ao abuso sexual”, afirma.

 Segurança integral

Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF), as ações para coibir esse tipo de crime estão intimamente ligadas ao combate à violência contra a mulher, maioria das vítimas de assédio infantil e adulto. Essa é uma das prioridades do programa “Segurança Integral”. A iniciativa une sociedade civil, forças de segurança e órgãos públicos em uma estratégia ampla de enfrentamento à criminalidade. Entre os objetivos estão a redução da violência, a ampliação da sensação de segurança e a promoção dos direitos humanos.

Dentro do programa, o eixo “Mulher Mais Segura” concentra ações voltadas especificamente à proteção das mulheres, com foco especial na violência doméstica e familiar. A pasta destaca o incentivo à denúncia como elemento central no rompimento do ciclo de violência, o que contribui não só para ampliar a atuação da rede de apoio, mas também para reduzir a subnotificação dos casos. Segundo a SSP/DF, esse estímulo permite às autoridades identificar autores, agir de forma preventiva e elaborar políticas públicas mais eficazes.

O governo realiza campanhas de conscientização, com esforços de secretarias e órgãos como a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), a Secretaria da Mulher (SMDF) e a Secretaria de Justiça e Cidadania (SEJUS). As campanhas, divulgadas nas plataformas digitais, enfatizam a importância da denúncia como um instrumento crucial no enfrentamento da violência sexual direcionada ao público feminino.

O crime

A definição do crime é clara no Código Penal: ter conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos é estupro de vulnerável, independentemente do consentimento. A pena varia de 8 a 15 anos de prisão.

Números

– A cada 9 minutos, uma criança ou adolescente é vítima de abuso sexual
– Mais de 57 mil notificações de violência sexual contra pessoas de até 19 anos em 2023, segundo o Ministério da Saúde

– Estupro de vulneráveis

2024: 620 casos registrados
2023: 727 casos registrados

Fonte: SSP-DF

Cinco perguntas para

Lívia Madeira, advogada criminalista e especialista em ciências penais

1. A internet se tornou um dos principais meios para a prática de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Como o ordenamento jurídico brasileiro tem lidado com essa nova realidade? As leis atuais são suficientes?

O ordenamento jurídico brasileiro tem avançado no enfrentamento dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes praticados no ambiente digital. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi modernizado e, hoje, contempla crimes específicos, como o armazenamento, produção e divulgação de material pornográfico infantil, além do aliciamento de menores pela internet, o chamado grooming. Além disso, a Lei nº 13.441/2017 permitiu a infiltração de agentes virtuais para investigar esse tipo de crime, o que representa um avanço significativo. No entanto, apesar da base legal ser relativamente robusta, há desafios quanto à sua efetiva aplicação. A internet é dinâmica e, constantemente, surgem novas formas de abuso, como o uso de deepfakes e plataformas descentralizadas. Portanto, as leis precisam de atualização constante para acompanhar a evolução tecnológica. O Brasil tem um bom arcabouço legal, mas ele precisa ser continuamente fortalecido e, sobretudo, melhor aplicado.

2. Quais são os principais desafios enfrentados pelas autoridades para identificar, rastrear e punir os autores de crimes de abuso e exploração sexual on-line?

Um dos principais desafios é a própria natureza da internet, que facilita o anonimato e a disseminação rápida de conteúdo ilícito. Muitas vezes, os abusadores operam em redes internacionais, utilizando plataformas hospedadas fora do país, o que dificulta a atuação das autoridades brasileiras. A obtenção de dados também enfrenta entraves legais e técnicos, principalmente quando envolve provedores estrangeiros.

3. A tecnologia também pode ser uma aliada no combate a esses crimes. De que forma recursos como inteligência artificial, análise de dados e colaboração com plataformas digitais podem auxiliar nas investigações?

