Feminicídio: barbárie faz a sétima vítima este ano no Distrito Federal
Daniella di Lorena Pelaes de Almeida foi golpeada a facadas pelo ex-marido, Janilson Quadros de Almeida, 37. Ela é irmã de uma prefeita de Pedra Branca do Amapari
A barbárie faz mais uma vítima no Distrito Federal. Daniella di Lorena Pelaes de Almeida, 46 anos, é a sétima vítima de feminicídio, este ano. Ela foi morta a facadas no fim da madrugada de sábado (25/5), na casa onde morava, no condomínio Amobb, no Jardim Botânico. O autor do crime é Janilson Quadros de Almeida, 37, ex-marido dela que, de acordo com a Polícia Militar (PMDF), tentou tirar a própria vida, em seguida.
A vítima era mãe de três filhos — duas meninas de 10 e 17 anos, fruto de relacionamento anterior, e de um menino de 3 anos, que teve com o assassino. Era servidora pública da Telecomunicações Brasileiras (Telebras), estatal vinculada ao Ministério das Comunicações, há cerca de um ano, em Brasília. Em Pedra Branca do Amapari, no interior do Amapá, foi secretária de Governo e de Saúde. O corpo de Daniella foi liberado ontem à tarde pelo Instituto Médico Legal (IML) e será sepultado neste domingo (26/5), em Macapá, a partir das 8h.
Nas redes sociais, familiares, amigos e autoridades políticas do Amapá, seu estado natal, lamentaram sua partida precoce e violenta. “Dani, minha irmã amada, descanse em paz, como a mulher, irmã, filha e mãe zelosa, de personalidade forte e sorriso largo, que sempre lhe acompanharam. Daqui nós emanamos toda a nossa gratidão pela sua presença no meio de nós”, disse a irmã de Daniella, Beth Pelaes (União Brasil-AP), prefeita do município de Pedra Branca do Amapari, que estava em agenda na capital federal, falando em nome da mãe, Socorro Pelaes, e do irmão Michel Pelaes.
Os senadores pelo Amapá, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) também se manifestaram nas redes sociais. “Que a memória de Daniella fortaleça nossa luta por uma sociedade mais justa e segura para todas as mulheres. Vamos continuar acompanhando o caso, e exigir a punição do criminoso, para que a justiça seja feita”, afirmou Randolfe Rodrigues.
“Um crime covarde e brutal, que deve ser punido rigorosamente pela Justiça. Daniella conviveu conosco desde a adolescência, sempre alegre, sorridente e carinhosa. A dor de perder uma amiga é a que eu sinto hoje, e minha dor fica ainda maior pela forma como partiu”, desabafou Davi Alcolumbre.
O vice-governador do Amapá, Teles Júnior (PDT), deputados estaduais e federais e prefeitos de diversos municípios amapaenses também prestaram condolências.
Ameaças
Daniella viveu com o autor do crime por cerca de quatro anos. Há dois meses, em 27 de março, ela denunciou Janilson por ameaça. O Correio teve acesso ao boletim de ocorrência feito pela vítima na ocasião.
À polícia, Daniella contou que nunca havia sofrido agressão física, mas que, com frequência, era ameaçada pelo homem que, conforme o relato, era nervoso e de temperamento instável. Disse, também, que em 17 de fevereiro foi acordada por volta de 1h sob ameaça. “Se ele descobrisse algo dela, que ela o estava traindo, iria matá-la”, descreveu à polícia. No mesmo dia em que registrou a ocorrência, ela havia recebido, mais cedo, uma ligação de Janilson, enquanto estava no trabalho. No telefonema, ele dizia que “acabaria com tudo”, que mataria o filho e tiraria a própria vida depois.
À época, Daniella conseguiu medida protetiva. Contudo, em 10 de maio, 15 dias antes de ser assassinada, entrou com pedido de revogação, que foi deferido pela Justiça. O Correio apurou com fontes policiais que ela voltou atrás após o autor alegar que estava fazendo tratamento psicológico e que gostaria de compartilhar a guarda do filho.
O crime
O algoz entrou no condomínio por volta das 5h30 de sábado (25/5). Fontes da PMDF e da Polícia Civil (PCDF) afirmam que Janilson invadiu a casa. Atingida por golpes de arma branca na região do tórax, Daniella morreu no local. De acordo com a PCDF, os três filhos e a babá estavam na casa no momento do crime. Após matá-la, Janilson tentou tirar a própria vida, mas foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e levado ao Hospital de Base. Segundo a PCDF, o médico responsável pelo atendimento informou que o autor passará por cirurgia e deve ficar internado por três dias.
Janilson, que foi autuado em flagrante, está sob escolta policial no hospital. Ele não confessou o crime. Após a alta médica ele será encaminhado ao sistema prisional. As investigações são conduzidas pela 10ª Delegacia de Polícia (Lago Sul).
O advogado do condomínio, Fábio Augusto de Oliveira, que acompanhava o síndico, Anderson Aguiar, contestou a afirmação da polícia de que o criminoso invadiu a casa. Segundo ele, Janilson tinha livre acesso ao local e sabia a senha do imóvel onde a vítima morava com os filhos. Acrescentou que os moradores das residências vizinhas jamais relataram ter ouvido alguma briga ou desentendimento entre os dois e que a administração do condomínio nunca recebeu notificações acerca de restrições de acesso do autor ao local.
