Mudança na divulgação dos dados da Covid-19 no DF dificulta análise e dá ‘falsa sensação de segurança’, dizem especialistas
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal mudou o método de divulgação de óbitos pela Covid-19 nos boletins publicados ao fim do dia. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (19). No entanto, segundo especialistas, a medida vai dificultar a análise da real situação epidemiológica na capital e ainda dar uma “falsa sensação de segurança à população”.
Desde a noite de quarta-feira (19), o governo do DF divulgou apenas as mortes ocorridas nas últimas 24 horas. Os dados anteriores foram obtidos pelo G1 por meio de comparação entre os números publicados pela pasta na terça (18).
Até então, o boletim trazia óbitos registrados em outras datas, mas que tiveram a causa confirmada como Covid-19 naquele dia. O levantamento mais atualizado aponta que houve 2.165 óbitos na capital desde o início da pandemia (veja detalhes mais abaixo).
“Mudando o método de divulgação, o DF perde o parâmetro de comparação com outros estados e com o mundo”, afirma a médica infectologista Joana D’arc, que comentou o assunto a pedido da reportagem.
“O que a gente precisa é de um planejamento adequado, e não de números tranquilizadores.”
“A situação epidemiológica de um lugar é avaliada com números, indicadores que geram estatísticas para que seja possível ter previsões”, disse a médica. “Se eu mudo os parâmetros, dificulto a análise e as tomadas de decisão com relação ao que precisa ser feito nesse local.”
Novos dados
Às 12h, o painel do governo do DF, que divulga um boletim parcial com os dados do coronavírus na capital, não apresentou mudança. A alteração foi anunciada para o boletim referentes ao fim do dia. Nesta quinta (20), foram divulgadas 17 novas mortes por Covid-19.
A Secretaria de Saúde também divulgou mais 1.391 infectados pelo novo coronavírus. Ao todo, o DF tem 143.153 casos. Desses, 85,7% já se recuperaram.
Em nota, a pasta informou que “não há chance de perda de dados sobre óbitos porque a contagem não será afetada”. A pasta disse ainda que os óbitos ocorridos em dias anteriores serão contabilizados no boletim epidemiológico, nas respectivas datas de ocorrência.
O que dizem os especialistas
Para Joana D’arc, a nova forma de divulgação também dificulta a tomada de decisões por parte do governo para controle da doença.
“São muitos os óbitos que não têm o diagnóstico de Covid-19 no dia. Para não se perder a referência da real situação da pandemia, seria necessária uma maior celeridade no diagnóstico, e isso nós não temos”, afirma.
Outra dificuldade apontada pela médica é a “falsa sensação de segurança” gerada para a população a partir da nova metodologia. “As pessoas têm medo. E aqui no Brasil nós entramos em um platô da doença, que não cai. Isso gera desconforto.
A médica afirmou também que é necessário um “planejamento adequado” para enfrentar a pandemia. “Há países mais pobres que o Brasil que conseguiram controlar melhor a doença, porque existe uma ação conjunta da saúde, do governo e da sociedade”.
Acúmulo de casos
O pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Breno Adaid – doutor em administração que analisa os dados da Covid-19 desde o início da pandemia – explica que o número de óbitos da segunda semana de agosto são o resultado do acúmulo de casos em julho. “A gente teve 30 mil casos na segunda semana de julho. Logo isso causa um reflexo nos óbitos de agora. Por isso esses números altos”.
Segundo ele, a mudança na divulgação dos dados não evita o desconforto com o número de mortes. “Imagina que nós temos uma situação de 60 óbitos em um dia. Você fala que desses 60, só 30 foram nas últimas 24 horas”.
“Lá na frente, você vai ter que colocar os dados de novo, no tempo certo. E naquele dia que tinha 30 mortes, entraram 30, que na verdade caíram hoje. Então você só trocou o susto.”
“Ao invés de ser ‘oh meu Deus, aconteceram 60 mortes hoje’, é que aconteceram 60 mortes na semana passada”, explica Breno.
Desassossego da população
Ao anunciar a mudança, o secretário de Saúde do DF, Francisco Araújo, disse que o método anterior adotado na capital – seguido pelo restante do país e pelo mundo – “não está funcionando”.
“Quando você divulga um número com o concentrado de outros dias, vai lá para cima. E aí o que eu coloco aqui é que isso desassossega a população, do ponto de vista da realidade”, afirma o secretário.
“Nós vamos fugir dessa metodologia que o país inteiro está utilizando porque ela não está funcionando. Nem tudo que o Ministério [da Saúde] preconiza precisa ser seguido. Cada estado precisa rever a sua metodologia, como nós estamos revendo a nossa aqui, para que não haja uma intranquilidade na população, de uma informação que ela não é real.”
Em junho, o governo federal também tentou uma mudança na metodologia de divulgação dos dados e foi alvo de críticas. Na época, depois de uma sucessão de recordes no número de mortes, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que o Ministério da Saúde passaria a divulgar apenas os óbitos ocorridos em determinada data, tirando o acumulado de mortes.
Após a repercussão, o governo recuou e manteve o formato de divulgação anterior. Na ocasião, um consórcio de veículos de imprensa, formado por jornalistas de G1, “O Globo”, “Extra”, “O Estado de S. Paulo”, “Folha de S.Paulo” e UOL passou a realizar um levantamento próprio com base nos dados das secretarias estaduais de Saúde.
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma ação movida pelos partidos Rede Sustentabilidade, PSOL e PCdoB. O ministro Alexandre de Moraes atendeu a um pedido das siglas e determinou que o governo voltasse a divulgar os dados acumulados. A ordem foi seguida e não houve novas mudanças desde então.
“A gravidade da emergência causada pela pandemia do Covid-19 exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde”, escreveu Moraes na decisão.
Com informações do G1-DF
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