Após mudança na lei, aumenta a procura por laqueaduras e vasectomia no DF
Um dos motivos foi a alteração na legislação, em março deste ano, que diminuiu a idade permitida para homens e mulheres fazerem esterilizações voluntárias. Após as novas regras, a procura pelo procedimento feminino aumentou 100,8%
Jamile vai realizar uma laqueadura, pois vai priorizar a carreira e filhos não estão nos planos – (crédito: Calebe Cypriano)
Foco na carreira, mais autonomia de vida, mais tempo para viajar e cuidar de si ou até mesmo a liberdade de escolher quando virão os filhos. Motivos variados têm levado homens e mulheres a procurarem, cada vez mais cedo, procedimentos de esterilização voluntária no Distrito Federal, como laqueadura e vasectomia. Antes de março deste ano, a Lei nº 14.443/2022, mais conhecida como Lei do Planejamento Familiar, não permitia que mulheres sem filhos e com menos de 25 anos realizassem a esterilização feminina. Além disso, para fazer laqueadura e vasectomia, era preciso o consentimento do cônjuge. Com mudança na legislação, a autorização do cônjuge não é mais necessária para ambos os procedimentos e a idade mínima foi reduzida para homens e mulheres, de 25 para 21 anos ou qualquer idade para quem tem dois filhos vivos. Comparando a quantidade de laqueaduras e vasectomias realizadas entre abril e agosto de 2023, período pós mudança na lei, com o mesmo período do ano passado, a procura por laqueaduras aumentou 100,8% no DF e a busca por vasectomias, 10,2%.
A laqueadura tubária é um método cirúrgico de esterilização feminina que envolve o corte, amarração ou bloqueio das trompas de falópio para impedir que os óvulos se movam para o útero e se encontrem com os espermatozoides. É possível fazer de forma aberta ou minimamente invasiva, dependendo do caso. Na cirurgia aberta ou na cesárea, usa-se a raquianestesia, que bloqueia, temporariamente, a sensibilidade de uma parte específica do corpo e é aplicada na região lombar. Na menos invasiva, quando é usada a combinação das anestesias raqui e geral.
Vale ressaltar que a lei dispensa o consentimento do cônjuge, mas obriga a manifestação do desejo do paciente por escrito com a assinatura do termo de consentimento informado com o mínimo de 60 dias de antecedência para o procedimento, tanto no caso de laqueaduras como de vasectomias.
A fisioterapeuta Jamile Monteiro, 23 anos, pretende buscar, ainda este ano, uma laqueadura por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela pretende focar na carreira acadêmica, quer fazer mestrado e doutorado na área de atuação profissional em que atua. “Não quero filhos, pois quero seguir uma carreira. Não me adapto bem aos métodos contraceptivos devido à quantidade de hormônios”, esclareceu.
Para o ginecologista e obstetra Alexandre Silva e Silva, a redução da idade mínima e a derrubada da necessidade de consentimento de um cônjuge para realização da laqueadura são mudanças positivas para as mulheres. “A decisão de flexibilizar os requisitos para a realização da laqueadura no Distrito Federal é um reconhecimento dos direitos das mulheres sobre seus próprios corpos e de sua autonomia reprodutiva”, analisou.
No entanto, o profissional ressalta que é preciso cautela na hora de realizar um procedimento como a laqueadura. “É importante que haja um acompanhamento adequado para garantir que todas as mulheres que optam pela laqueadura estejam plenamente informadas sobre o procedimento, seus riscos, benefícios e implicações a longo prazo. Também é crucial que o procedimento seja realizado em condições seguras e por profissionais capacitados”, pondera.
A atendente de lanchonete Kailane da Silva, 20 anos, comemorou a alteração da idade mínima para realização da vasectomia, pois pretende fazer o procedimento em breve, também pelo SUS. “Não quero filhos, me sinto bem e feliz assim. Sou solteira. Quero crescer na vida, ser bem-sucedida sem ter que largar minha liberdade. Eu sei que, se tivesse filho, perderia minha liberdade que tanto amo”, comentou.
Ginecologista e especialista em reprodução humana na clínica Rehgio, Tatianna Ribeiro relatou ter observado uma procura maior pela laqueadura por parte de mulheres mais jovens. “As pacientes que me procuram, em geral, querem independência. Muitas são solteiras. Outras, são casadas e os parceiros se recusaram a fazer vasectomia. Acredito que as alterações na lei são um importante avanço na liberdade de escolha das mulheres”, disse.
