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Foco de grilagem e queimada no DF, área da Flona tem 347 imóveis rurais

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Faixas de vendas de lote se acumulam às margens da rodovia que separa a Floresta Nacional de Brasília (Flona) da Colônia Agrícola 26 de Setembro. Caminhões e carretas transportam material de construção a todo o tempo, demonstrando o desenvolvimento da construção civil no local. Mais de 50 empresas e galpões de construção se alastram nas ruas, formando o principal centro comercial do bairro ilegal. O assentamento fica em um local privilegiado do Distrito Federal – a 20 minutos da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em uma área que deveria ser floresta preservada.

No DF, há 563 imóveis rurais declarados dentro de áreas de conservação. Isso significa que, em ao menos 563 documentos, pessoas físicas e jurídicas declararam ser proprietárias de terrenos que legalmente são áreas públicas. É o caso da Flona, que, apesar de pertencer ao Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), tem em seu território 347 imóveis rurais alegando posse de parte de sua área. Atualmente, a Flona é um dos locais prioritários de monitoramento à grilagem por órgãos públicos, e foi alvo de incêndio que durou cinco dias devastando 2.586 hectares, equivalente a 45,85% da unidade de conservação federal. A queimada foi a pior no local nos últimos 10 anos.

Os números de declaração dos imóveis rurais foram fornecidos pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e são referentes ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é um instrumento de controle ambiental, mas tem sido usado em má-fé pelo país. Um levantamento feito com base em terrenos da Amazônia apontou a ligação da fraude do CAR com grilagem e desmatamento.

“Atualmente, mais de 100 mil CARs, que somam uma área de 16 milhões de hectares, estão indevidamente declarados no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) por estarem sobrepostos às Florestas Públicas Não Destinadas”, aponta estudo de 2020 elaborado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

“Especialmente se considerarmos que, até 2020, mais de 65% do desmatamento ilegal nestas florestas públicas ocorreram em áreas com CARs ilegais”, completa o Ipam.

O CAR é um instrumento autodeclaratório, criado em 2012 com o objetivo de facilitar a fiscalização de propriedades rurais, servindo para monitorar se os proprietários seguem as normas ambientais. O cadastro não tem valor fundiário, mas permite a um produtor o acesso a créditos rurais e também concede a aparência de regularidade do terreno.

O tema “fraude no CAR” já foi apontado em operações da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e pela Comissão do Meio Ambiente, do Senado Federal, como uma ferramenta de grilagem de terras, ao ser usado por invasores de forma fraudulenta na tentativa de validar a invasão de terras públicas.

A reportagem questionou o instituto e os órgãos estaduais, no entanto, até o momento não há um levantamento de desmatamento ilegal sobre terras públicas com CAR no Distrito Federal, assim como o feito com recorte da floresta amazônica.

A Amazônia e o Distrito Federal são diferentes quando o assunto é grilagem. No DF, o objetivo não é virar uma propriedade rural particular para o agronegócio, mas do loteamento irregular do solo, permitindo o lucro com a venda dos terrenos. O esquema no Planalto Central funciona da seguinte forma: um chacareiro tem a concessão do direito do uso da terra, mas, em algum momento, ele ou herdeiros vendem essa concessão para um grileiro que parcela o terreno, prometendo a regularização fundiária do local a quem compra.

É o caso do Assentamento 26 de setembro, que teve origem em 1996 dentro da Floresta Nacional de Brasília. Nesses 30 anos, as moradias cresceram e a floresta diminuiu. Em 2022, uma lei de autoria do senador Izalci (PL) desafetou a área – quando o Poder Público muda a destinação das terras. No caso, a região que era de preservação foi alterada para virar área urbana, diminuindo 43% do total da Floresta.

No mesmo ano, o Partido Verde entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a lei. A última movimentação foi em dezembro de 2022, com o parecer favorável da Procuradoria-Geral da República à manutenção da área como conservação. No entanto, enquanto não avança na esfera jurídica, grileiros não dão folga ao terreno: constroem e vendem condomínios de alto padrão em área que não se define ainda como pertencente à floresta ou passível de regularização.

A grilagem no Distrito Federal é um esquema criminoso e lucrativo, que movimenta milhões de reais. Para comprar um lote vazio no condomínio “Residencial Floresta Nacional”, por exemplo, a pessoa tem que desembolsar R$ 250 mil. O loteamento fica na marginal da rodovia DF-001, que faz divisa entre a Flona e o assentamento, e, por ser irregular, não há opções de financiamento da área e o pagamento tem que ser feito em dinheiro ou em trocas. Compradores negociam até apartamentos em áreas regularizadas do DF por um lote irregular e sem infraestrutura pública para transformar em casas grandes, podendo ter quintal, varanda, piscina, churrasqueira, etc.

