Sem a proteção da lei, desmate ameaça Cerrado
Projetos que equiparam o bioma à Floresta Amazônica e ao Pantanal se arrastam no Congresso há duas décadas. A Caatinga também foi esquecida pelos constituintes
Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao governo que apresentasse um plano de ação para proteger a Amazônia do desmatamento ilegal, do garimpo criminoso e da destruição da fauna e da flora. A decisão foi dada no âmbito de uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) apresentada pelo PSB e pela Rede Sustentabilidade. Os partidos se valeram de um artigo da Constituição que define a Amazônia, o Pantanal, a Mata Atlântica e outros biomas como patrimônio nacional. Por outro lado, o Cerrado — a maior savana do mundo — não tem a mesma proteção prevista pela Carta Magna.
Há quase duas décadas, tramitam no Congresso duas propostas de emenda à Constituição (PEC), que incluem o Cerrado e a Caatinga na lista de patrimônios nacionais que devem ser protegidos. Depois de quatro anos de desmonte da política ambiental, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), que retirou recursos, pessoal e estrutura do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), da Fundação Nacional do Índio (Funai) e outros órgãos que atuam na área, a pauta ambiental ganhou mais destaque no atual governo.
Porém, enquanto em janeiro o desmatamento na Amazônia recuou 60% — o décimo mês consecutivo de queda —, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), no Cerrado a devastação continua avançando e ameaçando um bioma que cobre 25% do território brasileiro. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a devastação no bioma cresceu 3% entre agosto de 2022 e julho de 2023, o que representa uma perda de 11 mil km² de vegetação no período. Mas houve desaceleração, tendo em vista que, no período imediatamente anterior, o aumento foi de 25%. O desmatamento, os incêndios florestais e a contaminação do solo e de mananciais criam um ambiente inóspito para os animais, colocam espécies no caminho da extinção e têm potencial de provocar danos irreversíveis ao meio ambiente.
O Inciso 4º do artigo 125 da Constituição define quais são os biomas considerados patrimônio nacional. Na elaboração do texto constitucional de 1988, o Cerrado e a Caatinga foram deixados de lado e não tiveram suas áreas adicionadas ao texto. “A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive, quanto ao uso dos recursos naturais”, define o artigo.
Lentidão
A proposta mais avançada que prevê inclusão do Cerrado e da Caatinga na Constituição foi apresentada em 2010 pelo então senador Demóstenes Torres (DEM-GO). No texto, ele argumentou que, em relação às áreas protegidas, o legislador buscou “enfatizar a importância desses biomas e assegurar tratamento diferenciado no tocante a sua utilização, coibindo práticas predatórias na exploração dos recursos naturais”. O texto passou pelo Senado e foi encaminhado à Câmara, onde está engavetado.
Uma proposta semelhante foi apresentada na Câmara e aguarda votação desde 2006. A PEC 115/95 não foi votada por falta de acordo, mas foi aprovada em uma comissão especial. Leonardo Rossato, doutor em ciência do Sistema Terrestre pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), destaca que a ausência de proteção do Cerrado pela Constituição se explica pelo desconhecimento ambiental na época.
“Na época da Constituição não existia essa noção da importância do Cerrado para a manutenção, inclusive, dos demais biomas. O Cerrado é o principal bioma em termos de nascentes, de biomassa e de árvores mais antigas. Existem raízes de 500 anos, muito profundas no solo. É um bioma de difícil restauração quando é deteriorado. Não é um bioma de crescimento rápido”, destaca.
Com a tragédia no Rio Grande do Sul, onde inundações destruíram cidades inteiras, o país passou a debater a proteção ao meio ambiente e os efeitos colaterais de uma agenda global que não preserva a natureza de maneira eficiente. Rossato ressalta que a falta de proteção legal gera entraves importantes que permitem o avanço da destruição da região, que tem papel fundamental para combater as mudanças climáticas. “As políticas de redução do desmatamento são mais eficientes quando existe um arcabouço legal, como na Amazônia. No caso do Cerrado isso afeta os programas de fiscalização, de desmatamento, as questões fundiárias. Fica mais fácil obter uma terra quando ela não está em área de proteção. O Cerrado e a Caatinga são as áreas mais degradadas do país. Na Caatinga existe, inclusive, uma desertificação”, completa.
Com informações do Correio Braziliense
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