Hora de discutir a relação entre governo e Congresso
Palácio do Planalto vira o ano sem superar as dificuldades de não ter base sólida no Senado e na Câmara, apesar do espaço aberto ao Centrão no primeiro escalão
O fim do segundo ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva acendeu alertas no Palácio do Planalto. Com uma agenda ambiciosa de corte de gastos em diversas áreas, o Executivo apresentou quatro projetos impopulares, que entre outras coisas, limitavam o crescimento do salário mínimo, tornava mais rígida a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), alterava o Fundo Constitucional do Distrito Federal e corrigia distorções nas aposentadorias de militares.
Depois de algumas votações apertadas que mostraram que o governo não tinha apoio para aprovar as medidas, o Executivo correu para tentar pagar emendas parlamentares represadas e contou com o poder de articulação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Três dos quatro projetos foram aprovados, mas com pequenas derrotas ao governo, já que diversos pontos centrais foram desidratados. O único texto que ficou para 2025 é o que mexe com os militares.
Apesar de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter se colocado à disposição para negociar, a sensação no Congresso, no fim dos trabalhos no ano, era a mesma desde o início do governo Lula 3: o Palácio do Planalto tem sérios problemas de articulação com o Legislativo e a falta de uma conversa direta do presidente com os líderes partidários torna as negociações mais difíceis.
Esse problema poderia ser estancado numa eventual reforma ministerial, cogitada nos bastidores para o início de 2025. Não há, no entanto, qualquer indício de que Lula mexerá nos cargos de Rui Costa (Casa Civil) e de Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais). Esses são, na teoria, os principais responsáveis pela articulação no governo. Padilha, inclusive, foi elogiado por Lula na reunião ministerial de 20 de dezembro.
O presidente demonstrou, nos últimos meses, insatisfações com outros ministros: Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social; e Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Lula acredita que o foco do governo deve ser melhorar a comunicação com a sociedade para mostrar o que sua gestão tem feito.
Há, também, a percepção por parte de aliados do governo de que os partidos que já têm ministérios poderiam contribuir mais com as pautas de interesse do Executivo no Congresso. “Nós temos muitos ministros cujos partidos não têm votado fechados com o governo. E isso precisa ser equacionado para mostrar o tamanho e a força dessas composições. É preciso ajustar essa concentração para que as votações na Câmara e no Senado reflitam o espaço que os partidos da base têm”, cobrou o senador Humberto Costa (PT-PE).
Eleições
Se de um lado não há indicação de trocas na equipe de articulação, no Congresso, por outro lado, novos presidentes vão assumir a Câmara e o Senado, a partir de fevereiro. Entram em cena Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e deixam seus cargos Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Os parlamentares têm amplo apoio para conseguir alcançar as presidências das respectivas casas, e devem ser eleitos sem grande dificuldade. A dúvida fica com as vice-presidências, secretarias e presidências das comissões, que ainda estão sendo barganhadas.
Luciana Santana, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), avalia que, ao menos com Hugo Motta, o governo federal terá uma relação mais tranquila se comparado com Lira. O atual presidente da Câmara, apesar dos momentos de conflito e ameaças ao Executivo, encontrou pontos de convergência e atuou para aprovar pautas de interesse do governo Lula, como a reforma tributária, e a taxação dos fundos offshore e dos fundos dos super-ricos.
“O perfil do Hugo Motta é muito mais moderado, de consenso. Claro que o que acontecer na futura legislatura vai, necessariamente, respingar sobre 2026. Ter um bom relacionamento com o governo traz retornos políticos importantes para os deputados e senadores”, comenta Luciana.
Para a professora, apesar de existirem pautas difíceis na agenda — como as PECs da Segurança e dos Militares, e parte do pacote de corte de gastos —, o contexto é favorável para o governo, até por ainda não haver um candidato unificado da direita para 2026, o que deixa mais espaço para a negociação com setores conservadores.
No Senado, porém, Luciana destaca que a relação com Alcolumbre pode ser menos amigável se comparada com a de Pacheco, que se tornou um aliado do governo e é cotado para assumir um ministério com a reforma. “Pode ser que ali a negociação tenha que ser um pouco mais intensa”, prevê.
O advogado e cientista político Nauê Bernardo é mais cauteloso em relação às futuras relações. Apesar de começarem de forma mais amistosa com os futuros presidentes, dependerão também dos blocos parlamentares que se formarem e dos ocupantes das demais cadeiras das mesas diretoras do Congresso e das comissões de Câmara e Senado.
“Se agentes hostis ao governo ocuparem posições-chave dentro de cada grupo de apoio, seguiremos assistindo desgastes”, prevê.
Nauê destaca, no entanto, que a relação do Congresso com o Executivo ainda dependerá muito da distribuição de emendas parlamentares, usadas como moeda de troca para obter apoio político. “Os parlamentares têm um poder inédito na República: o controle cada vez maior, pelo Congresso, do orçamento da União. As relações entre Executivo e Legislativo tendem a continuar complexas e muito dependentes da liberação dos recursos”, explica.
Segurança e IR: itens sensíveis
Um dos maiores desafios do governo no Congresso será a reforma da renda, anunciada junto com o pacote de corte de gastos para dourar a pílula das medidas impopulares. O governo espera isentar do Imposto de Renda (IR) as pessoas que ganham até R$ 5 mil mensais a partir de 2026 — que é ano eleitoral —, como prometeu na campanha eleitoral. Mas precisará conquistar apoio para aprovar o tema, que é visto com maus olhos por analistas do mercado financeiro.
Outra prioridade em 2025 é apresentar soluções para a segurança pública, especialmente a aprovação da PEC que aumenta a influência do governo federal sobre o setor e que reforça a competência da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O texto está sendo encampado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que tenta reduzir a resistência dos governos estaduais à proposta. Ele se reuniu duas vezes com governadores para receber propostas.
Há preocupação com os recursos utilizados para financiar as medidas de segurança e com a perda de autonomia dos estados, especialmente sore o sistema prisional — o que o governo federal nega que ocorrerá. Por enquanto, a articulação está nas mãos do ministro. Lewandowski, que segundo apurou o Correio quer deixar a pasta e pode sair na reforma ministerial, sinalizou que se reunirá com os mais cotados para presidirem a Câmara e o Senado, respectivamente deputado Hugo Motta e senador Davi Alcolumbre caso sejam confirmados nos cargos. A eleição é em fevereiro.
A expectativa é de que haja resistência entre os parlamentares, sobretudo da oposição. Mas o governo defende que há um “consenso” pela necessidade de se apresentar propostas efetivas para a crise na segurança.
Também está no radar a PEC dos Militares, que limita a participação de integrantes das Forças Armadas em eleições. Segundo o texto, militares da ativa serão transferidos para a reserva — remunerada ou não, a depender do tempo de serviço — antes de assumirem cargos eletivos. A matéria foi aprovada na Câmara, mas não andou no Senado em 2024.
O tema ganhou força entre integrantes do governo após vir à tona o envolvimento de militares em uma trama golpista. O caso levou à prisão do general da reserva Walter Braga Netto, que concorreu a vice-presidente, em 2022, na chapa com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Há ainda o PL enviado junto com o pacote de gastos para alterar as regras de aposentadoria de militares. O texto enfrentará resistência especialmente de congressistas ligados aos militares, que disseram ao Correio ver “revanchismo” na proposta. Se o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro — que assinou o projeto com Haddad —, deixar o cargo, como pretende, ficará mais difícil para o governo negociar com os militares a fim de diminuir as resistências.
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