Comerciantes criticam atraso nas obras do túnel no centro de Taguatinga
Construção interdita principal via do centro da cidade e tem incomodado quem precisa passar pelo local todos os dias. Lojistas da região tiveram perdas de 70% nas vendas: muitos pensam em fechar as portas devido à demora
A demora das obras do Túnel de Taguatinga, iniciadas em julho de 2020, tem perturbado moradores, comerciantes, usuários do metrô, pedestres e motoristas que passam pela região diariamente. Previsto para ser entregue em junho do ano passado, o empreendimento teve o tempo de contrato expandido e, agora, a conclusão deve ocorrer, possivelmente, no segundo semestre de 2022. A princípio, o túnel custaria R$ 200 milhões, mas o Governo do Distrito Federal (GDF) estima que o preço total ficará em R$ 275 milhões. O Tribunal de Contas do DF (TCDF) apura superfaturamento em dois itens da construção.
Um longo tapume foi erguido para isolar o canteiro de obras e interditou boa parte da Avenida Central, uma das principais vias de Taguatinga, por onde circulam 26 mil veículos todos os dias. A rua tem origem na EPTG, e segue pela Avenida Elmo Serejo e faz a ponte entre o Plano Piloto e a Ceilândia, além de servir de caminho para Samambaia, Águas Claras, Guará e adjacências. A construção do túnel fechou um dos lados da Avenida Central e interrompeu o fluxo de veículos no sentido Ceilândia-Plano Piloto.
Além de desvios no trânsito, a obra complicou a circulação de pedestres, já que a entrada principal da Estação Praça do Relógio do metrô na Central está fechada. Não é possível atravessar de um lado a outro da Avenida Central — por conta do tapume — e quem precisa cruzar a via tem de fazê-lo pela Avenida Comercial, perpendicular à Central. Os transtornos não afetam apenas a região central e alcançam todas as áreas próximas à construção.
Trânsito
Segundo a Secretaria de Obras, apenas um trecho de 250m da Avenida Elmo Serejo está interditado atualmente e a previsão é de que dure 40 dias. Na próxima semana, duas faixas, também de 250m cada, serão fechadas na Central, após o cruzamento com a Comercial. “Em ambas as situações, não se fez necessário desvios de trânsito, uma vez que parte das faixas de rolamento dessas vias permanece liberada para o tráfego de veículos”, informou, em nota, a pasta.
Quem usa o trecho, porém, discorda da explicação da secretaria. O trajeto entre Ceilândia e Plano Piloto, de ônibus, ficou até 25 minutos mais longo devido às interdições, porque é necessário passar pela Avenida Samdu e pela Avenida das Palmeiras para chegar ao destino. Moradores de Ceilândia relataram ao Correio que o fechamento da Avenida Central sobrecarregou a Elmo Serejo, gerando engarrafamentos até a altura do estádio Serejão. Raimunda Gomes, presidente da Associação de Moradores de Ceilândia e Entorno, reitera os relatos. “A situação está muito ruim, com muito engarrafamento, nos dois sentidos. Está muito complicado essa demora”, pede.
A situação também é dramática para os donos de estabelecimentos do centro de Taguatinga, conhecido pelo comércio tradicional, já que as interdições diminuíram a circulação de pessoas. Enquanto esteve no local, a reportagem presenciou a visita de um técnico da Neoenergia para cortar a rede elétrica de uma loja, por falta de pagamento. Sob um misto de indignação e tristeza, Cristhane Aguiar, dona de um comércio de calçados no mesmo local há 30 anos, conta ao Correio que praticamente “quebrou” desde o início das obras. O estabelecimento fica de frente à saída do metrô fechada por conta da construção.
Com isso, o movimento na área está praticamente zerado. “Esta é uma loja de família. Já cheguei a vender R$ 15 mil em um dia, hoje consigo, no máximo, R$ 25. Eu tinha cinco funcionários, hoje não tenho mais nenhum. Estou passando por uma situação que não desejo para ninguém”, entristece-se a comerciante, que chama de “desumana” a ideia de começar a erguer o túnel em plena pandemia da covid-19. “O governador foi completamente inconsequente e desproporcional, não teve um pingo de pena”, desabafa Cristhane, que está com o aluguel, de R$ 8 mil, vencido. O atraso na entrega da obra impacta diretamente no planejamento desses pequenos e médios empresários.
Tradição ameaçada
Além das dificuldades financeiras, a lojista tem lutado constantemente contra a falta de segurança. “Tem tido muito assalto e roubo. Fui ameaçada aqui dentro da loja com arma, arrombaram e levaram todo meu estoque. Trabalho sozinha, sem segurança nenhuma. Não tem policiamento”, reclama. “Não consigo pagar nem mesmo a internet do celular e estou devendo impostos. Estou vivendo com medo e apavorada. Estou com raiva, me sinto humilhada”, desabafa Cristhane, emocionada.
