Mais de 2,2 mil pessoas moram nas ruas do Distrito Federal
Além do preconceito, a violência convive com esse público em situação de vulnerabilidade. Ações do GDF e de ONGs ajudam a reduzir impactos
“Ao escurecer da noite, a lua e as estrelas. O magnífico vento, ainda se adentra pelas janelas.” À primeira vista, o trecho do poema Vida parece descrever o cotidiano do autor, o baiano Willian de Oliveira, 34 anos. Porém, a janela por onde ele sente a brisa no rosto é, na verdade, improvisada. Natural de Itabuna, Willian mora nas ruas do Distrito Federal há oito meses, quando chegou à capital do país. Para se abrigar, ele montou uma espécie de barraca, com lonas, próximo à praça do Conic.
Willian está em situação de rua desde os 12 anos e passou por vários lugares desde então. “Dormia em postos de gasolina, na beira de estrada — quando tinha algum ponto. Peguei carona com alguns caminhoneiros e cheguei a viajar dentro do motor de carretas, escondido. Segui assim até chegar em Brasília”, relata Willian, que, apesar da situação de vulnerabilidade em que se encontra, reserva um momento para escrever poemas e textos. “Isso me ajuda a sobreviver. Ando pelos transportes públicos recitando poesias minhas e de outros autores e assim consigo alguns trocados”, diz o baiano.
Na capital do país, não é difícil ver locais onde a realidade humana é brutalmente misturada com a frieza do concreto. De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), há 2.252 pessoas em situação de rua hoje no Distrito Federal. Em 2019, eram 1.959, número que passou para 2.181 em 2020 e fechou em 2.260 no ano passado.
Para o acolhimento da população de rua, o DF oferece casas de passagem, abrigos institucionais, repúblicas e residências inclusivas. O Serviço Especializado em Abordagem Social, ligado à Sedes, conta com 200 profissionais, dos quais 140 circulam pelas ruas da cidade, divididos em 28 equipes. Esses grupos de trabalho fazem buscas ativas dos indivíduos, para incluí-los nas redes de atendimento e proteção social. O DF possui, ainda, 12 Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e dois Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros Pop).
À reportagem, a Sedes destacou que a assistência social é uma política de acesso ao sistema, e são necessárias outras ações. “Como políticas de saúde — acesso, busca ativa, acompanhamento, equipamentos de saúde mental —, trabalho para qualificação e inclusão profissional de catadores e outros grupos, além de metodologias de emprego apoiado, geração de emprego e renda, educação e habitação com diferentes modalidades de oferta”, elencou a pasta.
Estatísticas
Os números de desamparados podem ser bem maiores. A assistente social e acompanhante terapêutica Bruna Martins aponta que, para ter acesso aos serviços institucionais, é preciso ter documentação, registro que a maioria da população de rua não tem. É como se as pessoas não existissem. “Não tem como elaborar dados de pessoas que moram nas ruas mas não tem documentos, é um mapeamento muito falho e difícil. A maioria das pessoas que estão nas ruas não se inserem socialmente nem vão até as instituições”, destaca Bruna, estimando que o número de desabrigados pode ser superior ao triplo da contabilização da Sedes.
Morar nas ruas não tem uma única causa, mas a especialista aponta, entretanto, que os motivos podem ter uma raiz comum: o adoecimento. “A pessoa entra em sofrimento psíquico, atravessa crises, sofre de depressão, ansiedade ou de outros transtornos, como de humor ou personalidade, às vezes por ter vivenciado um grande trauma ou por questões familiares”, elenca Bruna, além de ressaltar a situação econômica.
A assistente social destaca também a questão do uso de drogas. “A redução de danos (das drogas) deveria ser uma política pública. Precisamos de ações que não olhem só para a substância em si, mas que enxerguem a pessoa, e não quem ela é quando usa entorpecentes. As substâncias estão ali por algum motivo, é preciso entender a causa do sofrimento para entender o que levou a pessoa a usá-las”, explica.
Apoio
Apesar de constante, o abuso de drogas ilícitas não é regra. Nascido em Alagoas, Rubens Alves, 55, chegou ao DF nos anos 1990, em busca de uma vida melhor. “Quando vim para cá, tinha emprego para todos. Eu trabalhava com carteira assinada, como vigilante”, relembra. Após algum tempo, ele perdeu o emprego. “Eu não tinha dinheiro para pagar o aluguel, então tive que vir para a rua. Durmo em locais diferentes, como na Rodoviária ou perto do Hospital de Base”, conta Rubens, que é mais um dos cidadãos de rua sem documentação. Ele teve os documentos roubados em duas oportunidades, a última há quatro meses.
Ele reclama que está com dificuldades para tirá-los novamente, o que o impede de retornar para a terra natal. “Preciso dos documentos, pois quero voltar para casa e ver minha família de novo. Tenho vontade de encontrá-los novamente”, ressalta. “É difícil ter esperança de que as coisas vão mudar. Se eu conseguisse pelo menos tirar meus documentos, teria chance de conseguir emprego novamente e juntar dinheiro para ir embora”, sonha.
