O cinema nacional conquista prêmios de Melhor ator, para Wagner Moura, e Melhor diretor, para Kleber Mendonça Filho, pelo filme O agente secreto
Na efervescência do carnaval carioca, representada em filme, o Brasil conquistou (em coprodução francesa) a primeira Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1959, com o brilho de Orfeu Negro, de Marcel Camus. Ainda no escaldante cortejo da festa da carne, com um filme ambientado em Recife, 66 anos depois, o longa-metragem O agente secreto, de Kleber Mendonça Filho, cravou, ontem, dupla vitória no mesmo evento: além do prêmio de Melhor diretor para o cineasta pernambucano de 56 anos, faturou inédita distinção de Melhor ator para um brasileiro, no caso, o baiano Wagner Moura. A Palma de Ouro de Melhor filme ficou com Un simple accident, do o diretor iraniano Jafar Panahi.
Na primeira exibição de O agente secreto, selecionado com 21 outros títulos, 13 minutos de aplausos haviam chamado a atenção para o longa, associado, de pronto, ao vencedor do Oscar Ainda estou aqui (de Walter Salles), pelo viés político. No palco, ao vencer o prêmio de direção, Kleber comentou: “Meu país, o Brasil, é um país cheio de beleza e poesia. Estou muito orgulhoso de estar aqui esta noite. Penso que Cannes é simplesmente a catedral do cinema neste planeta”. Ainda no discurso, o diretor emendou: “Eu queria mandar um abraço para todo mundo vendo no Brasil, especialmente Recife, Pernambuco”.
Wagner Moura não esteve presente na premiação, já que está em Londres gravando um novo filme. “Gostaria de estar aí com todos vocês, mas estou aqui sozinho tomando uma taça de vinho, em Londres”, afirmou, numa chamada de vídeo, quando acionado, em frente à imprensa internacional. “Não poderia estar mais feliz por poder trabalhar com o Kleber, estar com ele. Eu tentei trabalhar com ele por anos e estou muito feliz pela maneira como o filme foi recebido. É um filme brasileiro, que significa muito para a cultura brasileira”, disse o ator e criador de filmes emblemáticos como Marighella (2019) e Tropa de elite (premiado com o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2008), para além de participações internacionais em séries como Narcos e a bombástica produção de cinema Guerra civil (2024).
No que Kleber Mendonça batizou de vitória de “uma produção orgânica”, O agente secreto venceu ainda prêmios paralelos como da Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema) e da AFCAE (Associação Francesa de Cinema d’Art et d’Essai), que conglomera rede de exibidores independentes. Ao longo da semana, o diretor havia comentado da persistência no embargo da voz de quem lhe vinha falar do filme. “Alguma coisa tinha ativado algo muito forte nelas (nas pessoas emocionadas) (…) Acho isso muito significativo. Eu acho que é um filme que fala do passado, fala do presente, fala do futuro”, observou.
Walter Salles, diretor de Ainda estou aqui, falou sobre a nova fita premiada. “Ela amplia a cinematografia brasileira, de uma profunda inventividade, que desvenda um dos períodos mais violentos da ditadura e é movido pela extraordinária polifonia humana do Recife”, avaliou ele, que ressaltou o humanismo do júri. Além da presidente do grupo, Juliette Binoche, o corpo de jurados trouxe profissionais como Payal Kapadia, Carlos Reygadas e Halle Berry.
O porquê do sucesso
Um thriller que foge das convenções e afirma a criatividade do cinema pernambucano, O agente secreto chegou à reta final do 78º Festival de Cannes como um dos filmes favoritos no bolão de apostas ao prêmio máximo do evento, a Palma de Ouro. “Ao contrário do recente Ainda estou aqui, de Walter Salles, esse projeto mais virado para o gênero não é sobre raptos políticos — pelo menos, não diretamente (…)”, demarcou, numa crítica, Peter Debruge, da Variety, tida como a Bíblia da sétima arte.
