Governo quer proibir celulares nas escolas
Proposta a ser apresentada ao Congresso Nacional tem como base documento da Unesco mostrando o impacto negativo do uso de aparelhos por alunos. Especialistas divergem quanto à eficácia da medida enquanto processo pedagógico
O governo vai encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei proibindo o uso de celulares nas escolas públicas e privadas do país. A ação faz parte de um pacote de medidas a ser lançado no Dia das Crianças, celebrado em 12 de outubro.
“Baseado em estudos científicos, em experiências e mostrando o prejuízo que tem sido o uso deste equipamento livre para os alunos nas escolas, vamos discutir se a proibição será em sala de aula ou na própria escola. Claro, que isso será um Projeto de Lei, será discutido no Congresso Nacional. Já tem alguns estados iniciando, até o próprio estado do Ceará. (Queremos) que possa dar segurança para todas as redes municipais e estaduais. O MEC está determinado e a nossa posição é que tem sido um prejuízo ao aprendizado de todos alunos do Brasil”, declarou o ministro da Educação, Camilo Santana, ontem, durante viagem a Fortaleza (CE).
A decisão deve passar ainda pelo crivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Caso a norma seja enviada ao Legislativo, o deputado federal Rafael Brito (MDB-AL), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, avalia que o resultado deve ser favorável. “É muito importante para nossa sociedade que esse tema seja levado ao Congresso. O excesso de telas têm afetado profundamente a capacidade de concentração de crianças e adolescentes e nós, enquanto parlamentares, precisamos buscar soluções para esses problemas. Certamente teremos discussões intensas sobre a matéria, em razão da sensibilidade do tema, que deve receber a atenção devida.
Aguardaremos o texto do MEC para, no Parlamento, construirmos a melhor solução possível”, avaliou Brito. Atualmente, na Câmara dos Deputados, oito projetos de lei tramitam sobre o tema. O principal é o PL 104/2015, de autoria do deputado Alceu Moreira (PMDB/RS). O texto proíbe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis, como celulares e tablets, nas salas de aula da educação básica e superior de todo o país. O projeto prevê que os aparelhos só serão admitidos em sala se integrarem as atividades didático-pedagógicas e forem autorizados pelos professores. Outros 12 projetos de lei com o mesmo teor foram apensados ao texto, que aguarda ser pautado na Comissão de Educação. Impactos da tecnologia A proposta do MEC tem como base informações do Relatório Global de Monitoramento da Educação da Unesco, divulgado no ano passado.
No documento, a organização internacional afirma ter preocupação com o “uso excessivo de telefones” e deixa alerta para “impacto negativo no aprendizado”. Ainda de acordo com o estudo, um em cada quatro países possui legislação restritiva sobre o uso de celular nas salas de aula.
A França foi um dos primeiros locais a adotar a medida, em 2018, e não permite que estudantes utilizem os aparelhos em nenhum momento na escola, inclusive nos intervalos. Itália, Finlândia, Holanda e Espanha também estão entre os países que proibiram o uso dos celulares. Recentemente, a Grécia também adotou a medida, no início deste mês.
A lei grega permite que as crianças e adolescentes levem os aparelhos para a escola, no entanto, devem permanecer dentro das mochilas durante todo o período educativo. No Brasil, alguns municípios e estados já adotaram leis para restringir o uso do celular nas escolas. No Rio de Janeiro (RJ), por exemplo, o prefeito Eduardo Paes determinou, no início deste ano, a proibição do dispositivo dentro e fora das salas de aula. A norma foi criada após uma consulta pública em que 83% de quem respondeu se mostrou favorável à ideia.
O Correio conversou com especialistas em educação, que analisaram quais são os impactos positivos e negativos da normativa na vida das crianças e jovens. Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva, aponta que, de um lado, trata-se de novas tecnologias que de alguma maneira, em algum momento, terão que ser incorporadas no dia a dia. “Porém, existe um outro ângulo de ver essa questão, que é o lado gravíssimo. Várias pesquisas internacionais vêm revelando que o uso dos celulares e o ingresso de crianças, adolescentes, nas redes sociais está provocando aumento de depressão profunda e suicídio, principalmente envolvendo meninas, e no caso de adolescentes homens, o aumento de violência e agressividade incontida”, destaca.
A pedagoga do grupo Elo Editorial, Thaís de Oliveira Santos, argumenta que a escola, enquanto um ambiente democrático, de direitos e dentro de uma sociedade não deveria ficar à margem dos avanços tecnológicos, que incluem o uso do celular. “Hoje, não se pode negar que ao alcance de nossas mãos, a informação de formas de disseminá -las se traduzem nesse objeto retangular. O gasto de energia é uma reflexão deveria ser: como virar o jogo e utilizá-los ao nosso favor? De que maneira estruturar e propor experiências em que o celular seja um recurso positivo? Como nós educadores e formadores de sujeitos poderíamos alfabetizá-los para um uso efetivamente cidadão e crítico desta ferramenta”, afirma.
Ana Paula Flores, pedagoga e consultora educacional destaca que apesar de ser uma ferramenta importante, o celular tem se virado contra os professores. “O professor não consegue lutar contra 42 alunos em sala de aula conversando via WhatsApp enquanto ele dá aula”, diz. Ela afirma, inclusive, que muitos alunos utilizam inteligência artificial na sala de aula através do celular, o que representa um segundo problema para os professores. Roberval Angelo Furtado, doutor em educação, afirma, no entanto, que a proibição pela simples proibição não faz sentido. “O que se torna necessário é a educação digital dos estudantes.
A conscientização do equilíbrio do uso do aparelho e o estabelecimento de regras claras para a sua utilização no ambiente escolar. Se a comunidade escolar considera que o uso do aparelho celular interfere no processo de ensino aprendizagem de forma drástica, as medidas necessárias de utilização quanto ao uso pelos estudantes precisam ser tomadas”, conclui.
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