Inclusão de negros em cargos da magistratura ainda é desafio, diz juiz
Fábio Esteves, juiz de direito atuando como juiz instrutor no STF, reflete sobre conquistas e desafios da luta do movimento negro para representatividade na magistratura
Próximo ao encontro anual de juízes e juízas negros, o criado do evento, Fábio Esteves, compartilha as conquistas e os desafios do grupo no âmbito da magistratura. O maior deles, diz Fábio, é a inclusão de pessoas negras nos cargos. “Apenas duas de cada cinco vagas reservadas para negros são preenchidas, sem mencionar que, em relação aos que entram, é preciso gerar pertencimento, desenvolvimento profissional e mudança da cultura organizacional”, diz o juiz de direito que atua como juiz instrutor no STF.
Confira, abaixo, a entrevista completa com Fábio Esteves.
O senhor criou o Encontro Nacional de Juízes e Juízas Negros, em 2016 e foi premiado por isso. Do primeiro evento, em 2016, até o encontro desta semana, o que o senhor destacaria? Há o que comemorar no quesito juízes e juízas negros no Brasil?
Há algumas realizações a comemorar: a circulação do debate racial no âmbito do Poder Judiciário; a formulação de políticas judiciárias de equidade racial pelo Conselho Nacional de Justiça; a introdução na formação dos magistrados da temática racial e a modificação das estruturas associativas para promoção da diversidade foram avanços importantes. No entanto, a inclusão das pessoas negras nos cargos da magistratura ainda é um desafio, apenas duas de cada cinco vagas reservadas para negros são preenchidas, sem mencionar que, em relação aos que entram, é preciso gerar pertencimento, desenvolvimento profissional e mudança da cultura organizacional.
Equidade racial é realizável? O que fazer para a sociedade abrir os olhos para essa realidade e desconstruir a cultura do racismo?
Sim, não há opção, precisamos realizar a equidade racial, dela depende a democracia. Não há que se falar em democracia concomitante à exclusão causada por discriminação racial sistêmica. A sociedade está mais do que “consciente” acerca das desigualdades, sejam aqueles que auferem os privilégios, sejam aqueles sobre os quais recaem as desvantagens. É uma disputa material, cujas regras do jogo são sujas, pois usam técnicas que mascaram o perverso processo de subalternização de todas as formas. A reconstrução da sociedade a partir da cidadania racial não findará enquanto a igualdade não se tornar realidade.
Os negros são minoria no serviço público federal e têm menores salários, segundo o IBGE. A sociedade civil organizada demanda por igualdade racial, mas as estruturas de poder não abrem espaço, resistem. Como combater, em termos práticos, a desigualdade nos tribunais brasileiros?
Não sei se a sociedade como um todo demanda por igualdade racial, a população negra e as pessoas aliadas ao projeto antirracista, sim. Faço essa afirmação porque compreendo que as estruturas de poder são parte da sociedade, contribuem para o funcionamento dela. A redução das desigualdades nos tribunais passa pela necessidade de cobrança intransigente dos movimentos sociais antirracistas para a adoção de medidas efetivas de governança inclusiva. Ainda realizamos a inclusão de forma amadora, intencionalmente, claro. É preciso a participação popular qualificar para o controle das instituições no que se refere à promoção da inclusão.
Antes e depois de se tornar juiz, o senhor já foi vítima de racismo
Sempre, para além das violências verbais, há as que nos expurgam dos lugares demarcados para ser ocupados por representantes de outros grupos sociais. A persistente necessidade de demonstrar que tenho competência para ocupar as funções que exerço é uma forma de perceber a presença intensa do racismo no meu cotidiano.
As famílias negras, em geral, são famílias de origem humilde. O que foi fundamental para o senhor conseguir chegar onde chegou e construir uma carreira de sucesso?
A educação, ainda que muito precária, foi a única possibilidade para que eu tivesse mobilidade social. Aí, se percebe como é fácil reduzir as chances para a ascensão de pessoas negras, sucatear a educação.
Qual a sua avaliação sobre os 10 meses da lei que equiparou injúria racial a racismo?
Tenho uma avaliação muito positiva, simbolicamente o Estado brasileiro reconheceu a importância da dignidade das pessoas negras, vilipendiada por ações odiosas, até então tratadas como se desprovidas de importância. Resta agora o emprego de hermenêutica adequada para transformar as letras da lei em proteção adequada.
É um desafio enorme combater os crimes raciais na internet. Há estudos recentes mostrando que as mulheres são o principal alvo. O que já é feito para esse combate? O que mais pode ser feito?
É necessário que tenhamos melhores condições para identificar os agressores, isso depende de eficiente aparato estatal repressivo e marco legal, que crie exigências para que as plataformas colaborem mais efetivamente neste enfrentamento, seja banindo publicações com conteúdo odioso, seja contribuindo com as autoridades com a apuração dos fatos, em particular identificando os autores.
Hoje a população carcerária é 832 mil pessoas, sendo deste total 68,2% ou 561 mil são negros e 44,5%, ou pouco mais de 370 mil mil, são detentos provisórios, ou seja cumprem pena sem julgamento. Para muitos especialistas, esse quadro revela que o sistema carcerário “escancarou o racismo estrutural”. Como o senhor avalia essa realidade e quais são motivos que levam o Judiciário a postegar o julgamento, principalmente, dos negros?
Os números não nos permitem dizer outra coisa, há encarceramento em massa de pessoas negras. A seletividade penal racial se agravou com legislações que impuseram penas mais graves para os então concebidos crimes hediondos, fator importante para o fenômeno da explosão populacional no cárcere. Não conheço levantamento acerca da distinção de duração em decorrência do pertencimento racial. Há mais negros esperando por julgamentos porque há mais negros nas prisões.
Alguns pesquisadores da história das cotas no Brasil constatam que o sonho da educação para os filhos é um sonho antigo entre as famílias negras brasileiras. Nesse sentido, qual é a história do sonho de educação da sua família, pais, avós?
Meu pai era analfabeto. Era capataz de fazenda. O sonho dele era que eu estudasse para exercer a mesma função que a dele, mas fazendo o que ele não podia fazer, ler. O dia que eu li a primeira palavra para ele, com certeza, foi o dia mais importante da sua vida.
Durante sua graduação, como foi sua experiência como estudante negro no curso e nos estágios?
Eu tinha pouca consciência racial. Na faculdade, havia três pessoas negras. Não existia qualquer discussão sobre o assunto. Mas, eu nunca deixei de sentir às vezes que fui discriminado, a exemplo de uma vez em que o professor, ao discutir comigo sobre a matéria, disse que desejava saber “quem foi que cortou o rabo do macaco”.
Com informações do Correio Braziliense
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