Sem dúvida, a tecnologia é uma ferramenta fundamental no combate à exploração sexual infantil on-line. A inteligência artificial pode ser utilizada para identificar padrões de comportamento suspeitos, filtrar automaticamente conteúdos ilegais e rastrear imagens com base em “hashes” digitais. A análise de dados, por sua vez, ajuda a mapear redes criminosas e conexões entre suspeitos, mesmo quando esses operam em plataformas distintas. Outro ponto crucial é a cooperação com as plataformas digitais. Quando há uma colaboração efetiva, é possível obter com mais rapidez dados de IP, registros de acesso e até alertas automatizados de conteúdo suspeito. Isso agiliza significativamente as investigações. O uso estratégico da tecnologia, aliado à atuação jurídica adequada, tem o potencial de salvar vidas e prevenir novos crimes.

4. Qual é a responsabilidade de redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas digitais na prevenção e na remoção de conteúdos relacionados à exploração sexual infantil? Eles têm cumprido seu papel?

Essas plataformas têm, sim, uma responsabilidade enorme. Embora não sejam responsáveis diretas pelo conteúdo gerado por usuários, elas são obrigadas, por lei, a agir rapidamente para remover material ilegal, como imagens e vídeos de abuso sexual infantil, assim que tomam conhecimento da existência desse conteúdo. Algumas empresas têm se mostrado mais comprometidas, investindo em equipes de moderação, ferramentas de detecção automática e parcerias com autoridades. No entanto, outras falham em oferecer mecanismos eficazes de denúncia ou em atender com agilidade às requisições judiciais. Há uma disparidade grande no nível de compromisso. O cumprimento do dever legal e ético de proteger crianças não pode depender da boa vontade da empresa; por isso, a regulamentação e a fiscalização precisam ser mais rigorosas.

5. Quais medidas jurídicas e tecnológicas precisam ser aprimoradas para proteger crianças e adolescentes no ambiente digital?

Do ponto de vista jurídico, é fundamental revisar e atualizar constantemente o ECA e o Código Penal para incluir novas formas de violência sexual digital, como os abusos mediados por inteligência artificial. Também é necessário reforçar a responsabilização das plataformas digitais e criar protocolos mais ágeis de cooperação com autoridades nacionais. Já no campo tecnológico, o investimento em sistemas de monitoramento automatizado, com uso de IA, pode acelerar a detecção e remoção de conteúdo ilegal. A criação de bancos de dados nacionais integrados e o fortalecimento da cooperação internacional também são medidas importantes. Mas nenhuma dessas ações terá efeito pleno sem uma política pública sólida de educação digital, tanto para crianças quanto para pais, educadores e operadores do direito. Proteger nossas crianças no ambiente digital exige um esforço conjunto, contínuo e interdisciplinar.

Onde pedir ajuda

  • Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam): Deam 1 e 2.
  • Maria da Penha Online: Para registro de boletim de ocorrência, representação contra o agressor, envio de provas e requerimento de acolhimento.
  • Delegacias circunscricionais: Contam com seções de atendimento à mulher.
  • Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA): para casos envolvendo crianças e adolescentes.
  • Canais de denúncia da Polícia Civil (PCDF):
    • Denúncia on-line: https://is.gd/obhveF
    • E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br
    • Telefone: 197, opção 0
    • WhatsApp: (61) 98626-1197

*Nomes fictícios para preservar as vítimas

Quer ficar por dentro do que acontece em Taguatinga, Ceilândia e região? Siga o perfil do TaguaCei no Instagram, no Facebook, no Youtube, no Twitter, e no Tik Tok.

Faça uma denúncia ou sugira uma reportagem sobre Ceilândia, Taguatinga, Sol Nascente/Pôr do Sol e região por meio dos nossos números de WhatsApp: (61) 9 9916-4008 / (61) 9 9825-6604.

Compartilhar
Compartilhado por
Jeová Rodrigues

Jornalista

Deixe um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos Relacionados

Programa Nota Legal sorteará R$ 3,5 milhões na quarta-feira (21)

Contribuintes também concorrem a dez prêmios de R$ 10 mil, 30 de...

Previsão do tempo: Fim de semana será de frio no Distrito Federal

Entre sábado (17/5) e domingo (18/5), a temperatura máxima deve se manter...

Brasília vai sediar Congresso Jornada do Autismo  

Evento conta com apoio deste GDF e reúne especialistas de diversas áreas...

Carro conduzido por menor de idade se envolve em acidente com 4 vítimas

Criança de 9 anos estava no carro conduzido pelo menor e foi...