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Bolsonaro ‘habilidoso’ ou ‘excesso de deferência’ a Moraes? Juristas se dividem sobre interrogatório amistoso no STF

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Em depoimento ao STF, presidente diz que buscou ‘alternativas dentro da Constituição’ e negou tentativa de golpe

A conhecida tensão entre o campo bolsonarista e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deu lugar a um clima respeitoso e descontraído durante o esperado interrogatório do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu em um processo criminal sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado para se manter no poder.

Ouvido na terça-feira (10/06), o presidente não utilizou seu direito constitucional ao silêncio e respondeu, em tom amistoso, a todas as perguntas feitas por Moraes (relator do processo), pelo ministro Luiz Fux, pela Procuradoria-Geral da República e pelas defesas dos demais réus.

Seus advogados também fizeram perguntas, dentro da estratégia de tentar evidenciar as ações adotadas por Bolsonaro para viabilizar a transição de governo para a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assim como refutar acusações sobre minutas golpistas ou envolvimento nos atos de 8 de janeiro de 2023.

Juristas ouvidos pela reportagem se dividem sobre o resultado do interrogatório para Bolsonaro.

Para o criminalista Aury Lopes Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, o ex-presidente foi “habilidoso” nas respostas e se expressou com clareza, ao negar qualquer intensão golpista.

Já Rafael Mafei, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), avalia que o tom amistoso do depoimento pode ser negativo para a imagem de Bolsonaro junto a seus apoiadores mais fiéis.

Os dois entrevistados concordam, porém, que o impacto do interrogatório no desfecho do julgamento deve ser limitado.

Lopes Júnior ressalta que o réu negar um crime não é suficiente para enfraquecer acusações, e que os ministros do STF analisarão a versão de Bolsonaro à luz de outras provas do processo.

“Bolsonaro, sabidamente, tem uma imensa dificuldade de expressão, de manifestação verbal. Ele surpreendeu pela comunicação de boa qualidade que teve hoje. Conseguiu concatenar as suas ideias e linkar os parágrafos para fazer respostas completas”, analisou.

“Ele buscou afastamento total de qualquer imagem de golpe, e isso ficou muito claro. Foi muito corajoso ao se dispor a responder às perguntas do relator”, disse ainda.

O criminalista destaca também a postura do presidente de pedir desculpas a Moraes por “arroubos” passados.

“Ele foi habilidoso também em atribuir aquilo que não tinha resposta a rompantes da sua personalidade verbalmente agressiva e, quando não tinha solução, assumiu que foi um excesso e até pediu desculpas.”

“Então, nesse ponto, ele foi bastante habilidoso em termos de política, de contornar uma situação que não tinha muita solução.”

Rafael Mafei, por outro lado, considera que o comportamento contrariou a postura de enfrentamento ao ministro e ao STF que Bolsonaro sempre estimulou em sua base.

“Todo mundo o conhece. Pode até prejudicá-lo, se seus apoiadores mais duros esperassem um enfrentamento dele com o Alexandre de Moraes”, notou.

“[Bolsonaro] está tratando o Alexandre com deferência, pedindo licença para tudo, fazendo piadinhas banais até. Não parece alguém que está coagido ou sendo submetido a uma injustiça”, prosseguiu.

Ele comparou a postura de Bolsonaro com a de generais argentinos julgados em 1985 por crimes cometidos pelas três juntas militares que governaram o país após o golpe de Estado de 1976.

“Os generais argentinos, em 1985, disseram não reconhecer a legitimidade do julgamento e ficaram em silêncio. Bolsonaro age como quem deve satisfação ao Supremo e ao Alexandre de Moraes — que ele deve, é verdade, mas, ao mesmo tempo, vai contra do comportamento que ele sempre estimulou em relação ao STF.”

Os efeitos do depoimento junto aos apoiadores de Bolsonaro devem depender de como isso será replicado nos grupos bolsonaristas. “Com bons cortes, faz-se de tudo.”

O ex-presidente e outros sete réus são acusados de integrar o chamado “núcleo crucial” que teria liderado uma suposta tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder após sua derrota nas eleições presidenciais de 2022.

Os oito foram interrogados pelo STF entre segunda (09/06) e terça-feira (10/06).

Apesar do nervosismo evidente entre os interrogados, os depoimentos foram marcados por um clima descontraído e piadas feitas por Moraes, os réus e seus advogados.

Em um desses momentos, Bolsonaro chegou a convidar Moraes para ser seu candidato a vice-presidente nas próximas eleições presidenciais.

“Pretendo na quinta, sexta e sábado estar no Rio Grande do Norte, visitando oito municípios… Se você me permitir, posso mandar imagens de como o povo trata a gente na rua”, começou Bolsonaro.