O DF conta com 11 unidades hospitalares que realizam a laqueadura como cirurgia eletiva: Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), Hospital Regional da Asa Norte (Hran), Hospital Regional de Taguatinga (HRT), Hospital Regional de Samambaia (HRSam), Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), Hospital Regional de Ceilândia (HRC), Hospital Regional de Sobradinho (HRS), Hospital da Região Leste (HRL ou Hospital do Paranoá) e Hospital Universitário de Brasília (HUB). Na situação da laqueadura pós-parto, todas as 12 maternidades do DF podem executar esse procedimento, além dos 11 hospitais listados e do Hospital Regional de Planaltina (HRPL).
Tatianna Ribeiro esclarece que, para as mulheres que realizarem a laqueadura e mudarem de ideia, existe a cirurgia de recanalização tubária. “Porém, não sou a favor desta cirurgia, pois aumenta o risco de gestações ectópicas (tubárias), que são arriscadas. Além disso, a reversão é um procedimento invasivo e com baixas taxas de sucesso, faz a paciente perder tempo de qualidade de seus óvulos. O ideal para uma nova gestação, em casos de mulheres laqueadas, é a fertilização in vitro”, opinou a médica.
Homens casados
Segundo especialistas, os homens que buscam fazer a vasectomia, em geral, são casados ou com filhos. Urologistas relatam um discreto aumento na procura pelo procedimento após as alterações na legislação. O urologista do Hospital Anchieta, Thiago Vilela Castro, tem observado a alteração no padrão. “Com relação ao perfil dos pacientes que procuram a vasectomia, a maioria são casados e têm dois ou mais filhos. Tem aumentado a procura por homens solteiros, mais jovens e sem filhos, mas isso ainda não é uma regra”, contou.
Thiago orienta que é preciso cautela na hora de buscar a esterilização voluntária. “Pacientes mais jovens precisam estar bem decididos se forem realizar a vasectomia, porque, se mudarem de ideia no futuro, terão criado um problema. Existe a cirurgia de reversão, mas é mais complexa, tem várias peculiaridades e, quanto maior o tempo entre a vasectomia e a reversão, menor a taxa de sucesso”, explicou.
A vasectomia é uma cirurgia mais simples, que pode ser feita somente com anestesia local, com baixo risco de sangramento e dura em torno de 30 minutos, com tempo de repouso de três a cinco dias. O servidor público Sérgio Harger, 40 anos, realizou a vasectomia na última quarta-feira. “Tenho um filho de seis meses e o amo demais. Já tinha o sonho de ser pai. Como estou solteiro, resolvi realizar a vasectomia para evitar gestações não planejadas, mas congelei o meu esperma. Gostaria de ter mais dois filhos”, relatou.
Urologista do Hospital Santa Helena, Rafael Vidal, endossou a análise de que os homens tendem a buscar a vasectomia depois de já ter filhos. “Os homens que nos procuram têm entre 35 e 40 anos, já têm família constituída com um ou mais filhos que querem usar o método como forma contraceptiva para evitar que as esposas precisem se submeter ao uso de anticoncepcional. No entanto, também encontramos casos de homens que não querem ter filhos”, salientou.
O publicitário Jonathan Henrique, 32 anos, realizou o procedimento este ano após decidir que não queria mais ter filhos. “Tenho três filhos, com idades de 8, 11 e 13 anos. É um procedimento rápido, com recuperação tranquila”, contou.
Por fim, o médico Rafael Vidal também comentou sobre mitos relacionados à vasectomia. “É uma excelente forma de contracepção definitiva. Existe um temor sobre o comprometimento da capacidade sexual, mas isso é um mito. A vasectomia é incapaz de interferir na qualidade da ereção. O homem continua também ejaculando, o que há é apenas uma diminuição do líquido seminal, pois não há mais a presença do espermatozoide”, concluiu.
No DF, a vasectomia é realizada nos oito locais com setor de urologia: Hospital Regional de Gama (HRG), Hospital de Base (HB), Hran, HRC, HRL, HRS, HRT e HRSM. Apesar de não ter a especialidade, o Hospital de Samambaia também faz o procedimento.
Com informações do Correio Braziliense
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