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Senhor Donzílio de Oliveira, aos 89 anos, conta como foi viver em Ceilândia à época de sua fundação

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Olhando para trás, o pioneiro nos leva em suas memórias a uma Ceilândia que, assim como o Plano Piloto, também foi idealizada e construída pelos candangos

 

Aos 89 anos, senhor Donzílio Luiz de Oliveira, é um exemplo vivo da memória da construção da cidade de Ceilândia. Nossa reportagem esteve na residência de Donzílio para entrevistá-lo e saber dele, que chegou em Ceilândia em 1972, como foi o surgimento e o desenvolvimento desta que é hoje a maior cidade, em números populacionais, do Distrito Federal.

Dos relatos do senhor Donzílio, tira-se uma conclusão: assim como o Plano Piloto foi pensado para abrigar as autoridades públicas e seus funcionários, Ceilândia também foi construída – de forma indireta – para abrigar os candangos que vieram construir Brasília e ficaram sem ter onde morar após à inauguração da capital em 21 de abril de 1960.

“A gente vinha correr atrás de ganhar um dinheiro devido à escassez das chuvas. A seca do Nordeste era que expulsava, fazia o nordestino ser imigrante, ave de arribação, como muitos poetas já falaram”, afirma Donzílio.

E foi isso que ele fez em dezembro de 1959, quando, aos 26 anos, saiu de sua cidade natal, Itapetim (PE) – “a capital do meu mundo” – rumo a Brasília; chegou três meses antes da inauguração da capital.  “Todo mundo que vinha do Nordeste para Brasília naquela época vinha de pau de arara. Era o caminhão, com os banquinhos de aroeira, onde se sentava 40, 50 passageiros na carroceria. A gente viajava 10, 12 até 15 dias para chegar em Brasília”, conta Donzílio.

Pau de arara com nordestino rumo a Brasília durante a época da construção da capital

 

O pioneiro lembra que conseguiu, de longe, assistir a festa inauguração da capital. Assim que chegou a Brasília, senhor Donzílio diz que imediatamente foi empregado como pedreiro em uma construtora (Beta Engenharia), e que a primeira obra em que trabalho foi a construção de uma escola na 208 Sul.

“Naquele tempo, a necessidade por operário para trabalhar nas construções era tão grande por parte das empresas construtoras, que tinha escritórios funcionando em pleno o domingo para receber as pessoas que chegavam; preparava-se a documentação para fichar e começar a trabalhar já no outro dia”, diz.

Da mesma forma como Renato Russo – que, aliás, assim como Ceilândia, nasceu no dia 27 de março – escreveu na letra de Faroeste de Caboclo, (“conhecia muita gente interessante, até um neto bastardo do seu bisavô”), senhor Donzílio quando chegou em Brasília também encontrou familiares que assim como ele vieram tentar a vida na capital da República. “Aqui se chegava na Vila Amaury, onde era o primeiro acampamento de Brasília, chegava 50 caminhões pau de arara por dia vindos do Nordeste. Eu não conhecia ninguém. Tinha muitos nordestinos que a gente acabava encontrado, um conhecido aqui, outro ali. Mas no meio de uma multidão de pessoas era difícil. Mas mesmo assim, quando eu cheguei apareceram dois primos que eu conhecia, mas que ainda não sabia que eles estavam aqui.”

Maioria dos candangos viviam nas vilas que foram transferidas para Ceilândia

 

Empregado, com a profissão que escolheu, pois segundo Donzílio, a oferta de trabalho era tanta, que a carteira de trabalho não era feita necessariamente com base na profissão que a pessoa tinha, mas, sim, naquela que ela queria ter. Senhor Donzílio disse que escolheu ser pedreiro assim que chegou.

Até se firmar de vez em Brasília, senhor Donzílio ficou vivendo entre Itapetim e a capital da República, como, segundo ele, também fazia os outros nordestinos que estavam no Planalto Central em busca de serviço. “Você vinha como se viesse fazer uma base. Da primeira vez, a base não deu certo, você voltava. Passava mais um ano lá no Nordeste, e depois volta de novo para Brasília. Na segundo vez, já fazia uma base aqui em Brasília, mais ou menos. Aí eu voltei outra vez para o Nordeste e, nesta terceira vez que voltei para Brasília, já estava casado, aí eu vim de forma definitiva, já com a família”, diz Donzílio.

