Museus guardam a história de JK e de operários que ergueram Brasília
O Correio traz, nesta edição, a segunda matéria da série que vem resgatando a história da capital do país por meio dos museus da cidade. Depois de visitarmos as miscelâneas da Câmara dos Deputados e do Memorial JK, agora é a vez do icônico Museu do Catetinho — primeira sede da Presidência da República na nova capital — e do Museu Vivo da Memória Candanga, testemunhas da saga da construção de Brasília.
Também chamado de Palácio de Tábuas, por ter sido erguido todo em madeira, o Catetinho foi a primeira estrutura construída no Distrito Federal. O prédio serviu de residência oficial para o presidente Juscelino Kubitschek durante suas visitas à construção de Brasília. O nome escolhido remetia à sede do Executivo federal, o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. O projeto foi desenhado por Oscar Niemeyer e executado em apenas 10 dias em 1956.
Além do presidente, nomes importantes para a aurora de Brasília se hospedaram no local, como Ernesto Silva, Israel Pinheiro e Bernardo Sayão, entre outros. Diretores e engenheiros da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) também usavam o local para reuniões.
Mesmo entre grandes nomes da história, uma mulher humilde se destaca. Ela é Dona Dolores, a responsável pelo preparo das refeições do ex-presidente JK. Conhecedora dos gostos do mandatário brasileiro, ela sabia agradar ao patrão, que não dispensava um angu com frango, um dos pratos favoritos do bom mineiro.
“O Catetinho é um lugar muito importante, pois, mesmo longe do Plano Piloto, tem valor histórico para Brasília e, além de trazer os traços da vida do presidente JK, apresenta outras pessoas que fizeram parte da construção de alguma forma, como a cozinheira Dona Dolores, que trabalhou aqui. Esse resgate de memória é fundamental”, conta a guia turística Letícia Pena, 25 anos.
O museu ainda guarda muitos objetos que fazem referência à passagem dos desbravadores do Planalto Central, como utensílios domésticos e móveis. No quarto da Presidência, os visitantes poderão ver o vestido usado pela ex-primeira-dama Sarah Kubitschek durante a cerimônia de inauguração de Brasília e, claro, o terno do presidente JK.
Muitos não sabem, mas perto do Catetinho existe uma nascente de água. Em uma das visitas de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, o local serviu como inspiração para escrever a música Água de beber.
Foi essa riqueza de fatos impressos no Catetinho que atraiu Macileia Lima, 63 anos. Residente no DF há um ano, ela levou os familiares, do Acre, para conhecer mais das nuances da construção da capital do país. O passeio agradou à prima de Macileia, Elizângela Soares. “Desejávamos conhecer a história para tentar assimilar como tudo começou. Nós viemos do Acre com uma ideia totalmente diferente de Brasília, e essa visita foi muito boa para nos mostrar uma visão da história que, até então, a gente não tinha”, afirmou a acreana.
Oriunda de São Paulo, Laura Teixeira, 20, veio para passar alguns dias na casa da amiga brasiliense Júlia Robassini, 18, e também escolheu o Palácio de Tábuas como destino turístico. “É bem interessante ver como tudo começou e eu não imaginava o quanto era grandiosa a história por trás da construção de Brasília”, conta Laura.
Para Júlia, como moradora da capital, além de ouvir essas histórias nas salas de aula é preciso ir aos museus para entendê-las. “Não é só o que falam na sala de aula, tem muita coisa além”, explica.
Legado
Bisneto do ex-presidente JK, André Kubitschek explica a importância de manter viva a história da construção de Brasília. “Para nós, da família Kubitschek, é muito importante ver em pleno funcionamento espaços como o Catetinho e o Museu Vivo da Memória Candanga. Os dois, ao lado do Memorial JK, formam a tríade da preservação da cultura e da história de nossa cidade. Aconselho sempre que todo visitante da capital conheça os três museus, que retratam com clareza o que foi a epopeia comandada pelo meu bisavô.”
Museu dos candangos
Casas simples e coloridas, cercadas por árvores frutíferas compõem o cenário do Museu Vivo da Memória Candanga, localizado entre as Regiões Administrativas da Candangolândia e Núcleo Bandeirante. Essas casas já serviram de acampamento e moradia para médicos e enfermeiros, dado que inicialmente o local abrigava o Hospital Juscelino Kubitschek (HJKO).
Casada com o primeiro médico de Brasília, a pioneira Marilda Pena, 84, veio ao lado do marido Edson Pena, ainda durante as obras. Ela lembra que o médico atendia os operários em um barraco de madeira improvisado. Vendo que as condições não eram boas, o presidente Juscelino determinou a construção do HJKO — concluída em sete meses. Doutor Edson se tornou o primeiro diretor da unidade hospitalar e morou no local com sua equipe.
Aos 18 anos, Marilda saiu de Goiânia para se tornar testemunha ocular da história da capital e do trabalho de seu marido em prol dos operários. “Eu tenho uma grande admiração por esse local”, disse a pioneira.
Em 1968, foi inaugurado o Hospital Distrital, atual Hospital de Base, e o espaço virou um posto de saúde. Em 1985, o hospital foi tombado e restaurado pelo Governo do Distrito Federal. Os barracos foram retirados e as construções de madeira ganharam cores. Em 1990 ele se tornou museu.
Edson faleceu há seis anos, mas fruto do amor com Marilda deixou cinco filhos, nove netos e quatro bisnetos. Marilda dá palestras em escolas contando como foi ver de perto a capital ser construída “Precisamos valorizar essa história. Eu fico abismada quando vou dar uma palestra e os jovens não sabem quem foi JK, e eu tento despertar o patriotismo e o amor pela nossa terra”, conclui.
Exposição
A exposição permanente Poeira, lona e concreto apresenta a história da construção da capital e dos candangos, com peças cedidas pelos pioneiros, ou que já estavam ali anteriormente e permaneceram.
“Quando falamos da construção de Brasília existe uma supervalorização do papel do Juscelino Kubitschek, e a história dos pioneiros acaba sendo deixada de lado. A exposição é uma tentativa de recuperar a identidade desse grupo”, ressalta Ana Lúcia Abreu, doutora em história cultural pela Universidade de Brasília (UnB).
A princípio, o projeto ocuparia cinco módulos, mas, devido à falta de verba pública, apenas um módulo do museu foi ocupado.
O museu possui, ainda, uma sala educativa com uma série de desenhos realizados por alunos do ensino fundamental ao médio, em visitações guiadas por mediadores. O Projeto Educativo é de 2023, em parceria com o Fundo de Apoio à Cultura (FAC). “Chegamos a receber 150 alunos por dia, algumas escolas vieram do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de São Paulo. Eles aprendem sobre a história da construção da nossa capital assim como dos construtores”, contou Eliane Falcão, diretora do museu. “Espero que o projeto se estenda em 2024”, completou.
Com informações do Correio Braziliense
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