“(Marcelo, o protagonista da trama) é interpretado com um olhar emotivo e, num manto de melancolia e mágoa, por Wagner Moura, num regresso estelar ao cinema brasileiro após vários anos afastado”, detectou o texto da The Hollywood Reporter, que decretou: “Será certamente um dos melhores filmes do ano”. E, nesse caminho, seguem os registros elogiosos da crítica especializada. David Rooney, da imprensa internacional, cunhou que “o novo filme merece colocar Mendonça no ranking dos maiores cineastas contemporâneos do mundo”.
E sobre o que seria esse aclamado clássico instantâneo? Com passado nebuloso, distante de ser agitador político e sem clara postura de esquerda, Marcelo, o protagonista, busca recolhimento no Recife, enquanto visa sair do país, depois de se juntar ao filho Fernando. O filme tem enredo em 1977 e, pelo que adiantou o The Guardian, “passa-se na ditadura brasileira dos anos 1970 e traz brilho visual, intriga sensual, comédia despenteada, figurantes macabros e um mistério épico”.
No filme, uma polícia secreta opera e faz frente à comunidade de dissidentes integrada pela anciã figura de Dona Sebastiana (Tânia Maria). Perseguido por Augusto (Roney Villela) e Bobby (Gabriel Leone), Marcelo contará com o resguardo de Elza (Maria Fernanda Cândido). Ex-acadêmico, que trabalhava com engenharia, o protagonista do filme sofre represálias, ao desbaratar um esquema em São Paulo. Fátima (Alice Carvalho), a esposa dele, entra na mira de poderosos.
O elenco do longa é completado por Carlos Francisco, Udo Kier, Robério Diógenes e pelo jovem Enzo Nunes. Sob efeitos visuais de empresa francesa de Alexandre Boiron, preparação de elenco do recifense Leonardo Lacca e figurinos criados por Rita Azevedo, de Bacurau (2019), o longa teve direção de fotografia da russa Evgenia Alexandrova (de As mulheres da sacada e Sem coração) e edição da dupla Eduardo Serrano (Aquarius) e Matheus Farias (da equipe de Marighella e Casa de antiguidades), além de design de produção de Thales Junqueira, responsável pelo mesmo departamento, em longas como Meu nome é Gal (2023) e Homem com H (2025).
Homenagens a cinema não faltam na telona, com citações a A profecia e Tubarão. Nas resenhas estrangeiras, há comparativos com os cinemas de Sergio Leone, Alfonso Cuarón, Antonioni e Fernando Meirelles, além do sublinhar dos artifícios dos filmes B presentes na fita de clima carnavalesco. John Carpenter, Martin Scorsese e Brian De Palma também povoam as referências a O agente secreto.
Outras premiações
Pela sexta vez presente na seleção de Cannes, o diretor iraniano Jafar Panahi, eterno perseguido político de seu país, venceu a Palma de Ouro do 78º Festival de Cannes, com Un simple accident, filme que versa sobre uma potencial vingança de um homem que crê ter localizado seu antigo torturador. Panahi, pela primeira vez, em 15 anos, pôde estar no evento, em que fez discurso libertário, no qual expressou “que ninguém deve dizer aos iranianos o que devem fazer ou vestir”.
Anteriormente, em Cannes, apenas Glauber Rocha (em 1969) venceu o prêmio de direção, enquanto a primeira (e única) Palma de Ouro genuína do país veio com O pagador de promessas (1962). Duas atrizes brasileiras já tinham faturado o prêmio de interpretação: Fernanda Torres (por Eu sei que vou te amar) e Sandra Corveloni (em Linha de passe).
Outro filme situado no Nordeste, O cangaceiro, já havia aberto a frente de consagração do Brasil, em Cannes, tendo vencido, em 1953, o Prêmio Internacional de Filme de Aventura. Além de ter integrado o júri, em 2021, Kleber Mendonça Filho teve escalada de sucessos na competitiva de Cannes, em 2019, quando foi laureado com o Prêmio do Júri por Bacurau, codirigido com Juliano Dornelles. Seus filmes anteriores — Aquarius (2016) e Retratos Fantasmas (2023) também marcaram passagens em Cannes.
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