Peças recicladas e outras que serão detonadas até o fim do Carnaval viram tendência entre foliões
Remexer o guarda-roupa, garimpar umas peças e montar uma fantasia podem virar alternativa em momento de grana curta
ROBERTO DE OLIVEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Sabe aquela blusa meio brega, presente da tia? E aquele par de meias esquisitão, herança de um relacionamento mal-acabado? Somado a uma boa dose de criatividade, isso tudo pode ajudar a compor o look da folia.
Remexer o guarda-roupa, garimpar umas peças e montar uma fantasia podem virar alternativa em momento de grana curta. A tendência da moda mais que “fast fashion” do Carnaval é reciclar, com a certeza de quem nem tudo vai durar até o fim da festa.
“Na terça-feira, minha fantasia vai estar destroçada”, brinca o arquiteto João Augusto, 32, ao desfilar pelos blocos da zona oeste paulistana com look inspirado em uma personagem criada por ele, a Clubber Cansada.
A vestimenta era simples, diga-se, com um par de meia arrastão, coturnos, uma batinha, canga de saia, com maquiagem caprichada ao redor dos olhos. O que chamava atenção, mesmo, era o globo espelhado que o folião carregava. Parecia uma bolsa.
“Está fazendo o maior sucesso. Todo mundo quer pegar na bola”, diz. “As pessoas estão me parando para tirar fotos.”
Augusto diz que pagou R$ 50 pelo globo, mais R$ 70, consumidos num par de pulseiras douradas. “O meu limite era de R$ 100. Gastei até demais”, conta. “Clubber Cansada, o look, estará, porém, acabado no fim da festa. É o Carnaval do desapego.”
Para montar a sua fantasia, o arquiteto redescobriu o próprio guarda-roupa. Não só o dele. Deu uma espiada também em peças, de amigos e amigas, que foram ressignificadas. Juntou o que conseguiu, se montou e pronto: Clubber Cansada estava de pé.
“Nem pensei que iria chamar tanta atenção. Sou contra gastar grana com fantasia.”
Moda não tem nada a ver com dinheiro, é expressão, defende Fernanda Caldeira, 27, analista em marketing de moda, do Cambuci, centro da capital.
Para os dias de folia, ela começou a bolar o seu look no início do ano. A partir dali, desenvolveu duas fantasias: a da sereia e a do unicórnio.
Na primeira criação, a referência, conta ela, foi o sincretismo, uma busca por elementos que reverenciassem as religiões de matrizes africanas, assim como detalhes que remetessem à fé católica.
“O brilho, as pedrarias e, sobretudo, a estética dos anos 2000 estão em alta”, explica.
“Trazer essa brasilidade, esse encanto de Iemanjá, é algo que sinaliza a retomada do Carnaval depois de tanta dor e perda. É uma manifestação, vale dizer, de tolerância.”
Por sua vez, o look unicórnio traz uma pegada, digamos, mais fashionista. Foi inspirado em “Barbie Core”, estilo associado a roupas e acessórios de alta-costura sem abrir mão da moda em voga. As sandálias salto bloco, por exemplo, são réplicas das criadas pela famosa grife italiana Versace, na cor rosa pink, é claro, assim como o top de vinil.
Alguns desses elementos colaboraram para que essa tendência tomasse as ruas, conta. Entre eles está o lançamento, previsto para este ano, do filme da boneca Barbie, adaptação em live action, estrelado por Margot Robbie, de “Era uma Vez em Hollywood”, e Ryan Gosling, de “Blade Runner 2049”, como o boneco Ken.
Com nuances arroxeadas, a saia plissada era fúcsia. “São roupas usadas no dia a dia que ganharam adereços carnavalescos. Basta abrir o guarda-roupa e encontrar peças que tragam a sua essência”, ensina.
“Carnaval”, nas palavras da analista, “é um momento de exposição, para se mostrar, se exibir. É claro que isso mexe também com a vaidade”.
Na opinião de Tarcísio D’Almeida, 49, professor de design de moda da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), vestir-se é significar via moda, figurino e fantasia.
“Pensando na catarse que o uso de uma fantasia faz, percebemos as percepções de satisfação e de comemoração, o que nos permite compreender algo além do cobrir o corpo com roupas”, analisa.
A fantasia traduz o imaginário desejado, segue ele, autor de “Moda em Diálogos: Entrevistas com Pensadores” (Memória Visual), velando e desvelando sonhos, desejos, liberdades. “Repressões que acabam se materializando nas narrativas visuais constituídas nas silhuetas dos corpos, combinadas a maquilagem e acessórios, que acionam traços do lúdico em nós”, conclui.
À base de glitter multicolor, strass, meia arrastão e um top de lantejoulas, o casal de publicitárias Laís Souza, 25, e Geovana Santiago, 25, enxergam na fantasia mais que uma simples alegoria carnavalesca.
O look selava a união das duas. Era como se fosse tirar a máscara. “Eu me assumi em julho do ano passado. Este é o meu primeiro Carnaval assumida. Vamos curtir juntas. A fantasia é uma homenagem a essa união”, contou Laís. Desembolsaram R$ 160. “O básico era tudo o que a gente já tinha”,
omplementa Geovana.
Em Perdizes, diante da paróquia São Geraldo, santo cuja imagem traz consigo uma caveira que simboliza o desapego material em prol da vida espiritual, a veterinária Tatiana Perez celebrava o “momento diva” do marido, o designer Alexandre Machata, 32. Ambos fantasiados de inseto.
“Era para ser uma mariposa, algo assim”, explica ele. “Minha namorada pegou referência no Printerest. Gastei R$ 80 com tecidos, tiaras e glitter”, calcula o designer. “Minha vida se resume em pesquisar, e a dele, em realizar”, brinca a mulher, Tatiana, 31.
Na composição do look, a calça esverdeada usada por ele, na verdade, era dela. Foi comprada numa loja de “fast fashion”, em promoção depois do Ano-Novo, conta a mulher.
A julgar pelo estado em que a peça se encontrava no fim do bloco Bunytos de Corpo, o casal terá que colocar a mão no bolso para comprar uma nova. Ou quem sabe ressignificá-la.
Fonte: Jornal de Brasília
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