O escambo é feito na expectativa de que a área seja desafetada, como historicamente ocorre no DF, e assim a infraestrutura chega e a percepção é de que vale a pena a troca de um apartamento pequeno por uma casa com diversos cômodos.

“O que move essa indústria é a promessa infinita de regularização”, afirma o promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Dênio Augusto de Oliveira Moura. A grilagem no DF é diferente de vários locais no país, porque aqui atinge várias classes sociais. As pessoas acham culturalmente normal comprar e vender um lote irregular. Na hora de comprar um carro, leva até na oficina para verificar se tem algum problema, mas a casa compra-se sem segurança nenhuma”, acrescenta o promotor.

Para ele, o maior problema ambiental no DF é a ocupação desordenada. “Se a gente continuar nesse ritmo, não vai demorar muito tempo para a cidade ficar sem água, sofrer ainda mais com a seca e presenciar mais fumaça”, completa.

“Tenho em toda rua”

A reportagem entrou em contato com vendedores a partir do número nas faixas expostas dentro da 26 de setembro. Nas negociações, são ofertadas casas com três suítes, porcelanato, armários planejados em valor superior a R$ 50 mil, aquecimento solar e a garantia de que a casa possui “projetos arquitetônico, estrutural e prospecção 3D, assinados por profissionais renomados em Brasília”. A corretora apresenta número do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Distrito Federal (Creci-DF) e garante condomínios regularizados, mesmo sendo uma área de invasão.

Metrópoles entrou em contato com o Creci, que informou que não autoriza que corretores negociem em áreas irregulares. O número da vendedora foi repassado para o conselho que ficou de verificar a situação. Em uma outra conversa, um outro corretor anuncia a área sem o menor receio da ilegalidade. “Tem preferência por algum trecho? Tenho lote e casa em toda rua”, oferece o vendedor.

De acordo com a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, é crime contra a Administração Pública dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos. Também é proibido fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto a afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

As plataformas do Governo do Distrito Federal não reconhece a área como regularizada. Pelo Geoportal – plataforma governamental com levantamento de todas as áreas do DF – as áreas com lotes registrados não englobam nenhuma casa sequer no assentamento. Veja:

A reportagem também conversou com moradores que admitiram não ter escritura, o único documento que os assegura no local é a cessão da terra. Os residentes preferiram não se identificar por medo de represálias.

O secretário executivo de Inteligência e Compliance da Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal), o delegado Adriano Valente alega que não há um único perfil do grileiro no DF. “Tem o grileiro mais humilde, a pessoa que realmente vê um pedacinho ali e se apossa. Tem o grileiro mediano, pessoas que já têm uma certa estrutura, invadem, desmatam e já fazem os terrenos. E, por último, tem grandes organizações criminosas que movimentam milhões no DF, que são grupos organizados e atuam em todas as frentes”, explica.

“A grande característica das organizações maiores no DF é realmente poder fazer a grilagem rápido, entrar numa área desmatar, fazer a pavimentação, calçamento, levantar as casas e vender”, detalha o delegado sobre o modus operandi dos criminosos com dinheiro. “Isso consegue fazer rápido, então, até a denuncia chegar ao DF, muitas vezes quando a gente consegue fiscalizar, a grilagem está praticamente encerrada. Isso custa dinheiro. Até mesmo para correr o risco, porque invadem vários terrenos. Inclusive precisa ter dinheiro para perder”, completa.

Valente ainda destaca que a grilagem se associa à violência. “Os crimes são relacionados à manutenção da área, então tem ameaças, extorsões, lesão corporal, homicídios. Há muitos homicídios na disputa de grileiro”. Milícia e tráfico de drogas também se associam ao esquema criminoso.

Nas áreas de Flona, há a dificuldade em fiscalizar e investigar, já que a área pertence à União, o que transfere a responsabilidade de investigação aos órgãos federais. Ao longo dos anos, o Ministério Público Federal (MPF) recebeu mais de 163 páginas de denúncias envolvendo grilagem, danos ao meio ambiente ou incêndios em áreas da Flona e do Parque Nacional. Os relatos incluem invasões em áreas de nascente e a destruição de áreas de conservação. Os casos são investigados. Questionada, a Polícia Federal não respondeu sobre o assunto.

