Seca, calor, fogo e fumaça afetam saúde dos brasilienses
Em alerta laranja por conta das altas temperaturas e da baixa umidade do ar, o Distrito Federal completa hoje 149 dias sem chuva. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), não há previsão de precipitações para os próximos sete dias. Nos últimos dias, as temperaturas estão acima da média prevista para o mês, que era de 29ºC. A onda de calor intenso, a umidade relativa do ar chegando a 15% e a densa fumaça que tem pairado sobre a capital têm afetado a saúde e a rotina dos brasilienses. “Enquanto não chover, vamos continuar com essa sensação de ar poluído”, disse Olívio Bahia, meteorologista do Inmet.
Ontem, a qualidade do ar em Brasília foi considerada moderada, mas a concentração de PM 2,5 (partículas finas com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros) ainda continuou acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo a plataforma internacional IQAir. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), as partículas PM 2,5 são um tipo de poluente atmosférico que pode ser inalado, penetrando no sistema respiratório e podendo causar problemas de saúde.
Na terça-feira (17/9), o DF registrou concentração de poluentes 11,1 vezes maior do que o valor anual recomendado pela OMS. Já o índice de qualidade do ar na capital era insalubre para grupos sensíveis, como crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas.
Na manhã de ontem, a Secretaria de Educação do DF suspendeu as aulas em 24 Unidades Escolares nor conta da fumaça das queimadas. Uma nova lista deve ser divulgada na manhã de hoje. A Secretaria de Esporte e Lazer informou que as aulas em todos os Centros Olímpicos e Paralímpicos estão suspensas até o próximo sábado. Na Universidade de Brasília (UnB), as aulas foram retomadas ontem.
Saúde afetada
De acordo com a Secretaria de Saúde do DF, na primeira semana de setembro de 2024, o número de atendimentos relacionados a síndromes respiratórias totalizou 5.193. Em 2023, no mesmo período, foram registrados 3.931 atendimentos, indicando um crescimento de 32% em relação ao ano anterior. Na última semana de agosto de 2024, a rede pública de saúde do DF registrou um total de 6.180 atendimentos relacionados a síndromes respiratórias. No mesmo período de 2023, esse número foi de 4.799 atendimentos, representando um aumento de 28%.
Apesar desse crescimento, observa-se uma ligeira redução no número total de internações durante o mês de agosto, comparado ao mesmo período de 2023. Foram registradas 1.146 internações relacionadas a síndromes respiratórias. No mesmo período do ano passado, o número foi maior, com 1.303 casos.
No Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), o eletricista Allison Breno, 28, aguardava atendimento para a filha Heloísa, de apenas 5 anos, que estava tendo crises intensas de asma. “O remédio que damos na bombinha não estava mais fazendo efeito. Esta é a segunda vez que isso acontece. A primeira foi no período de seca do ano passado. Ela está com muita tosse e dificuldade de respirar. Toda essa fumaça não ajuda”, relatou o pai.
Antônia Teixeira, 42 anos, levou os dois filhos doentes ao HMIB para receber atendimento. Miguel, de 8 anos, e Ayla, de 5, estavam com alergias causadas pelo calor. “A gente veio domingo, pois o Miguel estava com muita coceira e vermelhidão no rosto, no pescoço e nos olhos. A médica disse que era por conta do clima e passou um antiflamatório. Mas não melhorou, então viemos de novo hoje (ontem)”, disse. “A Ayla está com demartite no pescoço por conta do calor e do suor”, completou.
Na rede particular, a situação não é diferente. Segundo o clínico geral e coordenador da emergência do Hospital Santa Lúcia Asa Sul, Arthur Seabra, após o incêndio no Parque Nacional, o pronto-socorro ficou lotado. “Na segunda-feira foi o pior dia. A situação ficou caótica, com lotação 24 horas. Pessoas com quadro de alergia respiratória, desidratação, tontura, sensação de desmaio por causa da qualidade do ar”, disse.
Cuidados
Anualmente, quase metade da população mundial é exposta a calor intenso em algum momento do ano e aproximadamente um terço dessa população sofre de algum efeito adverso na saúde. Os principais problemas causados pela exposição ao calor extremo são dor de cabeça, fraqueza, tontura e náusea, aumentando também de maneira significativa o risco de desidratação. Quando a exposição se torna prolongada, há um risco de desenvolvimento de insolação, quadro médico grave, que pode ocasionar delírio, convulsões e coma. “É importante ficarmos atentos às populações de risco: crianças, idosos, pessoas com doenças crônicas, trabalhadores ao ar livre e indivíduos sem acesso a ambientes frescos e hidratação adequada”, explicou o clínico geral do Hospital Brasília da Rede Dasa Paulo Henrique Rodrigues Correia. “Nessa população, há risco, inclusive, de descompensação de doenças crônicas, especialmente cardiovasculares e renais”, acrescentou.