A realidade das pessoas que enfrentam o dia a dia nas ruas do DF não é fácil, mas, felizmente, há quem se disponha a ajudar. É o caso da organização não governamental da Rua (ONG da Rua), formada por 10 jovens de 18 a 23 anos, a maioria ainda estudantes. O projeto surgiu entre o fim de 2019 e o início de 2020, sem nenhuma pretensão. Anna Carolina Sant’Anna, 19, codiretora da ONG, conta que os amigos revezam a entrega de doações, todos os domingos, entre a Praça do Relógio, em Taguatinga, e a Colina, no campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília (UnB).
A principal ferramenta que a ONG da Rua usa para angariar doações é o Instagram (@ongdarua). “Recebemos dinheiro e materiais. Entregamos para as pessoas itens básicos, mas não é só uma entrega, é uma escuta ativa, para saber as necessidades, as vivências, os perrengues e entender uma realidade que não vivemos para melhorar o trabalho e crescer como ONG”, relata da UnB.
Um problema complexo
Na semana passada, a Polícia Civil do DF prendeu duas pessoas em situação de rua, acusadas de espancar a pauladas um juiz federal, de 48 anos, em plena luz do dia, no Parque da Cidade. O magistrado se exercitava, quando foi abordado pela dupla. Por estar sem dinheiro no bolso, a vítima foi brutalmente atingida na cabeça. As agressões só foram cessadas depois que as armas utilizadas se quebraram. Procurada pela reportagem quanto à fiscalização de casos de violência, a Polícia Militar do DF respondeu que atua “de forma preventiva por meio do policiamento ostensivo e em casos de flagrante delito seguindo recomendação do Ministério Público do DF (MPDFT), visando a promoção e a defesa dos direitos humanos das pessoas em situação de rua.”
Parte de um problema complexo, os cidadãos das ruas são desenhados, na maioria das vezes, como agressivos e violentos, embora a realidade envolva outras variáveis. Na noite de segunda-feira, um homem em situação de rua, que dormia em um veículo abandonado, foi espancado até desmaiar, em Ceilândia. Toda a agressão foi flagrada por uma câmera de vigilância. Graças a uma denúncia anônima à Polícia Militar, os autores, dois jovens de 16 anos, foram apreendidos em flagrante por tentativa de homicídio.
Ex-secretário de Segurança Pública do DF, professor de sociologia da UnB e membro do Fórum de Segurança Pública, Arthur Trindade comenta que as pessoas em situação de rua são mais vítimas de ataques do que autoras, ao contrário do que a crença popular prega. “São raros os eventos em que cometem assaltos ou outros crimes. O que não significa que casos assim não ocorram, mas não são a regra e, sim, a exceção”, destaca o especialista, apontando que o grupo não é homogêneo. “Há uma série de vidas e trajetórias que levam essas pessoas à rua. Há casos de drogadição, indivíduos de outras cidades e portadores de deficiência, tanto física quanto mental. E, via de regra, são as principais vítimas de violência”, continua.
Arthur Trindade observa que a população de rua é vista com maus olhos. “Claro que as pessoas têm medo, julgam-nas perigosas e mal encaradas — isso é um fato. Há políticas que já aconteceram no passado, que espero que não voltem, de ‘limpar’ as ruas, com a remoção dessas pessoas para outros lugares. É um tema muito complexo. Essas tentativas fracassaram, porque não basta removê-las, elas precisam de uma rede de apoio, para que possam, de fato, sair da situação de rua”, defende o professor.
Acolhimento
Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros Pop)
Centro Pop Taguatinga: atende até 100 pessoas por dia
QNF 24 A/E nº 02 Mód. A – Taguatinga Norte
Centro Pop Brasília: atende até 150 pessoas por dia
SGAS 903, Conjunto “C” — Asa Sul
Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS)
Creas Brasília: SGAS 614/615 Lote 104 (L2 Sul)
Creas Brazlândia: A/E Nº. 01 Lotes K/L
Creas Ceilândia: QNM 16 A.E. Módulo A — Ceilândia Norte
Creas Estrutural: Área Especial 09, Setor Central
Creas Gama: A.E. 11/13 Setor Central
Creas Núcleo Bandeirante: Avenida Central, Área Especial, Lote E
Creas Planaltina: A. E. – H – LOTE 06 – Setor Central.
Creas Samambaia: QN 419 A.E. 01 — Samambaia Norte
Creas São Sebastião: Quadra 101, Área Especial S/N, Administração Regional de São Sebastião
Creas Sobradinho: QD 06, A.E. Nº. 03
Creas Taguatinga: A.E. Nº. 09 -Setor “D” Sul – Taguatinga Sul
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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