Investigações

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), revelou que a Polícia Civil (PCDF) suspeita da atuação de grileiros nos incêndios de grandes proporções que atingiram regiões de mata do Distrito Federal nas últimas semanas. Desde a queimada de 13 de setembro, que colocou Brasília sob uma densa fumaça, nove pessoas foram presas. De acordo com o delegado João Maciel Claro, da Coordenação Especial de Proteção ao Meio Ambiente, à Ordem Urbanística e ao Animal (Cepema), a região da Flona é a que mais tem atraído grileiros.

“A gente faz operação lá há seis meses, tentando espantar vários conjuntos que podem criar uma nova invasão, que colocam novos barracos. Realmente, na Flona tem uma ação coordenada de invasores”, destaca o delegado. João Maciel ressalta que ainda é cedo para concluir as causas dos incêndios, que estão sob investigação.

“Tem também caso em que o chacareiro vai fazer o que chamam de ‘limpa’ e coloca fogo na região. Como está tudo seco, as chamas se alastram com facilidade. Então ainda estamos investigando as causas”, completa.

A situação do fogo como estratégia de manejo dentro de propriedades rurais também chama a atenção para outros imóveis rurais declarados em áreas de conservação. De acordo com o Ibram, dos 563 imóveis declarados rurais no DF, 374 estão na Flona, 161 no Parque Nacional e 28 na Estação Ecológica de Águas Emendadas (Esecae).

Por ser auto declaratórios, o Cadastro Ambiental Rural precisa de validação das informações, que é feita no DF pelo Ibram. No entanto, o instituto só consegue analisar 10 cadastros por mês. Isso significa que se, neste momento, nenhuma pessoa emitisse imóvel rural em sua propriedade e que o instituto analisasse apenas os CARs em unidades de conservação, seriam necessários 4,5 anos. Ainda assim há um outro fator que coloca essas análises à espera na fila.

“Atualmente, o Brasília Ambiental, devido à falta de servidores, está analisando apenas os cadastros prioritários conforme o decreto distrital 37.931/2016, principalmente os imóveis que tem requerimento de licenciamento ambiental e supressão de vegetação nativa. Dessa forma, os cadastros sobrepostos às Unidades de Conservação ainda não foram objeto de análise”, informou o instituto em nota.

O instituto destacou que sabe da existência da estratégia usada em má-fé da fraude no CAR, mas alertou que apenas cadastros ativos podem receber créditos. A instituição não soube informar a quantidade de área que é declarada pelos imóveis rurais.

De acordo com o Instituto Chico Mendes, o Cadastro Ambiental Rural de proprietários de terras é iniciativa deles mesmos, sem interferência, anuência ou governabilidade do ICMBio. “Quando é feita uma declaração incidente em unidade de conservação, O CAR fica como ‘pendente’ cabendo ao órgão ambiental estadual a análise e validação do que foi declarado”, alerta.

Para Rebecca Lima pesquisadora do Ipam, que fez parte do estudo sobre as fraudes no CAR na Amazônia, o maior gargalo é a demora na avaliação dos registros. “Então essas pessoas que fazem destino de área pública usam o CAR como instrumento fundiário, mas não é, e tem o gargalo da falta de validação. É uma legalidade ilusória”, aponta.

Responsável pelo CAR, o Serviço Florestal Brasileiro informou que há casos em que uma categoria específica de unidade de conservação pode conter nos seus limites propriedades ou posses privadas. “Nos casos os quais a categoria de UC comporta apenas a dominialidade pública, a existência ou registro de um imóvel ou posse no seu interior pode ser compatível com a categoria”.

Grilagem: problema histórico do DF

A grilagem de terras no Distrito Federal começou antes mesmo de Brasília ser inaugurada. Os construtores que não tinham onde morar organizaram acampamentos na Fazenda Taguatinga, que deu origem à região administrativa. De lá para cá, a situação não foi resolvida. Em 1991, nos primeiros anos de redemocratização do país e da criação da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), foi instaurada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada à apurar irregularidades em áreas administradas pela Fundação Zoobotânica do Distrito Federal.

O relatório final apontou favorecimento de servidores públicos para o repasse de terras públicas no DF. Quatro anos depois, a CLDF organizou a CPI da Grilagem e entendeu que as áreas mais griladas na época eram Arniqueira, Vicente Pires e São Sebastião.

Em 2000, foi instaurada a CPI sobre distribuição de lotes a grupos organizados. Desta vez, a Câmara Legislativa apontou o repasse de terras por parte de líderes de cooperativas rurais.

Procurada, a Associação dos Moradores de 26 de Setembro alegou que a área não tem a ver com os incêndios na Flona, já que considera longe. A associação informou que precisa de infraestrutura para garantir melhor qualidade de vida aos moradores no local.

Com informações do portal Metrópoles

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