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Canetinhas que controlam diabetes, também emagrecem e ainda combatem câncer

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Drogas injetáveis desenvolvidas para tratamento de diabetes e obesidade reduziram o risco de tumores associados ao excesso de gordura corporal. O efeito é semelhante ao da cirurgia bariátrica, mas com menos perda de peso

Originalmente desenvolvidas para tratamento da diabetes tipo 2 e da obesidade, as “canetinhas emagrecedoras” foram associadas a uma incidência mais baixa de alguns tipos de câncer, como mama pós-menopausa, colorretal e de útero, previamente relacionados ao excesso de gordura corporal. Um estudo apresentado no Congresso Europeu sobre Obesidade (ECO) em Málaga, na Espanha, mostrou que, em comparação à cirurgia bariátrica, a redução de risco foi de 41%. A pesquisa também foi publicada na revista e Clinical Medicine, do grupo The Lancet

Segundo a Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer, a diabetes 2 e a obesidade estão associadas a 13 tumores oncológicos, incluindo de esôfago, ovário, pâncreas, rim e vesícula biliar. Anteriormente, já foi demonstrado em estudos que a cirurgia bariátrica pode reduzir esse risco, mas até agora, não se sabia se o tratamento com as drogas agonistas do receptor GLP-1, como a semaglutida, liraglutida e a tirzepatida, teriam o mesmo potencial. 

Os pesquisadores, liderados pelo serviço de saúde pública e semiprivada Clalit de Tel-Aviv, em Israel, resolveram investigar se a intervenção farmacêutica, além de reduzir o índice de massa corporal (IMC), tem impacto sobre a incidência de cânceres associados à obesidade. Eles usaram dados de 6.356 participantes com IMC médio de 41,5 (obesidade grau III) e diabetes tipo 2, mas sem histórico de câncer. Metade dos pacientes foi tratada com drogas GLP-1 de primeira geração, e o restante foi submetido à cirurgia bariátrica entre 2010 e 2018. 

Diagnóstico

Todos foram acompanhados até dezembro de 2023 para um diagnóstico de câncer associado à obesidade. Em nota, a coautora Yael Wolff Sagy disse que a incidência da doença foi semelhante entre os pacientes tratados com os GLP-1 e a cirurgia bariátrica ao longo do acompanhamento. Porém, considerando que, para obter o mesmo efeito protetivo, os pacientes do procedimento invasivo precisaram perder o dobro do peso, os pesquisadores encontraram mais eficácia nos medicamentos. “A cirurgia tem uma vantagem relativa de maximizar a perda de peso. A contabilização dessa vantagem revelou que o efeito direto dos GLP-1, além do emagrecimento, é uma eficácia 41% maior na prevenção do câncer relacionado à obesidade.”

Os autores destacam que o estudo foi observacional, ou seja, não se pesquisou a relação de causa e efeito. Já são conhecidos alguns fatores da obesidade diretamente associados ao risco de câncer, como aumento da insulina, alteração da flora intestinal e nos hormônios sexuais, além de inflamação, destaca Andrea Pereira, médica nutróloga e cofundadora da ONG Obesidade Brasil. “O controle da obesidade reduz o risco de câncer, e o estudo demonstra que o tratamento clínico é tão eficaz como a cirurgia bariátrica”, diz. 

Porém, os autores do estudo acreditam que o resultado evidencia que a perda de peso, sozinha, não poderia explicar completamente os benefícios metabólicos e anticancerígenos das drogas GLP-1. “Provavelmente, são múltiplos mecanismos, incluindo a redução da inflamação pelos GLP-1”, acredita Dror Dicker, pesquisador do Hospital Hasharon, em Israel, e coautor da pesquisa. 

Membro da Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade, o médico Valdecy Neto, especializado em nutrologia, emagrecimento e metabolismo, destaca que os medicamentos GLP-1 vão além da perda de peso. “É como se eles promovessem uma melhor modulação metabólica, uma redução maior da inflamação e tudo isso também ajuda no processo de reduzir o surgimento de câncer futuramente. Além de ajudarem na redução do apetite, esses medicamentos atuam na chamada resistência insulínica, melhorando o metabolismo, reduzindo a inflamação”, diz.

Segundo Neto, ao falar em emagrecimento não se pode pensar apenas em quilos eliminados. “É o total de gordura perdida, e não de peso. Preservar o músculo também no processo de emagrecimento é primordial para melhorar essa questão do metabolismo em si, melhorar a resistência insulínica. Então, ao atuar no metabolismo e não só no peso, as ‘canetinhas’ criam um ambiente favorável para reduzir o surgimento de cânceres futuramente.”

Efeitos colaterais

De acordo com Howard LeWine, médico do Hospital Brigham and Women’s de Boston, nos Estados Unidos, as drogas do tipo não estão isentas de efeitos colaterais. Os mais comuns são diarreia, vômito, náusea e constipação. Alguns, raros, porém sérios, incluem pancreatite (inflamação do pâncreas), gastroparesia (redução na força do músculo gástrico), obstrução intestinal e cálculos biliares. 

Além disso, um estudo publicado em janeiro na revista Nature com mais de 2 milhões de pacientes também encontrou um risco das medicações GLP-1 com doenças renais, incluindo de estágio avançado. “Os medicamentos GLP-1RA podem ter amplos benefícios à saúde, no entanto, eles não são isentos de riscos. Nossas descobertas destacam a possibilidade de aplicações mais amplas para esses medicamentos, mas também apontam riscos importantes que devem ser monitorados cuidadosamente em pessoas que os tomam”, alertou, à época, Ziyad Al-Aly, epidemiologista e nefrologista do Hospital de Veteranos John J. Cochran, onde o estudo foi conduzido. 