“Eu declino”, respondeu Moraes, arrancando risos de quem acompanhava o depoimento.

“Posso fazer uma brincadeira?”, perguntou o ex-presidente.

“O senhor que sabe… eu perguntaria aos seus advogados.”

“Gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 2026”, brincou Bolsonaro.

“Eu declino novamente”, respondeu, em tom ameno, o ministro do STF.

Bolsonaro sentado de frente para Moraes em sala de depoimento no STF
Bolsonaro negou envolvimento com o 8 de janeiro de 2023

O que disse Bolsonaro?

O ex-presidente foi questionado sobre pontos centrais da acusação, como seus ataques ao sistema eletrônico de votação, reuniões para discutir uma ação autoritária, como decretação de estado de sítio, e planos para matar autoridades.

Bolsonaro negou qualquer envolvimento com os atos de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas radicais depredaram as sedes dos Três Poderes, e disse desconhecer planos para matar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio ministro Moraes.

Perguntado sobre a discussão de minutas para decretar estado de sítio ou defesa, que teria ocorrido entre o então presidente, integrantes do seu governo e os comandos das Forças Armadas, Bolsonaro reconheceu que houve reunião para discutir “alternativas” que, na sua visão, estariam dentro da Constituição.

Segundo ele, essas medidas foram descartadas e não houve qualquer encaminhamento.

Bolsonaro afirmou ainda que a busca de “alternativas” ocorreu após o TSE estabelecer uma multa de R$ 22 milhões ao PL, partido de Bolsonaro, quando a legenda apresentou uma petição apontando uma suposta fraude na eleição de 2022, sem apontar provas disso.

Ao longo das investigações conduzidas pela Polícia Federal, foi encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres um rascunho de documento que ficou conhecido como “minuta do golpe” — com um texto que determinava, em linhas gerais, estado de exceção no país.

Após dizer que a suposta minuta “não tem um cabeçalho nem um fecho”, Bolsonaro disse que “isso foi colocado numa tela de televisão [durante a reunião para discutir o documento] e mostrado de forma rápida ali”.

“Mas a discussão sobre esse assunto já começou sem força, de modo que nada foi à frente.”

“Como nós fomos impedidos de recorrer ao TSE, com preocupação de uma penalidade mais alta do que aquela, se não me engano, de 23 de novembro, nós buscamos uma alternativa na Constituição, e achamos que não procedia, e foi encerrado.”

Bolsonaro também minimizou as acusações sobre minutas golpistas, argumentando que nunca convocou o Conselho da República ou o Conselho da Defesa, órgãos que teriam que aprovar a decretação de estado de sítio ou estado de defesa.

Ele negou ainda ter “enxugado” a minuta, reduzindo as autoridades que seriam presas, como acusa o delator Mauro Cid.

Para o criminalista Aury Lopes Júnior, o argumento de Bolsonaro de que não convocou os conselhos da República e da Defesa não é eficaz para refutar a acusação de que havia um plano golpista.

“Quando ele diz que não convocou os Conselhos da República e da Defesa para decretar o estado de sítio, isso não contribui em nada, porque, se é golpe, realmente ele não iria nunca convocar”, ressalta.

“É importante considerar que a confissão não é prova plena de nada, e a negativa do réu também não é uma prova plena de nada. Tanto quando se confessa, quando também quando se nega a prática de um crime, essa declaração deve ser analisada à luz do conjunto probatório”, disse ainda.

Processo se aproxima de reta final

O professor diz que os interrogatórios não mudaram sua percepção de que há um conjunto probatório robusto contra os acusados. Ele ressalta, porém, que poderá haver divergência entre os ministros na “valoração” dessas provas ao decidir o caso.

“Pela prova técnica já produzida, incluindo a prova digital, geolocalização, mensagens, documentos, etc, existem elementos robustos de que houve a tentativa de abolição da democracia e de golpe de estado, na minha visão.”

“Mas precisamos aguardar o julgamento para ver a valoração que será feita. Inclusive, não será surpresa se houver divergência por parte do ministro Fux.”

Fux tem destoado de Moraes em alguns pontos do julgamento, por exemplo, quando fez questionamentos ao acordo de colaboração do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, por ele ter prestado vários depoimentos ao longo da investigação, alterando pontos da sua delação.

Os oito réus serão julgados pela Primeira Turma do STF, composta por cinco ministros: Moraes, Fux, Flavio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

Após os interrogatórios, haverá prazo para que o Ministério Público e as defesas solicitem novas diligências para a inclusão de provas no processo.

Depois disso, as partes apresentam suas alegações finais e o caso é encaminhado para o relator produzir seu voto e o STF marcar o julgamento.

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Jeová Rodrigues

Jornalista

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