No ano passado, 47.339 mulheres buscaram a Defensoria Pública para orientação, ação nova, cobrança ou acordo, entre outros serviços, aumento de quase seis vezes em relação a 2023, quando foram registrados 7.972 atendimentos
A responsabilidade compartilhada na criação dos filhos e a sobrecarga enfrentada por mães solo são temas de debates, que levam ao assunto pensão alimentícia. No Distrito Federal, o acesso das mulheres a esse direito, segundo a Defensoria Pública (DPDF), é amplo. Em 2024, 47.339 pessoas buscaram o órgão para orientação, ação nova, cobrança e acordo, entre outros serviços, um salto de 493,8% em relação a 2023, quando foram registrados 7.972 atendimentos (confira o infográfico).
De acordo com Ian Araujo Cordeiro, defensor público e integrante da Subsecretaria de Mediação e Cultura de Paz da DPDF, existem dois motivos principais para esse aumento tão expressivo — de quase seis vezes. “O primeiro é que, no ano passado, a mediação se tornou uma diretriz institucional na DPDF. Em 2023, havia três mediadoras. Hoje, temos 18. Segundo, a Defensoria implantou um sistema de registro próprio para contabilizar os atendimentos”, ressalta.
Sobre o agendamento digital — que ficou famoso no Brasil por causa da cena de uma novela, na qual uma personagem usa um aplicativo de celular para marcar o atendimento na Defensoria Pública do Rio de Janeiro —, Cordeiro afirma que ele ainda não existe no DF. “Estamos discutindo a viabilidade de um aplicativo, mas não há nada institucionalizado. O objetivo é facilitar o acesso, sem aumentar o número de ações judiciais”, comenta.
“Nosso primeiro atendimento é presencial, para garantir uma escuta mais sensível e uma análise detalhada da situação econômica da pessoa. Assim, é possível definir o melhor caminho a seguir”, esclarece o defensor. “Muitas vezes, a criança não precisa só do alimento, mas de um atendimento jurídico mais qualificado e, em alguns casos, existe violência doméstica e/ou patrimonial envolvida”, completa. Segundo ele, feito esse primeiro atendimento, é possível acompanhar o caso por meios digitais.
Suporte
A última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), do Instituto de Pesquisa e Estatística (IPEDF), apontou que 17% dos domicílios na capital têm arranjo monoparental feminino. Ou seja, são sustentados por mães solo, o que representa 164.334 mulheres chefes de família. Cordeiro reforça que o acesso delas à Defensoria para pleitear a pensão alimentícia é amplo. “É o pedido de ação mais frequente. Os filhos têm direito aos alimentos, mas quem postula é a mãe, que normalmente fica com a guarda e vai em busca dos direitos”, detalha.
Segundo o defensor, a abordagem é acolhedora e célere nesse tipo de demanda. “Nossa atuação vai além da judicialização. A Subsecretaria de Mediação e Cultura de Paz busca resolver a questão sem precisar de uma ação”, esclarece ele, acrescentando que a taxa de acordo passa dos 90%. “Em nove de cada 10 casos as partes chegam a um consenso sem ir à Justiça.”
Carla*, 40, moradora do Setor de Chácaras do Lago Norte, conseguiu, por meio da Defensoria Pública do DF, a pensão alimentícia da filha. Ela tomou a decisão de procurar o órgão depois de ser atropelada por uma moto. “Perdi a visão e não posso mais trabalhar. Fui forçada a me aposentar e o valor que recebia não dava para o dia a dia”, destaca.
Ela conta que sabia da possibilidade de recorrer à DPDF. “Conheço pessoas que buscaram a Defensoria para conseguir a pensão e o processo foi rápido. Resolvi procurar também para ter essa ajuda”, afirmou. “Fizemos um acordo amigável. Eu e o pai da minha filha concordamos com o que foi proposto durante a conciliação”, acrescentou Carla, assinalando que isso facilitou o processo.
“É muito burocrático ir atrás do pai, conversar ou ter diálogo. Além disso, ele pode não ligar para o processo ou para a criação do filho. A Defensoria foi muito útil nesse sentido”, avalia. Carla comenta que a pensão alimentícia foi um auxílio financeiro importante para ela e a filha. “Se fosse viver só da aposentadoria, que é pouco, seria pesado para mim. Com o valor, consigo suprir as necessidades da minha filha, principalmente em épocas escolares, quando os gastos são maiores”, observa.
Roberta*, 50, moradora do Cruzeiro, entrou com o pedido de pensão alimentícia na DPDF em janeiro deste ano. “O pai já estava pagando, mas queria que fosse judicializado. Quando chegava o fim do ano, ele não queria pagar a parte do décimo terceiro e das férias, que minha filha tem direito também”, relata.