A travessia

Senhor Donzílio conta que assim que chegou com a família – a mulher e mais um filho – ele se instalou na Vila Tenório, que ficava no entorno da Cidade Livre, onde é hoje o Núcleo Bandeirante. Assim como a Vila Tenório, ele conta que haviam outras, como a Vila Colombo, Vila do IAPI, Vila Morro do Urubu, Vila Placa das Mercedes, Vila Metropolitana, Vila Esperança, Vila Estação Ferroviária, e outras que ele não recorda.

O pioneiro lembra que naquela à época, ninguém imaginava que haveria a remoção das famílias que vivam nas vilas para fora da área do Plano Piloto. “A gente pensava que iria ganhar um lugarzinho por ali, mas depois o serviço social criou a Campanha de Erradicação das Invasões (CEI), e todas essas vilas foram removidas”, afirma.

Assim como o Plano Piloto, Ceilândia também foi idealizada e planejada, porém, a mão de obra para construí-la estava edificando Brasília

 

Senhor Donzílio diz que a maioria das famílias que viviam nessas vilas que estavam no entorno da Cidade Livre foram removidas para Ceilândia. “Eles passavam dando o aviso e numerando os barracos. Todos barracos foram numerados. Depois de numerado, se você corresse do lado para construir um barraco para também ganhar um lote em Ceilândia, não adiantava, pois como ele não estava numerado, não valia. Só tinha direito a um lote em Ceilândia os barracos que estivessem numerados”, lembra Donzílio.

O seu barraco, que ficava na QNN 21, Conjunto I, Lote 24, em Ceilândia Norte, foi numerado, e depois, removido, numa sexta-feira de manhã. Os caminhões do serviço social do governo à época chegavam e recolhiam todo material dos barracos que tinham sido desmontados, e com esse mesmo material, depois, já em Ceilândia, esses barracos eram reerguidos. “Quando a gente chegava em Ceilândia, eles [responsáveis pela remoção] chegavam e falavam: olha, seu lote é este. Eles despejavam o material todinho e iam embora e nós ficávamos lá no meio do tempo. O lote era marcado por quatro piquete e dentro dos lotes era mato. Muita gente chegava com a família e ficava no tempo, tomando chuva, sol. Tinham pessoas que ficavam até uma semana sem fazer o barraco dele porque não tinha condições”, relembra Donzílio.

As famílias dos candangos, quando chegaram em Ceilândia, foram largadas à própria sorte

 

Ele, que na ocasião já era encarregado de pedreiro, disse que foi um “privilegiado”, pois consegui na construtora em que trabalhava, madeira e dois carpinteiros para lhe ajudar a fazer seu barraco que, assim com os demais, era no chão batido, sem energia elétrica, água encanada, pavimentação de ruas e saneamento básico – cada casa havia uma fossa e o lixo era recolhido por caminhões.

“Uma máquina passou abrindo as ruas, não tinha cascalho, o caminhão só abria as ruas, dividindo em quadras, dividindo em lotes, um lote com quatro piquetes que demarcavam uma área de 10×25. Em toda a Ceilândia, era essa a medida dos lotes”, recorda Donzílio.

10 anos de sofrimento

Diferente do Plano Piloto que foi construído e urbanizado pelos candangos, Ceilândia, que segundo Donzílio, recebeu a maioria desses candangos, não pode ter infraestrutura, pois, durante o dia, os candangos estavam no Plano Piloto trabalhando e voltavam à cidade apenas à noite para descansar. Por isso, Donzílio lembra que, por muito tempo, a cidade era chamada de “cidade dormitório”.

“Antes das famílias chegarem em Ceilândia, as ruas da cidade já estavam todas prontas. Mas eram apenas a rua aberta, sem cascalho, e quando chovia era uma lama que ninguém podia andar e quando secava era um pó que não tinha quem aguentasse”, diz. “Em toda a Ceilândia só tinha um chafariz, que ficava no centro, perto da Caixa D’Água. Às vezes, havia algum caminhão pipa que distribuía nas caixas que ficavam mais perto das casas. Só depois que colocaram chafariz nas quadras”, complementa Donzílio.