“É importante manter hidratação adequada, evitar atividades físicas durante períodos de calor intenso e, quando possível, manter acesso a ambientes frescos. Identificar precocemente os sintomas associados ao calor extremo é fundamental para garantir o tratamento imediato”, orienta o médico. “Em caso de desenvolvimento de sintomas graves, mais comuns em idosos ou crianças, como sonolência importante, delírios ou desorientação, deve ser buscada imediatamente a assistência médica em UPAs ou hospitais”, finalizou.
Para refrescar
Com o fechamento da Água Mineral por conta dos incêndios no Parque Nacional, brasilienses e turistas que queriam se refrescar por conta do calor acabaram recorrendo à Prainha do Lago Norte. A moradora de Samambaia Vitória Rebeca, 27 anos, levou a filha Estela, de 8 meses, pela primeira vez para curtir o lago. “Está quente demais, estamos tomando banho de lago, mas priorizando a sombra. Sofremos com a secura, estou dando o dobro de água para ela beber”, comentou.
O estudante Mitoan Waykwon, 23 anos, aproveitou as férias para ir à Prainha levar as amigas amazonenses Vanderléia Ferreira, 22, e Alanis Fernandes, 22. “Já tínhamos vindo em Brasília antes, mas com a fumaça desta vez está pior”, reclamou Vanderléia. “Vamos aproveitar e andar de caiaque. Quanto mais perto da água, melhor”, completou Mitoan.
Para aproveitar o dia de folga, o servidor público Alex Fabiano, 53 anos, e a esposa Rosemari Roguski, 43, levaram o neto para tomar banho de lago na Prainha. “Muito filtro solar, muita água, muito suco natural é o que está salvando. Umidificador em casa e ar-condicionado para melhorar o calor”, afirmou Alex.
O Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas trouxe várias pessoas de outras cidades a Brasília nesta semana. Murilo Santos, 26, veio de São Carlos (SP) para participar do evento e aproveitou para conhecer a Prainha com os amigos Tifany de Oliveira, 22, Enita Rosindo, 25, e Thiago Artung, 22. “Tentamos ir na Água Mineral, mas fomos pegos de surpresa com o fechamento do parque. Daí viemos para cá, para fugir da seca e do calor. Antes de vir, perguntei a um amigo o que não podia faltar na mala. Ele disse soro fisiológico”, contou Murilo.
Culpados serão identificados, diz Ibaneis
A falta de chuvas contribui diretamente para o surgimento das chamas. Os incêndios iniciados no último domingo destruíram uma área de 1.473 hectares do Parque Nacional de Brasília. Ontem, 300 militares do Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF) atuavam no parque – sendo 160 no combate e 140 disponíveis para revezamento.
Anteriormente, o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Pires, havia afirmado que o prejuízo ultrapassava 2,4 mil hectares. Apesar disso, o chefe da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) do Distrito Federal, Gutemberg Gomes, informou, em coletiva de imprensa na manhã de ontem, que os dados foram compilados e, felizmente, o estrago foi menor.
Os maiores incêndios já registrados no Parque Nacional de Brasília ocorreram em 2010 e 2007, quando o prejuízo foi de 15,6 mil e 14,1 mil hectares, respectivamente. Segundo o ICMBio, apesar da grande mobilização, o incêndio deste ano está bem abaixo da média dos que costumam ser registrados anualmente no parque.
Também na manhã de ontem, o governador Ibaneis Rocha (MDB) sobrevoou o Parque Nacional de Brasília para avaliar a situação da vegetação. “Fiquei feliz com a informação do comandante do Corpo de Bombeiros de que o incêndio deste ano, em que pese as condições de fumaça, correspondeu somente a 3,4% do parque. Tivemos anos em que essas queimadas chegaram a até 30%”, comparou. “Ele (o fogo) está restrito a uma pequena área. Porém, temos focos de incêndios em quase todo o DF. Há cerca de 400 militares trabalhando no combate no parque e mais 1,5 mil de plantão nos outros pontos. Vamos torcer para chover”, acrescentou.
Sobre a importância da contribuição da população, Ibaneis ressaltou que se trata de um trabalho de conscientização. “Pedi à comandante da Polícia Militar, Ana Paula, para reforçar o policiamento em todos os parques ambientais do DF e isso já está sendo feito. Esperamos que essa passe o mais rápido possível. Vamos continuar fazendo o monitoramento com a participação da Polícia Civil para identificar os culpados por esse crime, buscando a punição de todos. Isso não pode ser mais admitido”, ressaltou.