Arsenal

Jamilly Drago, endocrinologista  da clínica Metasense

“A relação entre a obesidade e o câncer já era conhecida, devido à inflamação do tecido adiposo que causaria uma série de citocinas inflamatórias, que são elementos que favorecem o aparecimento do câncer. Os agonistas do receptor GLP-1 são responsáveis pela melhora da resistência à insulina e essa, sim, seria a grande causadora de vários mecanismos inflamatórios que poderiam favorecer o aparecimento de alguma célula cancerígena. A perda de peso combate a inflamação e reduz o risco dessas células sobreviverem. Por isso, já havia sido constatado que a bariátrica diminui o risco de alguns tipos de câncer, mas ainda não se sabia, oficialmente, que os análogos de GLP-1 também teriam esse efeito. É uma ótima notícia porque agora a gente tem uma medicação que pode ser considerada anticancerígena, já que um corte de quase metade no risco é um resultado extremamente significativo. Agora, temos mais uma arma no arsenal contra uma das complicações mais dramáticas da obesidade, que é o câncer. É muito importante mais estudos como esse e, principalmente, evoluir para entender quais são os mecanismos fisiopatológicos que levariam a essa redução.”

Três perguntas para…

Luciana Audi de Castro Neves, médica endocrinologista

O que pode explicar a redução do risco de câncer com drogas GLP-1?

Medicamentos que atuam no receptor de GLP-1, como a semaglutida, têm se mostrado eficazes e seguros no tratamento da obesidade, inclusive, em pessoas com diabetes ou histórico de câncer, como o de mama. Além de ajudarem na perda de peso, esses medicamentos podem ter um efeito protetor contra o câncer. Isso pode acontecer porque eles ajudam a reduzir a inflamação no corpo e a melhorar o funcionamento do metabolismo — dois fatores importantes na prevenção do crescimento de células cancerígenas.

No estudo, os benefícios foram semelhantes aos da cirurgia bariátrica, embora a perda de peso com a cirurgia tenha sido maior. Isso deve ser levado em conta na escolha do melhor tratamento para emagrecimento?

Sim, esse é um ponto importante. Os estudos sugerem que, mesmo com uma perda de peso menor, os medicamentos com GLP-1 foram capazes de reduzir o risco de câncer em proporção semelhante à da cirurgia. Isso indica que os benefícios desses medicamentos podem ir além da perda de peso, como a redução da inflamação corporal. Ainda são necessários estudos maiores e com mais tempo de acompanhamento para confirmar esses achados e entender melhor os mecanismos envolvidos. Também é possível que exista um “limiar” de perda de peso a partir do qual os benefícios adicionais, como a redução do risco de câncer, se estabilizam.

Do ponto de vista da medicina preventiva, esse estudo traz alguma implicação?

Sim. O estudo reforça que, embora a obesidade aumente o risco de vários tipos de câncer, esse risco pode ser reduzido com a perda de peso — seja por meio da mudança de estilo de vida, com ou sem o uso de medicamentos, ou cirurgia. Isso destaca a importância de adotar estratégias eficazes para o controle do peso como uma ferramenta fundamental na prevenção do câncer e na promoção da saúde pública.

 Proteção a mais para o coração

Mais um estudo encontrou uma relação entre a semaglutida, um medicamento GLP-1, inicialmente, desenvolvido para tratamento da diabetes, e proteção do coração apresentado no Congresso Europeu sobre Obesidade, em Málaga, na Espanha, uma análise secundária da pesquisa internacional Select revelou que a droga pode reduzir rapidamente ataques cardíacos e outras complicações em adultos com sobrepeso ou obesidade e doença cardiovascular preexistente, mas sem o distúrbio metabólico caracterizado pela resistência à insulina. 

Em 2023, o estudo Select mostrou que adultos com sobrepeso ou obesidade, mas sem diabetes, que já haviam sofrido um ataque cardíaco, derrame e/ou doença arterial periférica, tiveram uma redução de 20% em eventos cardíacos adversos graves ao tomar semaglutida. A nova análise se concentrou na diferença desse risco comparando o medicamento ao placebo. 

Os pesquisadores analisaram dados de 17.604 adultos com sobrepeso ou obesidade. O estudo descobriu que a semaglutida foi associada a uma redução de 38% no risco de eventos cardiovasculares adversos graves (Mace) nos primeiros três meses em comparação com o placebo. Já em um semestre, a droga foi relacionada a 41% menos incidência de Mace. 

Dose

A redução de risco não pode ser explicada somente pela perda de peso, destacaram os pesquisadores. Isso porque, até o sexto mês, a maioria dos pacientes ainda não havia emagrecido muito, e alguns não estavam tomando a dose alvo completa, de 2,4mg semanalmente. “Esses resultados destacam a ação precoce da semaglutida na redução de grandes eventos cardiovasculares antes mesmo de qualquer perda de peso”, disse, em nota, o autor principal, Jorge Plutzky, do Brigham and Women’s Hospital, em Boston, membro do Comitê Diretor do Select. 

A classe de medicamentos GLP-1 simula as funções dos hormônios incretinas naturais do corpo, que ajudam a reduzir os níveis de açúcar no sangue após uma refeição e fornecem um sinal de saciedade ao cérebro, ajudando os pacientes a reduzir a ingestão diária de calorias e promovendo a perda de peso. Os autores do estudo destacaram que o Select não foi um estudo sobre prevenção cardiovascular, pois todos os pacientes tinham histórico de doença cardíaca e estavam em alto risco.

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Escrito por
Jeová Rodrigues

Jornalista

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