Nos primeiros anos, apenas um chafariz, que ficava próximo onde é hoje a Caixa D’água que abastecia a cidade com água potável

Neste começo, de acordo com ele, não só não havia a infraestrutura urbana básica – obrigatoriedade hoje em dia na construção de qualquer bairro, conjunto ou condomínio habitacional – como também não tinha nenhuma instituição, como escola, delegacia, posta de saúde, igreja, nada. Senhor Donzílio diz que eram apenas as ruas abertas e os lotes demarcados.

Essa falta de recursos e da presença do poder público na região, pode ter sido, na opinião do senhor Donzílio, o motivo que fez com que Ceilândia por muito tempo tivesse fama de ser uma cidade perigosa e violenta. “Naqueles primeiros anos, como não tinha delegacia e não tinha segurança nas quadras, dava muita briga, e nessas brigas aconteciam mortes. Aí ficou aquela fama de ser perigosa”, diz. Os poucos entretenimentos que havia para a população na época, segundo ele, eram os campinhos de futebol, a Feira Central e a Feira do Rolo, que funcionava onde hoje é a Praça dos Eucaliptos.

“Você tinha que andar até dois quilômetros para chegar numa parada de ônibus.”

Mas a falta de infraestrutura da cidade também inviabilizava o direito de ir e vir da população que se via afastada territorialmente do Plano Piloto. “Foram dez anos de sofrimento grande. Para ter uma ideia, os primeiros ônibus coletivos só faziam uma linha na Ceilândia todinha. Você tinha que andar até dois quilômetros para chegar numa parada de ônibus. Era uma linha só que fazia a Ceilândia Sul e Norte”, lembra Donzílio.

De acordo com ele, essa falta de transporte entre Ceilândia e o Plano Piloto, fez com que a cidade passasse a depender mais de Taguatinga, que estava ao seu lado, do que de Brasília. “Por isso, quem morava em Taguatinga se julgava classe média e tratava o ceilandenses como uns miseráveis. E mesmo acontecia com as pessoas que viviam no Plano, também julgava as pessoas de Taguatinga”, argumenta.

Maior e melhor cidade do DF

O crescimento populacional de Ceilândia e também o seu desenvolvimento começa, segundo o senhor Donzílio, no dia 27 de março de 1971, quando chegou o primeiro morador na cidade. Pelos seus cálculos, entre o primeiro e o segundo ano de formação da cidade, cerca de 240 mil pessoas já viviam na cidade – eram 80 mil lotes, sendo que cada famílias tinha, em média, três pessoas.

Para o senhor Donzílio, o enorme contingente populacional de Ceilândia, sempre foi visto pelas autoridades como uma “caixa de votos”, o que, de certa forma, teria beneficiado a cidade se comparado às outras regiões administrativas que possuem população menos densa.

Com uma população entorno dos 500 mil habitantes, Ceilândia é hoje a maior cidade do DF

 

“No começo ninguém acreditava que a cidade fosse melhorar, muita gente desistiu, vendeu o lote e foi embora. Depois se arrependeram. Já eu sempre tive essa visão de que Ceilândia iria melhorar muito. Porque o lado social da Ceilândia era muito atendido pelos políticos da época. Aqui sempre foi uma caixa de votos, então, muito obra, muito investimento vinha e vem até hoje para Ceilândia”, explica Donzílio.

Atualmente, senhor Donzílio, que completará 90 anos no próximo dia 5 de agosto, não vive mais em Ceilândia, cidade em que morou por 44 anos. Em 2018, resolveu se mudar para a casa de filho, Anchieta, e se dedicar a sua outra atividade: a de escritor. Senhor Donzílio, possui 19 livros, entre poesia e prosa, publicados.

Sobre Ceilândia, senhor o pioneiro, sem titubear, afirma: “Ceilândia ainda é uma cidade periférica, mas que tem grandes estruturas, grandes comércios, grandes escolas, muitas faculdades, é uma miscelânia de muitas coisas, mas que ainda precisa de muita melhoria.”

Para o futuro da cidade, o senhor Donzílio deixa uma mensagem: “gostaria de pedir para que as pessoas esqueçam essa ideia de que Ceilândia é uma cidade violenta. Ela teve sua época de violência, mas, hoje em dia, Ceilândia é uma das melhores cidades do Distrito Federal, tanto para viver, como para criar família, estudar, trabalhar, lazer, para tudo. Tudo que tem nas outras cidades, tem na Ceilândia. E olhe lá, que na Ceilândia é melhor.”

 

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Jornalista

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