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Oshikatsu, o fenômeno que Japão quer usar para tirar sua economia da crise

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‘Oshikatsu’ se refere aos esforços que os fãs fazem para apoiar seu ‘oshi’ favorito, que pode ser um artista, um personagem de anime ou mangá, ou um grupo que eles admiram e querem ‘impulsionar’.

Os cartazes na enorme estação de trem de Shinjuku, em Tóquio, são normalmente usados para anunciar produtos como cosméticos e comida, além de filmes novos.

Mas, de vez em quando, você pode se deparar com um cartaz com uma mensagem de aniversário e a foto de um jovem, geralmente de uma boy band e com aparência impecável.

Estes cartazes são criados por empresas de publicidade especializadas, e são pagos por fãs apaixonados. Eles fazem parte de um fenômeno chamado oshikatsu, termo cunhado nos últimos anos que é derivado das palavras japonesas para “impulsionar” e “atividade”.

Oshikatsu se refere aos esforços que os fãs fazem para apoiar seu oshi favorito, que pode ser um artista, um personagem de anime ou mangá, ou um grupo que eles admiram e querem “impulsionar”.

Uma parte considerável deste apoio é de natureza econômica. Os fãs comparecem a eventos e shows ou compram mercadorias como CDs, pôsteres e outros itens colecionáveis. Outras formas de oshikatsu são destinadas a difundir a fama do ídolo, compartilhando conteúdo sobre seu oshi, participando de campanhas nas redes sociais e escrevendo fanfics ou desenhando fanarts.

Uma mensagem de aniversário para Kogun, um cantor sul-coreano que tenta fazer sucesso no Japão, em 2022
Uma mensagem de aniversário para Kogun, um cantor sul-coreano que tenta fazer sucesso no Japão, em 2022

oshikatsu surgiu a partir do desejo dos fãs de ter um vínculo mais próximo com seus ídolos. A combinação de oshi katsu apareceu pela primeira vez nas redes sociais em 2016, e se difundiu como uma hashtag no então Twitter (atual X) em 2018. Em 2021, oshikatsu foi indicada como candidata a palavra do ano no Japão, um sinal de que seu uso havia se tornado popular.

Agora, entrou no radar das empresas japonesas. O motivo é a explosão da inflação nos últimos anos, causada pela interrupção pandêmica da cadeia de suprimentos e por choques geopolíticos, que levaram os consumidores japoneses a reduzir seus gastos.

No entanto, com os salários prestes a aumentar novamente pela terceira vez em três anos, o governo está cautelosamente otimista de que o crescimento econômico pode ser reativado por meio de gastos impulsionados pelo consumo. As empresas de entretenimento e mídia estão olhando para o oshikatsu como um possível motor desta tendência, embora não esteja claro se os próximos aumentos salariais serão suficientes.

Um fenômeno generalizado

Diferentemente da percepção popular, o oshikatsu não é mais exclusividade de subculturas ou de jovens. O fenômeno também conquistou faixas etárias mais velhas no Japão.

De acordo com um levantamento realizado em 2024 pela empresa japonesa de pesquisa de mercado Harumeku, 46% das mulheres na casa dos 50 anos têm um oshi que apoiam financeiramente. As gerações mais velhas tendem a ter mais dinheiro para gastar, especialmente depois que seus próprios filhos terminam os estudos.

oshikatsu também representa uma inversão interessante em termos de papéis de gênero. Embora na família tradicional japonesa os maridos ainda sejam considerados os provedores, no oshikatsu é mais comum ver mulheres que apoiam financeiramente homens jovens.

O quanto os fãs gastam com seus oshis varia. De acordo com uma pesquisa recente realizada pela empresa de marketing japonesa CDG e pela Oshicoco, agência de publicidade especializada em oshikatsu, o valor médio gasto pelos fãs em atividades relacionadas aos seus oshis é de 250 mil ienes (cerca de R$ 9,8 mil) por ano.

Estima-se que isso contribui com 3,5 trilhões de ienes (aproximadamente R$ 137 bilhões) para a economia japonesa a cada ano, e representa 2,1% do total das vendas anuais do varejo no Japão.

oshikatsu vai impulsionar os gastos dos consumidores. Mas duvido que tenha o impacto sobre a economia japonesa que as autoridades esperam. Para os fãs mais jovens, o risco é que a aprovação do governo acabe com qualquer tipo de influência cool, tornando o oshikatsu menos atraente para este público no longo prazo.

E se você apoiar um oshi que ainda não alcançou sucesso, pode ter uma sensação mais forte de que seu apoio é importante. Portanto, parte dos gastos será destinada diretamente a indivíduos, e não a superestrelas corporativas já estabelecidas. Mas também é possível que os jovens oshis em dificuldades gastem mais este dinheiro do que as celebridades estabelecidas.

Reflexo de mulher com guarda-chuva em telão com números
O valor médio que os fãs gastam em atividades relacionadas aos seus oshis é de 250 mil ienes (R$ 9,8 mil) por ano

A imprensa internacional está se concentrando ora no aspecto econômico do oshikatsu; na peculiaridade dos fãs “obsessivos” que arrumam um segundo emprego para sustentar seus oshis; ou nas mães que gastam grandes quantias com um homem que tem metade da sua idade. Mas o que essa cobertura ignora é a transformação social lenta, porém profunda, da qual o oshikatsu é um sintoma.

Uma pesquisa de 2022 sobre pessoas que praticam oshikatsu deixa claro que as “atividades de fãs” atendem a um profundo desejo de conexão, validação e pertencimento. Embora isso pudesse ser preenchido por uma amizade ou relacionamento íntimo, um número cada vez maior de jovens adultos japoneses sente que tais vínculos são “problemáticos”.

Os homens jovens lideram esta categoria, especialmente aqueles que não trabalham em escritórios com empregos corporativos relativamente estáveis, os chamados salarymen. Muitos que trabalham meio período ou em empregos braçais estão com dificuldade de imaginar um futuro no qual tenham uma família.

Assim, o setor terciário está mudando para acomodar um número cada vez maior de serviços que transformam coisas intangíveis, como amizade, companheirismo e fantasias românticas escapistas, em serviços pagos.

Desde abraços sem conotação sexual até alugar um amigo por um dia ou ter um encontro com um acompanhante crossdresser, é possível buscar um alívio temporário da solidão por hora. Como resultado, a própria conexão humana está se tornando algo que pode ser consumido mediante pagamento.

Por outro lado, compartilhar atividades de oshikatsu pode gerar novas amizades. Fãs se reunindo para adorar seus ídolos coletivamente é uma forma poderosa de criar novas comunidades. Resta saber como essas mudanças na forma como as pessoas se relacionam vão moldar o futuro da economia e da sociedade japonesa.

*Fabio Gygi é professor de antropologia na Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

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Jeová Rodrigues

Jornalista

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