Racha de Milhões: com carros de luxo, playboys desafiam a lei no DF
O ronco nervoso do motor V8 sinaliza a aproximação dos superesportivos. Um grupo de jovens endinheirados aguarda entre goles de energético e tragadas em cigarros eletrônicos. A “esticada” da BMW M2 ecoa e deixa marcas emborrachadas no asfalto ao redor do ponto de encontro, um posto de gasolina no Setor de Mansões Dom Bosco (SMDB), na subida da QI 23, Lago Sul, região em que a média de patrimônio concentrado pelos moradores é de R$ 1,4 milhão.
Além de centenas de cavalos de potência sob o capô, ostentação, poder e muito dinheiro são pré-requisitos para se destacar no “racha de milhões”. Em uma apuração exclusiva, a coluna Na Mira mergulhou no mundo das corridas organizadas clandestinamente por motoristas aficionados pelo perigo de desafiar a lei, sempre em busca de popularidade e afirmação. Nesta série, a coluna revela a participação de autoridades, médicos, advogados e até oficiais da Polícia Militar (PMDF) nas competições ilegais.
É noite de quarta-feira e boa parte dos moradores locais já está em casa. No entanto, o movimento no posto é intenso e barulhento. O estacionamento em frente às lanchonetes fica lotado de carros rápidos e caros. É um desfile de diferentes modelos das montadoras alemãs BMW, Audi e Porsche. Possantes da sueca Volvo e da britânica Mini (de propriedade da BMW) também participam do encontro que precede as “puxadas” — como os corredores se referem às disputas.
Máquinas preparadas
Quanto mais caro, veloz e preparado o carro, mais atenção ele ganha dos jovens que integram o grupo. De moletom, chinelos e bermuda, os corredores aparentam ter entre 19 e 23 anos. A bordo de máquinas superesportivas que ultrapassam R$ 600 mil — como é o caso de duas BMW M2 —, os garotos passam parte da noite comentando sobre as modificações mecânica e aerodinâmica dos carrões. Alguns dos modelos usados nos rachas sofreram alterações nos escapamentos, nos filtros, na suspensão, nas rodas e nos pistões.
O rosto quase juvenil dos racheiros denuncia o teor dos papos envolvendo as transgressões de trânsito e o valor de multas acumuladas. “Se minha mãe souber, ela me mata”, chegou a comentar um garoto que costuma posicionar a BMW na linha dos rachas. Com os capôs e as portas abertas, alguns carros são testados mesmo parados com longas e barulhentas aceleradas para “sentir a saúde” do motor envenenado.
Aparentemente, todos se conhecem. As rodinhas de conversa são formadas ao redor dos carros, sempre com papo sobre o mesmo assunto: velocidade e adrenalina envolvendo os “pegas” realizados no Lago Sul e em outros pontos do Distrito Federal. A galera do “Racha de Milhões” troca fotos, vídeos e mensagens por meio de um grupo fechado no WhatsApp. O material visual dos pegas é produzido em uma pista escura e perigosa, logo após a entrada do complexo penitenciário da Papuda, na DF-001.
De médico a PM
Além dos universitários abastados que moram no Lago Sul, outros motoristas viciados em disputar as corridas clandestinas integram o grupo de racheiros. Mais velhos e com carros ainda mais potentes, médicos, advogados, empresários e até um tenente da Polícia Militar do Distrito Federal também aceleram nas competições ilegais.
O tenente da PMDF é conhecido dos jovens por participar dos rachas e ainda rechaçar algumas reclamações feitas por moradores do SMDB – que se queixam do barulho excessivo provocado pelas turbinas e pela aceleração dos veículos superesportivos que “esticam” as marchas na pista da QI 23.
Já na faixa dos 40 anos, o dono de uma BMW M6 chamou a atenção quando chegou em altíssima velocidade à entrada do posto. Assim que ele estacionou o superesportivo avaliado em cerca de R$ 500 mil, vários integrantes do grupo cercaram o carrão. Além do valor alto, o modelo alemão conta com um motor V8 biturbo de 4,4 litros que produz 560 cavalos de potência. O veículo vai de 0 a 10 km/h em apenas 4,2 segundos.
Comboio de milhões
Quando o relógio passa das 23h, os racheiros se organizam e partem em comboio para o local dos pegas. Na noite da última quarta (21/8), pelo menos duas BMWs M2, além de outras duas modelos coupé, deixaram o posto. A reportagem seguiu o comboio até um trecho completamente sem iluminação e com o mato alto nos acostamentos, na DF-001, na estrada da Papuda. Todos os carros foram estacionados ao longo da rodovia, ainda muito movimentada pelo tráfego de caminhões e carros de passeio.
Sem qualquer preocupação com a passagem de ônibus e outros veículos pesados, os carrões eram alinhados lado a lado. O sinal de partida eram dois toques na buzina. Logo em seguida, o barulho dos pneus derrapando no asfalto e a fumaça subindo indicavam a aceleração máxima. Pelo menos cinco baterias de pegas foram realizadas enquanto vários integrantes do grupo aproveitavam para registrar os rachas em imagens.
Em determinado momento das corridas, carros “comuns” passavam pelo acostamento, já que ambas as faixas estavam ocupadas pelos superesportivos alinhados para a corrida. Os motoristas aceleravam na velocidade máxima por um percurso com pouco mais de um quilômetro. Logo em seguida, retornavam por um balão até contornar a pista contrária e voltar à linha de partida.
As corridas põem em risco a vida dos participantes e de outros motoristas que transitam pela rodovia, sem saber que ali são disputados rachas. Os racheiros não têm medo da polícia, não temem causar acidentes nem se importam com os outros condutores que trafegam pela via.
Mas a noite da última quarta-feira foi diferente, e um episódio pode impactar a rotina dos racheiros que desafiam a lei semanalmente.
Com informações do portal Metrópoles
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