Arma de fogo é instrumento mais utilizado em feminicídios no Brasil
Segundo relatório do Instituto Sou da Paz, em 2020, para cada duas mulheres assassinadas, uma foi morta a tiros. Estudo aponta que aumento nos casos está relacionado à flexibilização para porte de arma.
Violência contra a mulher — Foto: Wagner Magalhães/G1
A arma de fogo é o instrumento mais utilizado nos assassinatos de mulheres no Brasil. Segundo um relatório do Instituto Sou da Paz, metade dos feminicídios ocorridos entre 2012 e 2020 envolveram armas de fogo.
Em 2020, para cada duas mulheres assassinadas no país, uma foi morta a tiros. No total, foram 1.920 vítimas fatais de violência armada, um aumento de 5,6% em comparação a 2019.
Os dados fazem parte de um estudo sobre o papel da arma de fogo na violência de gênero no Brasil. A diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, afirma que os dados evidenciam os riscos que a flexibilização do controle das armas, promovido pelo governo federal, podem oferecer.
“No cenário atual de retrocessos, é fundamental dar visibilidade à presença da arma de fogo como fator de risco da violência doméstica e familiar”, diz Carolina Ricardo.
Ainda segundo o relatório, os feminicídios provocados por armas de fogo tiveram um aumento expressivo nos últimos três anos, justamente o período em que o acesso às armas foi facilitado.
O número de brasileiros registrados como caçadores, atiradores desportivos e colecionadores de armas de fogo, os chamados CAC’s, desde 2019, superou em três vezes os registros realizados entre 2003, ano da edição do Estatuto do Desarmamento, e 2018. Os dados foram conseguidos pelo G1 por meio da Lei de Acesso à Informação.
Segundo o Exército, foram concedidos 171.431 registros de CACs entre 2003 e 2018. Já de 2019 para cá, quando Jair Bolsonaro (PL) assumiu a presidência da República e deu início a uma mudança na política para armas do país, o número saltou para 549.831.
Violência de repetição e dentro de casa
O estudo revela ainda que uma em cada três mulheres vítimas de violência armada relatou já ter sofrido episódios anteriores desse tipo de agressão.
De acordo com Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, a repetição pode ocorrer porque, muitas vezes, há uma situação de vulnerabilidade, seja econômica, social ou emocional. Por esse motivo, há uma dificuldade maior em denunciar o agressor.
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Mesmo quando a denúncia é feita, existem falhas na proteção, alerta Cristina Neme.
“Precisamos de mecanismos que acionem medidas de proteção e de assistência, já que muitas vezes ela [a vítima] não pode nem ficar dentro da própria casa”, diz Cristina.
O cenário da violência costuma ser a própria casa das vítimas, onde 72% das mulheres foram agredidas mais de uma vez. No caso de mortes, 27% das mulheres assassinadas com arma de fogo, ou seja, vítimas de feminicídio, foram mortas dentro de casa. Este é o maior número registrado desde 2012.
Segundo Carolina Costa, doutora em direito, advogada criminalista e professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), os números acendem um alerta para o funcionamento da Lei Maria da Penha (nº 11.340 – 2006).
“É possível pensar que os órgãos públicos não estejam captando todas as situações de risco envolvendo as vítimas”, diz a advogada.
Mulheres negras
— Foto: Divulgação/SMPPM
Sete em cada dez registros de feminicídio armado são de mulheres negras. Contabilizando todas as mortes, 53% dos assassinatos dessas mulheres envolveram armas de fogo em comparação com 44% entre não negras.
Ao contrário das mulheres brancas, as mortes entre mulheres negras são maiores fora de casa: 45% dos casos ocorreram nas ruas em 2020. Em locais públicos, fora do ambiente domiciliar, essas mulheres correm duas vezes mais riscos de serem mortas. A residência está em segundo lugar.
“Isso mostra que há uma população já tradicionalmente afetada pela desigualdade racial e pela falta de acesso a direitos e que também é mais vitimada pela violência armada”, avalia Carolina Ricardo.
Parceiros são principais autores
Em 2020, uma em cada quatro mulheres vítimas de violência não letal por arma de fogo foi agredida pelo parceiro ou ex-parceiro. Nos últimos três anos, essa proporção apresentou tendência de alta, sobretudo a partir de 2019.
Ainda segundo o Instituto Sou da Paz, quando a violência armada é cometida por esse perfil de agressor, a chance de ocorrer em ambiente doméstico aumenta.
A advogada Carolina Costa ressalta que a sociedade é construída baseada em um sistema patriarcal, ou seja, que tem o homem como principal membro. De acordo com ela, é preciso trabalhar em uma educação coletiva.
“O que podemos fazer, e que está previsto na Lei Maria da Penha, é promover a cultura da igualdade de gênero” conclui.
Como denunciar
Criminosos abordam vítimas através de ligações de celular, mensagens de WhatsApp, texto ou e-mail — Foto: Reprodução/TV Globo
Mulheres que buscam denunciar possuem canais específicos para isso. Algumas cidades oferecem contato por telefone com a Patrulha Maria da Penha, que fiscaliza o cumprimento de medidas protetivas.
Em alguns estados há, ainda, a possibilidade do registro do Boletim de Ocorrência online para casos de violência doméstica. São eles: Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe e Tocantins.
O serviço de telefone do disque denúncia funciona 24 horas, todos os dias da semana, em qualquer local do Brasil e mais de 16 países através do 180.
Fonte: G1
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