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Veto a indenização gera debate sobre saúde mental das forças de segurança

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Presidente Lula não autorizou GDF a pagar valor por desgastes psicológicos a policiais civis e militares e bombeiros. Categoria e especialistas afirmam que exposição constante a eventos traumáticos afetam

Na última terça-feira (14/11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou o reajuste das forças de segurança do Distrito Federal, concedendo aumento médio de 18% nos vencimentos de policiais e bombeiros militares, além de policiais civis. Apesar de comemorar o acréscimo concedido, o veto em um trecho que autorizava o GDF a criar uma indenização por desgastes orgânicos e mentais, relacionados ao exercício das funções, é motivo de reclamação.

De acordo com dados recentes do Departamento de Gestão de Pessoas (DGP) da Polícia Civil, em 2022, 448 policiais civis — cerca de 7% do efetivo — precisaram se licenciar por questões de saúde mental. A pauta é prioridade para o GDF, de acordo com o secretário de Segurança Pública (SSP-DF), Sandro Avelar. Ao Correio, o gestor destaca que é tão importante que a pasta criou um eixo específico, dentro do programa DF Mais Seguro (lançado recentemente), para dar melhores condições de trabalho às forças de segurança, para que eles possam atender a população da melhor maneira.

“A preocupação existe e estamos trabalhando muito para que esses servidores tenham o melhor cuidado mental. Até porque é uma atividade muito desgastante, pois eles são obrigados a conviver com situações extremas, como acidentes e homicídios”, observa. “Isso faz com que a gente tenha, infelizmente, casos de suicídios dentro das corporações. Além disso, a expectativa de vida é bastante menor, se comparado a outras profissões, por conta dos perigos que enfrentam, o que também afeta a saúde mental”, lamenta o secretário.

Para o psiquiatra e professor de medicina do Ceub Lucas Benevides, a exposição a eventos traumáticos, a pressão constante, as longas horas de trabalho, o estigma associado à busca de ajuda psicológica, e, em alguns casos, a falta de apoio institucional contribuem para os profissionais de segurança tenham a saúde mental abalada (leia Quatro perguntas para…).

Sobrecarga

Segundo o presidente da Associação dos Oficiais da PMDF (ASOF PMDF), coronel Leonardo Moraes, o veto da indenização foge muito de uma gratificação. “Nem tudo o dinheiro compra e paga. Estamos falando, assim como professores e médicos, de uma das profissões mais desgastantes. Ao abordar a saúde mental do policial militar, você vai descobrir um universo de drogas, álcool e altas taxas de suicídio”, acrescenta.

Moraes destaca que o policial militar lida com as mazelas da sociedade. “Como podemos atender bem ao cidadão se não temos condições de cuidar nem de nós mesmos? Quando um policial chega em uma ocorrência e já está sobrecarregado com seus próprios problemas, como ele tem discernimento para tomar, em segundos, decisões que importam a vida de toda uma família?”, questiona.

Presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol-DF), Enoque Venancio de Freitas afirma que uma pesquisa interna do sindicato, realizada em outubro, revelou que mais de 74% dos policiais civis sofreram ou sofrem com sintomas de ansiedade e depressão, decorrentes da sobrecarga de trabalho na PCDF. “Apenas 42,7% dos participantes da pesquisa buscaram tratamento psicológico ou psiquiátrico. Isso levanta preocupações sobre a falta de apoio e tratamento para muitos profissionais que estão sofrendo de problemas de saúde mental, devido às demandas de sua atividade”, alerta o presidente do Sinpol-DF.

Segundo ele, a corporação enfrenta um déficit de 62% em seus quadros. “Há diversas maneiras de promover a saúde mental dos policiais civis, e uma delas é por meio da valorização dos servidores. Esse processo teve início com a conquista da assistência à saúde e, posteriormente, com o reajuste salarial”, ressalta. “Em relação à sobrecarga de trabalho, a solução efetiva, neste momento, seria a recomposição dos quadros. Por essa razão, solicitamos reiteradamente ao governador a contratação dos 900 aprovados previstos no orçamento de 2023”, pede Enoque.