O processo de Roberta também correu rápido. “Dei entrada em janeiro e, em maio, foi a audiência de conciliação. A Defensoria me acolheu, deu entrada no processo e resolveu a questão”, detalha. “Foi importantíssimo, pois estou desempregada e não teria condições de contratar um advogado”, ressalta.
Ela concorda que a pensão alimentícia ajuda nas finanças. “Tenho uma jovem de 14 anos que precisa de muitas coisas e tento suprir na medida do possível”, conta. “Tem alimentação, produtos de higiene e material escolar. Fora coisas que não estão no orçamento, como aulas particulares, por exemplo.”
Falta de conhecimento
Segundo Marcela Furst, presidente da Comissão de Direito das Famílias da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), a pensão alimentícia para a mulher tem requisitos diferentes do que para os filhos (confira no quadro). Ela explica que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na hora de procurar esse direito geralmente têm a ver com o pai da criança. “Muitos homens falam que não têm dinheiro, que a Justiça não vai encontrar nada ou que é perda de tempo. Outros dizem que vão tirar os filhos das mães se elas cobrarem pensão na Justiça”, lamenta.
O defensor público Ian Araujo Cordeiro acrescenta que as mães solo enfrentam uma sobrecarga grande, o que dificulta ainda mais o acesso à Justiça. “Além da responsabilidade exclusiva pelos filhos, elas lidam com a instabilidade financeira, precariedade habitacional, informalidade e ausência de rede apoio. Também é comum que as mulheres não tenham informações claras sobre os caminhos legais disponíveis”, argumenta.
Para Marcela Furst, a falta de conhecimento em relação ao direito real e à violência emocional são as maiores dificuldades. “É preciso mais campanhas de divulgação sobre o assunto”, opina a advogada. De acordo com ela, em parceria com ONGs e órgãos públicos, a OAB-DF tem projetos para levar informações jurídicas sobre direito de família à sociedade.
*Nomes fictícios.
Diferenças entre pensões
Mulheres — é verificado se a mulher parou de trabalhar para cuidar dos filhos, se tem estudos, a idade da mulher e a possibilidade de voltar ao mercado de trabalho. Geralmente, a pensão alimentícia é por tempo determinado, até que ela se coloque no mercado de trabalho, e pode variar de um a cinco anos;
Filhos — é consultada a necessidade da criança ou do adolescente e as possibilidades do pai. São devidos os alimentos quando quem os pretende não pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, como no caso de crianças e de adolescentes. O pai é obrigado a pagar, mesmo que esteja desempregado. O desemprego não afasta a obrigação, pois ela tem caráter alimentício e as necessidades da criança ou do adolescente são prioridade, independentemente da situação financeira do genitor.
Fonte: Marcela Furst, presidente da Comissão de Direito das Famílias da OAB-DF
ARTIGO – Parentalidade irresponsável
Luciana Musse, professora de direito de família e sucessões do Ceub
Normalmente, quando falamos em pensão alimentícia, pensamos na quantia a ser paga aos filhos menores de idade, quando a relação conjugal chega ao fim. Com isso em mente, fiz uma rápida consulta à jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, utilizando as palavras-chave “alimentos e criança”. Obtive um retorno de 2.373 acórdãos, julgados no período de janeiro de 2019 a maio de 2025, o que nos dá uma pequena ideia da importância e do impacto dessa temática.
Mas falar de alimentos ou de pensão alimentícia é um grande desafio. Como envolvem famílias — ex-cônjuges ou ex-companheiros, pais idosos e filhos, gestantes, crianças e adolescentes — os processos correm em segredo de Justiça e só são acessíveis às partes e aos profissionais que atuam na causa. Isso dificulta, por exemplo, a realização de pesquisas acadêmicas, levantamentos estatísticos, elaboração de teses jurídicas, análise da eficácia da legislação e avaliação de políticas públicas.
Um primeiro desafio vivenciado por quem pede alimentos é encontrar o genitor. No Distrito Federal, como em outras regiões do país, a maior parte dos devedores de pensão alimentícia são homens que não se reconhecem responsáveis pelo sustento dos filhos. Vencida essa etapa, há o desafio da fixação do valor a ser recebido, o que geralmente é feito com rapidez pelo Tribunal do DF.
Só que outro desafio se apresenta: receber o combinado, na data e na forma estabelecidas. Não é raro que as dificuldades não resultem de falta de dinheiro, mas sim de uma parentalidade irresponsável ou até de vingança contra as mães, o que pode configurar violência processual de gênero.
Em caso de atraso no pagamento da pensão, referente aos últimos três meses, é possível pedir a prisão civil do devedor, quando a dívida envolve alimentos legais devidos a filhos, genitores, ex-companheiros ou cônjuges. Além da prisão, há juízes que determinam a suspensão da carteira de motorista, o bloqueio de cartão de crédito e do passaporte como estratégia para garantir o pagamento. No entanto, o Tribunal de Justiça do DF tem derrubado parte dessas decisões.
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