Wesley Alves, coordenador de uma farmácia de manipulação, calcula queda de 70% nas vendas por conta da construção. “Essa obra atrapalhou completamente o movimento da loja. Antes, formava fila para atendimento e tínhamos que distribuir senhas. Hoje, não temos clientes o suficiente”, conta. “A falta de estacionamento é outro problema e quem vem de ônibus precisa descer do outro lado (na Praça do Relógio) e atravessar até aqui”, relata o lojista, cujo estabelecimento também fica de frente para a passagem do metrô interditada pelas obras. “Estamos mantendo contato (com os clientes) por WhatsApp e fazendo entregas”, explica Wesley, quando perguntado sobre as estratégias para driblar as dificuldades.
Gerente de uma ótica da região, Wellyson Israel de Paiva também sentiu os estragos e percebeu queda de 40% nas vendas. “Isso porque temos muitos clientes fiéis. Muitas lojas aqui não resistiram e fecharam ao longo desse tempo”, conta. O comerciante pede agilidade na entrega do empreendimento. “A maioria das pessoas, quando descem do outro lado da avenida (Central), pensam que aqui está fechado (por conta do tapume). Sem falar que (o túnel) tinha a previsão de já ter sido entregue. Ficamos na expectativa para termos logo a normalização do comércio. Não está sendo fácil”, desabafa Wellyson.
Na Galeria Central, o clima também é de indignação. “Os clientes não estão aparecendo. Está difícil pagar o aluguel”, reclama Francisco Rodriguez, que mantém uma relojoaria no mall há 43 anos com a esposa, Rocilene de Souza Rodriguez. Eles perceberam diminuição de 70% na saída de mercadorias da loja. Devido à interdição dos estacionamentos causada pela obra do túnel, o casal precisou mudar de casa para se locomover ao trabalho de metrô. “Os engenheiros deviam ter pensado no comércio deste lado (oposto à Praça do Relógio) e ter feito uma passagem. Estamos tentando manter o ponto a todo custo. Na pandemia estava bem difícil, e bem quando retomou a circulação de pessoas, fecharam (a passagem). Aí acabou de vez. Se não abrir uma passagem aqui ainda neste ano, não vamos conseguir mais segurar as pontas”, chateia-se Rocilene.
Raimundo Macedo, que também tem uma relojoaria na galeria, reforça as observações dos amigos. “Muitos aqui quebraram e o movimento só vai voltar quando abrirem uma passagem (no tapume). As despesas não baixaram, muito pelo contrário, só subiram. O faturamento está lá embaixo, mal está dando para pagar o aluguel. Vai ser difícil recuperar”, preocupa-se o comerciante, no local há 47 anos.
Impactos
Francisco Camelo, presidente da Associação dos Micro e Pequenas Empresas de Taguatinga, procura manter a esperança. “A tradição do microempresário é de resistir a crises, e essa é mais uma. Quando o túnel estiver pronto, vai beneficiar todo mundo. O tempo que resta (até o fim da obra) é muito pequeno em relação ao que já passamos. Vamos resistir”, garante. Apesar de reconhecer as futuras vantagens do túnel, Justo Magalhães, presidente da Associação Comercial e Industrial de Taguatinga (Acit), admite as dificuldades causadas pelo atraso na entrega do empreendimento. “Toda a região do centro (de Taguatinga) está prejudicada, principalmente o lado sul, onde a maioria é de pequenos comerciantes. O lado norte tem empresas de maior porte”, explica.
Ao Correio, a Companhia do Metropolitano do DF (Metrô-DF) informou que, exceto pela interdição de um dos acessos da Estação Praça do Relógio, não houve nenhum impacto na operação dos trens devido às obras do túnel. A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) confirmou que “os ônibus de todas as linhas que passam pela Avenida Central de Taguatinga tiveram o percurso desviado para a Avenida das Palmeiras. O embarque e desembarque dos passageiros são feitos nos pontos de ônibus instalados ao longo do novo percurso.”
Três perguntas para / Riezo Almeida, coordenador do curso de ciências econômicas do Iesb
1) O que poderia ser feito para evitar prejuízos aos comerciantes?
As empresas estabelecidas no centro de Taguatinga poderão pagar o IPTU/TLP referentes a 2021 e 2022 a partir de março de 2023. Isso é suficiente? Não, pois os comerciantes dessa região estão com dificuldades para ofertar produtos e serviços, agravando os efeitos da pandemia da covid-19. A alternativa de comerciantes tem sido a busca por empréstimos, o que é ainda mais perigoso. Com os juros altos, a opção é negociar com os fornecedores descontos e prazos maiores para os pagamentos dos produtos em estoque, além da carência no pagamento do aluguel.
2) Como o atraso na entrega da obra afeta o planejamento dos comerciantes?
Devem seguir um plano de ação para minimizar os impactos financeiros imediatos do atraso, como evitar manter estoques elevados, que geram custos desnecessários, e negociar com os fornecedores o pagamento de contas. A dica fundamental é conversar com os fornecedores e com os credores, expondo a realidade atual e indicando que as medidas são provisórias.
3) É possível recuperar os prejuízos?
Sim, no médio prazo. Com a conclusão da obra, a tendência é o aumento do fluxo e da demanda por produtos e serviços. A dica é tentar migrar o negócio para um modelo de empreendimento na internet ou híbrido. Antes de pensar em qualquer tipo de estratégia e agir, o empresário tem de entender muito bem o próprio negócio.
Fonte: Correio Braziliense