Prevenção
De janeiro a maio do ano passado, 15 feminicídios foram registrados no DF. Neste ano, até o momento, são sete mortes. Das vítimas que tiveram as vidas ceifadas em 2024, seis eram mães de pelo menos um filho, que tornaram-se órfãos do feminicídio. Ao Correio, a secretária da Mulher do DF, Giselle Ferreira lamentou a morte de Daniella e ressaltou a importância da denúncia e do envolvimento da sociedade.
“Nós conseguimos, em 2024, passar os meses de março e abril com feminicídio zero. Infelizmente, nos deparamos com dois casos em maio, mas a gente acredita que quanto mais a gente fizer essa divulgação e a mulher souber que pode procurar ajuda, que a denúncia salva, nós vamos conseguir virar esse mal. A gente não consegue colocar um policial em cada casa. Por isso, falamos para os vizinhos e as famílias denunciarem”, destacou, observando que, no DF, foi criado um benefício de um salário mínimo para os órfãos do feminicídio, até completarem 18 anos.
Giselle Ferreira informou que, em junho, ocorrerá a 3ª edição do Mulher Não Se Cale. A campanha foi criada para orientar mulheres que sofrem ou testemunham violência doméstica, além de conscientizar homens a não praticarem agressões e ampliar o debate sobre a violência de gênero. No ano passado, a campanha foi divulgada no metrô. Neste ano, também será levada aos terminais rodoviários e feiras. “Se a mulher não busca a informação, a informação vai até a mulher”, declarou.
Ela anunciou, ainda, o projeto Educar para Proteger, em que campanhas de conscientização serão levadas às escolas. “A gente precisa de um novo cidadão, que toda a sociedade se envolva nessa pauta, e nada melhor do que nas escolas. Então, são esses dois projetos que nós vamos fazer na questão da prevenção”, completou.
Ocorrerão, também, mais duas edições do Mulher nas Cidades, em Brazlândia e em São Sebastião. “É nessa iniciativa que a gente leva todos os serviços da Secretaria da Mulher, voltado também para a empregabilidade, para a informação e para as mulheres se capacitarem, porque a gente identifica que muitas têm a dependência econômica e não conseguem sair do ciclo da violência”, finalizou a secretária.
Advogada Cristina Tubino, especialista em Direito da Mulher
No ano passado, de janeiro a maio, ocorreram 15 feminicídios no DF. Este ano, até o momento, foram 7. O ideal seria que não houvesse nenhum, mas, de toda forma, há uma redução. Qual a sua análise desses dados?
A redução do número dos feminicídios pode ser reflexo de alguns fatores, entre os quais, as políticas públicas adotadas no ano passado pelo governo local, com a publicização de direitos das vítimas de violência doméstica e da reação da sociedade – de repúdio – àqueles que cometem esse tipo de crime. Uma primeira questão que se apresenta é o fato de que as campanhas e as medidas que foram adotadas, emergencialmente, no ano de 2023 parece ter arrefecido em 2024. As campanhas em jornais e TV precisam continuar. Um outro problema que vejo é que essa diminuição da quantidade dessa espécie de crimes não parece ser em decorrência da mudança de ver e pensar a mulher. A mulher continua sendo vista como uma pessoa com menos direitos do que o homem e sem ter a liberdade de deixar um relacionamento abusivo.
O que as pessoas que percebem uma situação de violência doméstica podem fazer para ajudar as vítimas a sair desse ciclo?
O ideal seria que as informações sobre o que é violência doméstica, violência contra a mulher etc., chegassem ao público antes que acontecessem. A prevenção é, de fato, a melhor solução. A educação e o ensino de crianças e adolescentes é a única forma de se tentar, no futuro, criar uma geração de brasilienses e brasileiros que percebam a igualdade entre homens e mulheres. Todavia, caso a situação de violência já exista e o relacionamento abusivo já tenha sido percebido, é importante que essa mulher se sinta acolhida e saiba que tem uma rede de apoio. Alguém a quem possa pedir ajuda. Caso seja uma mulher que não seja de seu ciclo de amizade ou da família é importante que, ao ver a violência ou suspeitar de que ela esteja sofrendo a violência, haja uma intervenção: chamar a polícia imediatamente pode evitar que essa mulher sofra um ato de agressão ou, até, morte.
Qual a sua análise das ações do poder público? O que pode melhorar?
Precisam ser efetivas, ativas e contínuas. Não é porque — aparentemente — os casos tenham diminuído que as políticas públicas possam ser deixadas de lado. Não se pode parar de divulgar o que é violência contra a mulher, quais são os direitos da mulher, quais as sanções possíveis e consequências para aquele que comete a violência. Acredito, ainda, que uma ótima ideia é a busca ativa. Que seja feito um mapeamento dos locais onde as violências doméstica e familiar ocorrem com maior frequência, e que essas mulheres sejam buscadas por ações públicas a fim de que sejam informadas de seus direitos e de onde podem buscar ajuda.
Com informações do Correio Braziliense
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