Defasagem

Há cerca de quatro anos, a policial civil Ana Clara*, 40 anos, teve sua primeira crise de ansiedade. “Era plantonista na época e, para complementar a renda, acabava fazendo 60h de serviço voluntário (plantão extra) por mês”, detalha. “Aos poucos, foi me debilitando. Além dos meus plantões ordinários e dos serviços voluntários, ainda tinha as obrigações de casa, com marido e filho pequeno”, acrescenta.

Isso fez com que ela fosse afastada por 45 dias, para tratar a ansiedade. Atualmente, a policial civil diz que trabalha no expediente chefiando uma seção onde se tem muito serviço e é carente de servidores. “Por quase dois meses, tivemos curso de progressão funcional, então estava em função da PCDF das 8h às 19h, de segunda a sexta-feira, sem contar os serviços voluntários aos finais de semana. Por excesso de trabalho e privação de sono, tive a minha segunda crise de ansiedade em outubro deste ano”, lamenta.

Atualmente divorciada, Ana Clara comenta que a carga de afazeres e contas ficou bem mais pesada. “Não tem como deixar de fazer o serviço voluntário, especialmente por conta da desvalorização que a nossa carreira tem sofrido. Os salários estão defasados há mais de 10 anos e o último reajuste não repôs nem metade da perda inflacionária. A conta não fecha no final do mês, acabamos não tendo opção a não ser trabalhar exponencialmente mais”, desabafa a policial.

Para ela, essa somatória tem adoecido grande parte dos policiais. “Hoje, estou em tratamento na psicologia e na psiquiatria da Policlínica, fazendo terapia e tomando medicação para controlar os sintomas ansiosos. Não me afastei mais, justamente porque preciso continuar trabalhando”, conta. Ela defende que todos os estresses mentais são causados por excesso de serviço, falta de efetivo, desvalorização da carreira. “A polícia poderia investir em mais programas de saúde mental para os servidores”, avalia.

Abalos diários

O bombeiro veterano, ex-diretor de saúde do Corpo de Bombeiros Militar (CBMDF) e membro da Associação dos Oficiais do Corpo de Bombeiros Militar do DF (ASSOFBM), coronel Motta Júnior, disse que a indenização seria bem-vinda. “Até porque, atualmente, parte dos bombeiros fazem plantões extras para complementar a renda. Além disso, eles têm que lidar com acidentes, incêndios e vítimas. Isso tudo acaba se somando e afeta psicologicamente”, lamenta. “Com isso, gera riscos à saúde mental, como a própria síndrome de burnout. De qualquer forma, essa indenização poderia ajudar. Melhorando a saúde financeira, o mental também melhora”, afirma.

Felipe*, 31, trabalha como bombeiro militar há seis anos e conta que os atendimentos diários costumam abalar bastante. “Certa vez, atendi uma ocorrência de afogamento que deixou não só a mim, mas todos os socorristas bastante emocionados”, detalha. “Normalmente, em ocorrências com vários militares, costuma ser um grande falatório. Só que nesse dia, foi um silêncio absurdo. Foi algo muito pesado, pois, além de se tratar de uma criança, ela não estava dando respostas às tentativas de reanimação”, acrescenta.

O bombeiro diz que  a vítima reagiu depois de 50 minutos e foi encaminhada ao hospital. “Após o atendimento, ainda ficou a expectativa, pelo fato das chances de sequelas, que eram altíssimas pelo tempo que a criança ficou desacordada. Mas, graças a Deus, não teve nada”, recorda. “É o tipo de ocorrência que mexe muito com a gente. Encontrei militares, tempos depois, que disseram que ficaram vários dias mexidos com a situação do afogamento”, revela.

Naquele dia, Felipe conta que, como era plantão de 24h, a equipe atendeu outras ocorrências depois, mesmo com o emocional abalado. “Infelizmente, ser bombeiro é isso”, complementa, ressaltando que nunca precisou ser afastado. Para tentar se manter firme durante as jornadas, ele conta que tenta tratar as ocorrências com a maior frieza possível, por mais que esteja mexendo com vidas. “Em muitos casos, por exemplo, a gente nem sabe qual foi o final da ocorrência”, conclui.

*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados

Com informações do Correio Braziliense

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