Representantes dos Três Poderes se reúnem para desatar o nó das emendas
Fonte de tensionamento entre o Legislativo e o Judiciário, as emendas parlamentares serão o prato principal à mesa em almoço marcado para hoje entre representantes da cúpula da República. Para o encontro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, convidou os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além de colegas da Suprema Corte e integrantes do Legislativo e do Executivo. A reunião é um gesto para superar o mal-estar que se criou depois que o STF impôs um freio na aprovação das emendas impositivas, com imediata reação da Câmara dos Deputados.
O repasse de verbas foi suspenso na última quarta-feira (14) pelo ministro Flávio Dino, com o intuito de dar mais transparência à aprovação das proposições parlamentares. Dois dias depois, a Suprema Corte referendou, por unanimidade, a decisão do ministro. O posicionamento contundente do STF provocou reação do Congresso, em particular da Câmara dos Deputados.
Na tentativa de acalmar os ânimos, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, disse que as decisões da Corte não constituem enfrentamento ao Legislativo. Já o chefe do Executivo, Luiz Inácio Lula da Silva, ponderou que não pode haver “emenda secreta” no Congresso Nacional.
Ontem à noite, o presidente Lula teve encontro reservado com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no Palácio do Planalto. Há uma expectativa de que Lula receba também o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Sem maioria no Congresso, o governo tem interesse em chegar a um acordo em relação às emendas parlamentares. Restrições ao pagamento das proposições de deputados e senadores afetam diretamente a aprovação de matérias cruciais para o Executivo, como a reforma tributária e outras pautas econômicas.
Segundo fontes ouvidas pelo Correio, parlamentares sinalizaram ao Supremo que apresentarão uma proposta de acordo para o desbloqueio imediato dos valores, com base em dados que mostram o impacto da suspensão para os municípios. Em troca, o Congresso se comprometeria em dar mais transparência na prestação de contas sobre as emendas.
Receptividade
Todos os ministros do Supremo foram convidados. Ao Correio, fontes da Corte relataram que o clima é de receptividade para a resolução. Da parte do Executivo, o encontro contará com a presença dos ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU). A orientação por parte de Lula também é de que haja acordo.
Costa tem atuado como interlocutor direto de Lira, após o presidente da Câmara ter rompido diálogo com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do Executivo com o Legislativo. O chefe da Casa Civil já havia se reunido com líderes partidários na semana passada, quando recebeu a incumbência de mediar o conflito junto ao Supremo.
Os esforços em torno das emendas impositivas buscam se alinhar ao posicionamento da Suprema Corte, que determina mais transparência nas emendas parlamentares. No formato atual, os recursos das chamadas emendas Pix são distribuídos sem necessidade de especificar o solicitante ou a destinação da verba, o que impossibilita a atuação de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) no controle e na fiscalização do uso do dinheiro público.
O Legislativo tem interesse em encontrar uma solução para o impasse, já que o Supremo irá manter as suspensões até que medidas de transparência e rastreabilidade sejam estabelecidas e novas regras sejam criadas para fiscalizar os repasses. Além de solicitar critérios mais definidos na liberação de recursos para parlamentares, a decisão do ministro Flávio Dino, de caráter monocrático, também impacta ações retroativas. Junto com a suspensão, o parlamentar determinou uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) em todos os repasses realizados desde 2020.
O especialista em Direito Constitucional e professor da USP Rubens Beçak observa que esse episódio retrata o que tem acontecido na política atual na constante fricção entre Poderes da República. Beçak ressalta a dualidade de visões entre Congresso e STF: “De um lado, o Legislativo defende a atual modalidade das emendas como uma forma de alocar recursos de forma mais rápida e dinâmica, enquanto o STF vê, nessa distribuição, uma ausência de transparência”. Para o especialista, a população tem mais a ganhar com as exigências do STF. “É fundamental que o cidadão saiba a destinação da verba pública e as alocações dos recursos previstos”.
Retaliação
Em resposta à decisão do STF que proibiu as emendas parlamentares impositivas, Lira destravou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões individuais de ministros do STF, projeto que estava parado há oito meses. O texto proíbe as decisões individuais, chamadas de monocráticas, de ministros, desembargadores e juízes que tenham como objetivo suspender a validade de leis e atos dos presidentes da República, Câmara e Senado.
A proposição tem amplo apoio dos bolsonaristas, como mostrou o Correio na semana passada. Dos 185 signatários da PEC, 160 são apoiadores do ex-presidente.
Em paralelo, Lira deu sinal verde à proposta que permite ao Congresso suspender os efeitos de decisões do STF que os parlamentares consideram ir além do “adequado exercício da função jurisdicional”. De acordo com o texto, as decisões podem ser revogadas caso dois terços dos parlamentares da Câmara e do Senado concordem com a derrubada, minando, assim, o poder da Suprema Corte.
No painel da Transparência do Tesouro Nacional, é possível ver as quantias destinadas às emendas parlamentares individuais e de bancada desde 2015. Naquele ano, o total disponibilizado para essas transferências foi R$ 1,8 bilhão. Em 2023, elas saltaram para R$ 25,3 bilhões, uma quantia 14 vezes maior do que aquela utilizada no ano inicial do uso das emendas. Em quase 10 anos, o aumento da verba destinada a essas transferências foi de 1.305,6%.
Apesar de existirem alguns critérios limitantes nessas emendas, a falta de controle e fiscalização facilita o uso arbitrário e de forma volumosa do recurso. E o crescimento de 2022 a 2023 ilustra bem o cenário: de um ano para o outro, as verbas destinadas às emendas quase dobraram, passando de R$ 13,4 bilhões para R$ 25,3 bilhões.
Com informações do Correio Braziliense
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