Vini Jr, com a sua coragem e inteligência, deu um drible desconcertante nos racistas espanhóis
Capa do jornal Marca, o maior da Espanha
A ESPANHA AINDA É RACISTA?
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As primeiras manifestações de racismo na Espanha se deram com os estatutos de pureza do sangue, vigentes entre dos séculos XV e XIX, e foram transferidos para o Império Espanhol na América, dando origem ao sistema colonial de castas.
No século XVIII tentou-se “exterminar” a “má raça” dos ciganos com a malsucedida operação do “Grande Raid”, idealizado e dirigido pelo Marquês de la Ensenada, ministro do rei Fernando VI.
O racismo científico chegou à Espanha no século XIX e se projetou nos nacionalismos espanhol, catalão, basco e galego.
”La matanza de Cholula”, quadro de Félix Parra de uma série sobre a conquista de México, 1877
vini jr, com a sua coragem e inteligência, deu um drible desconcertante nos racistas espanhóis.
ele expôs todos eles para o mundo todo.
em um tuíte muito bem redigido, vini disse, com todas as letras, que a espanha é racista.
isso fez com que o presidente de la liga, o covarde javier tebas, voltasse às redes para, mais uma vez, contestar as palavras do craque brasileiro.
dessa vez, o sujeito, que é apoiador do vox, o infame partido de extrema direita espanhol – racista, portanto -, disse que a espanha não é racista.
alguns jornalistas espanhóis trataram logo de afirmar a mesma coisa.
a espanha não é racista.
ora, ora, ora.
o racismo fundou a espanha.
“a ideia de raça”, nos diz aníbal quijano¹, magistral sociólogo peruano, “tem uma origem colonial”.
eram racistas, por definição, os colonizadores espanhóis.
foi por serem racistas que eles assassinaram mais de 30 milhões de pessoas durante o processo colonizador; com a descarada justificativa de que não eram humanos aqueles que eles passavam no fio da espada.
quando colombo aportou, no que mais tarde seria chamado de continente americano, e viu as pessoas que viviam aqui, ele não perguntou quem eram, mas o que eram!
são humanos ou não são humanos?
isso está escrito já na primeira carta de colombo, nos diz quijano.
e é exatamente isto o que estão dizendo os torcedores espanhóis quando chamam vini jr de macaco.
a espanha ainda idolatra hernán cortés² e francisco pizarro³, dois racistas assassinos e sanguinários.
os espanhóis ainda se refestelam com o produto do roubo e da pilhagem que seus antepassados piratearam do continente americano.
e como se vê, a herança colonial espanhola não é só material.
quijano afirma que essa noção de raça, superior e inferior, não desapareceu com a emancipação e nem com o anticolonialismo, pelo contrário, em muitos âmbitos ela se tornou ainda mais forte.
temos um estádio lotado, com transmissão ao vivo para todo o mundo, gritando isto abertamente.
como pode um estádio inteiro massacrar um garoto por conta da cor de sua pele e isso não gerar um repúdio público, contundente e imediato de toda a sociedade espanhola, do rei ao rato?
são racistas, todos, ou só os que pagaram o ingresso?
como diabos as redes de televisão não tiveram o pudor de ameaçar não mais transmitir este tipo de espetáculo grotesco?
é uma educação racista que estão a oferecer aos seus telespectadores mirins?
é isso que estão a servir às crianças na espanha, como espetáculo?
além de esfolarem touros em arenas, esses selvagens agora matam simbolicamente um jovem negro, enforcando-o e arrancando-lhe a humanidade?
como grandes empresas transnacionais continuam a ganhar dinheiro patrocinando este horrendo show de incivilidade?
o fizeram sempre porque sempre contaram com a conivência da sociedade e do poder público e com o medo daqueles que eles humilhavam.
o racismo é, desde sempre, uma relação de poder.
há muitas pessoas poderosas respaldando o grito selvagem de cachaceiros de arquibancada.
mas vini jr meteu o pé na porta.
“dizem que a felicidade incomoda, a felicidade de um peto, brasileiro, vitorioso na europa incomoda muito mais”, disse o craque em um vídeo postado em suas redes no ano passado, depois de ser escorraçado na imprensa e nas redes porque cultiva o despudor de dançar e sorrir enquanto aplica seus mágicos dribles em campo.
com isso, vini chamou todos os descendentes de escravizadores de frustrados, invejosos e infelizes.
bingo!
“respeite ou surtem. repito pra você, RACISTA, eu não vou parar de bailar”.
É uma porrada forte demais.
a estrutura sentiu.
Javier veio a público pedir desculpas a vini.
o poderoso banco santander já mandou dizer que não vai renovar o patrocínio a la liga.
a pecha de racista pegou, e pegou mal.
tá todo mundo se coçando.
no ano que vem, a espanha vai apresentar sua candidatura para sediar o mundial de 2030, junto com portugal e marrocos.
a coisa pode desandar.
ninguém vai botar uma copa do mundo em um país carimbado como racista.
agora, o mundo vai saber se a espanha, realmente, não é mais racista ou se está apenas a tentar limpar sua barra e defender seus interesses econômicos.
o racismo, não nos esqueçamos, é uma relação de poder.
e vini jr mostrou-se um garoto poderoso.
nunca uma pessoa só, um único indivíduo, fez tanto pela luta antirracista como ele o fez agora.
palavra da salvação.
*Lelê Teles é jornalista, roteirista e publicitário.
¹ Aníbal Quijano foi um sociólogo e pensador humanista peruano, conhecido por ter desenvolvido o conceito de “colonialidade do poder”.
² Hernán Cortés de Monroy y Pizarro Altamirano, 1.° Marquês do Vale de Oaxaca foi um conquistador espanhol, conhecido por ter destruído o Império Asteca de Moctezuma II e conquistado o centro do atual território do México para a Espanha.
³ Francisco Pizarro González foi um conquistador e explorador espanhol que entrou para a história como “o conquistador do Peru”, tendo submetido o Império Inca ao poderio espanhol.
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