Resfriamento e vigilância
Com as chamas controladas, os militares atuavam, ontem, no processo de rescaldo, monitorando e resfriando as áreas consideradas prioritárias. O Correio Braziliense adentrou a floresta do Parque Nacional e acompanhou de perto o árduo trabalho executado pelos brigadistas do ICMBio e pelos militares do CBMDF. A caminhada de 600 metros, em mata fechada, durou mais de 30 minutos.
Utilizando motobombas, mais especificamente equipamentos canadenses amplamente utilizados em focos subterrâneos, os militares concentravam as atenções, principalmente, nas áreas de mata de galeria. O coronel Pedro Aníbal, do CBMDF, explicou que combater as chamas concentradas embaixo da terra exige maiores esforços. “Os subterrâneos são os mais difíceis porque os militares não podem ver o local onde o fogo queima, nesse caso não há chamas, nós vemos apenas pontos de fumaça. A matéria orgânica depositada no solo queima, e isso acontece normalmente em matas de galeria”, ensinou.
“A técnica empregada no combate é jogar bastante água e revirar o material combustível com o uso de ferramentas agrícolas, como pá, enxada e rastelos.” A equipe de reportagem conferiu o esforço de perto. Uma mangueira com cerca de 5000 metros cortava a mata e, divididos em grupos, os combatentes, suados, a utilizava para despejar água nos pontos quentes.
O coronel Marcos Rangel de Almeida, comandante do Centro de Comunicação Social do CBMDF, apontou que a rotina diária tem sido árdua. “O monitoramento é constante, a gente tem observado 24h. A partir do momento que surge um foco, combatemos pela ‘raiz’. O monitoramento é feito com o uso de drones e sobrevoo, principalmente em áreas de difícil acesso”, disse.
Apoio aos animais
Agora, o parque conta com uma operação de resgate de animais afetados pelos incêndios florestais. O Governo do Distrito Federal (GDF) instalou uma tenda de apoio dedicada ao resgate dos bichos domésticos e silvestres que estiverem feridos. A ação é coordenada pela Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) em parceria com o Instituto Brasília Ambiental (IBRAM).
Segundo o chefe da pasta, Gutemberg Gomes, explica que atuará nos primeiros socorros em caso de animais atingidos pelo fogo. “Ontem (terça-feira) nós tivemos um incidente com uma anta, mas depois de ser consultada pelos veterinários, nós percebemos que ela poderia ser reinserida em uma área onde não havia fogo. Nós não sabemos a dinâmica do ocorrido, mas o animal está bem.”
Em caso de necessidade, os animais serão transportados Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre (Hfaus) ou ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), do Ibama. “Além dos brigadistas, nós temos os médicos veterinários e equipes do Jardim Zoológico que também acompanham os animais.”
A Sema informou, porém, que até o momento, nenhum bicho necessitou dos cuidados. O coronel Aníbal explicou que a área destruída pelas chamas não é confinada, por isso é provável que os animais tenham conseguido fugir das chamas. No Parque, a equipe de reportagem constatou que as áreas queimadas são intercaladas com áreas verdes, o que mostra que o combate foi eficaz na tentativa de não deixar o fogo propagar e tomar o parque inteiramente.
Pedro Aníbal Coronel do CBMDF
Com quais equipamentos o CBMDF atua neste momento? As ferramentas disponibilizadas são suficientes?
Dentro do Parque Nacional de Brasília, nós estamos atuando com materiais de sapa, que são enxadas, rastelos, ferramentas agrícolas, e também com as motobombas, que estão sendo usadas para puxar água do córrego Bananal para jogar nos pontos quentes e assim fazer os rescaldos necessário. Além disso, nosso avião está disponível e já fez alguns lançamentos. Os materiais que nós temos hoje são suficientes para combater os incêndios e responder aos chamados do DF.
E quais são os meios tecnológicos que facilitam o trabalho dos militares neste momento?
Nós usamos imagens de satélite, principalmente no pós-incêndio. A gente pega as imagens, com delay, para avaliar a propagação do incêndio e aferir as áreas queimadas. Se necessário, nós também temos drones com infravermelho e câmera térmica para serem usados nas missões durante a noite. O Sem Fogo-DF e o site da Nasa (agência espacial dos Estados Unidos) nos ajuda com as imagens de satélite e com as previsões meteorológicas. Isso é muito importante para nosso trabalho, tanto para acompanhar o desenvolvimentos dos incêndios como para verificar os dados meteorológicos, que influenciam muito no combate como na propagação do incêndio.
Em qual fase da Operação Verde Vivo (OPVV) nós estamos?
Estamos na fase IV, a considerada mais crítica, porque este é o período de maior temperatura e menor umidade do ar. A gente vem com uma estiagem prolongada que este ano está durando um pouco mais que nos anos anteriores. Todos os anos é natural que agosto e setembro sejam os meses mais críticos, com maior índice de focos de incêndio e que perduram um pouco mais.
Com informações do Correio Braziliense
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