Mais ações para combater violência contra idosos no Distrito Federal
“São situações complexas e difíceis, porque, na maioria dos casos, a mãe e o pai não querem denunciar os filhos”, destaca a delegada Ângela Santos. Este ano, o MPDFT recebeu 52 denúncias, principalmente de maus-tratos
Dois casos trágicos envolvendo mortes de pessoas idosas no Distrito Federal, ocorridos em menos de uma semana, alertam para a questão da vulnerabilidade dessa população que aumenta a cada ano. Deixados de lado, os idosos enfrentam o abandono, a solidão e são alvos de violência perpetrada, na maioria das vezes, pelos próprios familiares, afirmam especialistas da área. Entre janeiro e maio, o Ministério Público do DF (MPDFT) recebeu 52 denúncias de crimes contra o idoso. No anos passado, foram registradas 94 denúncias, desse total, 92 acusados viraram réus e um processo ainda está sob investigação. Os números fazem parte do Mapa de Violência da instituição.
Das 52 denúncias recebidas, a Justiça aceitou 42 e os autores tornaram-se réus. No momento, há oito processos em investigação. “Este ano, os crimes contra o idoso (maus-tratos e abandono) foram maiores do os contra o patrimônio desse público”, afirma a promotora de Justiça de Defesa da Pessoa Idosa do MPDFT, Lúcia Helena Barbosa.
Vítimas
O Mapa da Violência revela que a maioria das vítimas idosas de violência tem, em média, 69 anos. No DF, a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, ou por Orientação Sexual, ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin) é a unidade responsável por tratar, especificamente, sobre situações de violência contra a pessoa idosa.
Ângela Santos, delegada-chefe da Decrin, afirma que, nesse tipo de crime, a relação é basicamente intrafamiliar. “São situações complexas e difíceis, porque, na maioria dos casos, a mãe e o pai não querem denunciar os filhos, a própria vítima não conta tudo, com medo de o familiar ser preso. Por isso, a importância da denúncia. Mesmo quando a vítima fica calada, as investigações veem marcas no corpo, uma geladeira vazia, uma casa em condições insalubres”, detalha a delegada.
Uma das principais violências, segundo a delegada, é a psicológica. Depois vêm os maus-tratos e a patrimonial. “No Brasil, não temos uma cultura de valorização da pessoa idosa. Não trabalhamos essa educação e isso faz com que a autoestima da pessoa idosa diminua e ela perca vontade própria de fazer as coisas”, conta.
Ela também ressalta casos de violência ligados aos idosos que são acometidos por alguma doença e que necessitam de cuidados prioritários. “Os filhos não estão preparados para ter essa finitude e os pais acabam sofrendo violência por falta de paciência e cuidados, e, por muitas vezes, até mesmo com cuidadores”, diz Ângela.
A Decrin tem feito cartilhas informativas, palestras em órgãos públicos, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e centros de convivência sobre como se atender uma pessoa idosa. “Implementamos também uma operação permanente chamado S.O.S pessoa idosa, em que ficamos sempre alertas. Os casos de violência são atendidos de forma imediata e prioritária”, ressalta.
No Perfil da População Idosa feito pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (antiga Codeplan), mostra que, em 2000, o DF tinha uma população de pouco mais de 2 milhões de pessoas, das quais 5,3% eram idosos. Em 2010, esse percentual era de 7,7%. As projeções para 2020 e 2030 são, respectivamente, de 10,4% e 14,9%. O Estatuto do Idoso, em seu artigo 19, parágrafo primeiro, define a violência contra o idoso como “qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico”.
Sociedade
Otávio de Toledo Nóbrega, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), acredita que a sociedade precisa adquirir uma mentalidade e cultura de que um dia terá que cuidar. “É preciso entender que em algum momento da vida, vamos ter que ter que cuidar de alguém. Aceitamos a ideia de casar, ter filhos, mas não pensamos em cuidar dos nossos pais e avós, é necessária uma cultura de cuidado, hoje em dia há uma revolta quando um idoso se torna dependente”, disse. “Esses famílias têm que se preparar, e se antigamente as famílias eram grandes e tinha aquele filho que ia cuidar dos pais, hoje, todos os filhos querem ser bem-sucedidos e ter satisfação na vida, mas não pensam no envelhecimento dos pais”, completa.
“Por muito tempo, o Brasil se intitulou como um país jovem e, do nada, se viu velho. Precisamos implementar essa cultura nos níveis mais básicos da educação e entender que a vida é feita de fases, e que hoje são crianças e depois serão adultos e se tiverem sorte chegarão aos 70, 80 anos de forma saudável. Vivemos em uma sociedade em que as pessoas acham que a juventude é eterna”, adverte Otávio. De acordo com ele, por ter medo de perder o pouco apoio que têm, que vem do núcleo familiar, muitos idosos acabam sendo coniventes com as violências.
Justiça
A promotora Lúcia Helena Barbosa explica que o MPDFT tem várias frentes: de criminalização, de buscar o autor, de buscar pena contra ele, além de ser propulsor de políticas públicas e atuar na defesa dos direitos humanos. “As políticas públicas têm buscado esses idosos para a inserção social, o melhor antídoto é estar cercado de quem gosta de você. Precisamos de ações de conscientização, colocar essa pessoa onde ela pode contar sobre sua vida em uma roda de conversa, por exemplo”, destaca. “Essas pessoas sofrem de um preconceito muito grande e o MPDFT vigia para que isso seja debelado”, afirma.
De acordo com a secretária de Justiça e Cidadania do DF, Marcela Passamani, o cuidado com o idoso tem sido uma pauta importante para a pasta. “A secretaria recebe as denúncias feitas pelo disque 100 e as encaminha aos órgãos competentes. Além disso, fazemos a fiscalização das instituições de longa permanência”, conta.
Ainda segundo a chefe da pasta, muitas vítimas de violência têm medo de denunciar os casos por serem (os suspeitos) membros da família. Um programa adotado pela Sejus foi o Movimente-se 60 , em que o idoso vai para se exercitar e tem o acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais. “Nessas atividades, a gente consegue ficar mais próximo da pessoa até ela ir se soltando e conseguir contar o ocorrido”, ressalta Passamani.
Atualmente, o projeto ocorre em 10 cidades do DF: Recanto das Emas, Água Quente, Ceilândia, Samambaia, Taguatinga, São Sebastião, Sol Nascente, Planaltina, Plano Piloto e Cruzeiro. “Nós temos também um programa chamado Direito delas, que faz o atendimento psíquico dessas pessoas. Todos que passaram por violência consegue apoio psicológico”, afirma.
O advogado especializado em direitos da pessoa idosa Eduardo Felype Moraes explica que os crimes contra a pessoa idosa prevista no Estatuto do Idoso vão desde a conduta de colocar em risco a saúde e a integridade física ou psíquica da pessoa idosa, por meio de condições degradantes ou privação de alimentos e cuidados indispensáveis. “Ou até mesmo, quando obriga a pessoa idosa a realizar ou se sujeitar a trabalho inadequado ou excessivo”, explica.
Ainda de acordo com ele, a detenção nesses casos vai de dois meses a um ano com pagamento de multa. “No entanto, se a conduta criminosa resultar em lesão corporal de natureza grave a pena é de reclusão de um a quatro anos. E, por fim, se a conduta resultar em morte, a pena é reclusão de quatro a 12 anos “, acrescenta o advogado.
Com informações do Correio Braziliense
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