Muita história para contar: Brasília tem uma comunidade de 300 centenários
Quando Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960, a expectativa de vida dos brasileiros era de 52 anos. Desde então, a perspectiva da longevidade avançou rapidamente. Na década de 1980, a média de vida no Brasil alcançou 62 anos. No ano 2000, esse número subiu para 69 anos, atingindo a marca de 75 anos em 2022, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nos últimos 10 anos, as pessoas passaram a viver mais. Conforme divulgado pelos dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados no ano passado, há 37.814 idosos com 100 anos ou mais no Brasil. Esse número representa um aumento expressivo de 67% em relação ao levantamento anterior, realizado em 2010.
Somente no Distrito Federal, há uma comunidade de 300 centenários, composta por 77 homens e 223 mulheres, de acordo com o IBGE. O Correio conheceu Percival Machado, natural de Palmeira das Missões (RS), que completou 100 anos na última quarta-feira, e Lourenço Tolentino da Silva, nascido em Unaí (MG), prestes a completar o 100º ano de vida em agosto.
A questão da longevidade
O envelhecimento populacional se trata de um fenômeno atual e inescapável. Entretanto, à medida que a população de idosos aumenta mundialmente, as demandas e direitos dessa população passam a ser responsabilidade, também, dos mais jovens. “Envelhecer não é sinônimo de doença”, ressalta Isabela Oliveira, gerontóloga e secretária-adjunta da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). “A questão é que temos um número maior de idosos do que jovens, e as cidades têm que manter espaços de contato social para os mais velhos, dentro e fora de casa.”
Para a especialista, é essencial pensar na longevidade como uma questão coletiva. “Uma das queixas recorrentes dos idosos é que eles se sentem invisíveis. Mesmo quando tem independência, eles não têm suas limitações respeitadas”, relata. Nesse sentido, o Estatuto do Idoso reforça a necessidade de um respeito integral ao ser humano em todas as fases de existência. “Para além das condições de saúde, como alimentação e atividade física, o comprometimento com vínculos saudáveis, que trazem positividade e resiliência, são fatores que contribuem para a qualidade de vida no envelhecimento”, destaca.
Um convite à capital
Entre 1959 e 1963, durante o mandato de José Luiz Adjuto Filho, prefeito do município de Unaí, Juscelino Kubitschek conheceu Lourenço Tolentino, um fazendeiro e comerciante nascido naquela região mineira. Por mais que não se lembre da data exata do encontro, seu Lourenço, aos 99 anos, recorda-se do momento em que o então presidente da República o convidou para morar na nova capital do país.
De camisa xadrez e cinto afivelado na cintura, o idoso, quase centenário, descreve em detalhes as peripécias do prefeito de Unaí, que estava determinado a entreter o ilustre convidado. “O nosso primeiro prefeito da cidade convidou todos os prefeitos de Belo Horizonte, de Patos de Minas, de Uberaba… ele era um homem formado e muito inteligente, e também convidou Juscelino para ir lá (em Unaí). Ele pegou o avião e foi. Como Unaí não tinha outras distrações, o pessoal amigo do prefeito se reuniu. Eu passei a noite toda com eles de bar em bar”, narra Lourenço, entusiasmado.
“Os bares não fechavam esperando Juscelino passar, então íamos de um para o outro, e o outro… com um conjunto de música tocando e ele cantando. Quando amanheceu o dia, tínhamos arrumado uma casa muito boa para ele ficar hospedado na rua onde eu morava”, ele prossegue, gesticulando: “Juscelino bateu a mão no meu ombro e disse: ‘Ô, Lourenço, o que você faz aqui? Vai embora para Brasília, preciso de pessoas como você lá, comigo.'”
A proposta instigou Lourenço, que decidiu levar, na época, os filhos para estudar na cidade recém-erguida. Quando se mudaram, ele comprou uma casa em Taguatinga Sul — a esposa, Nair Barbosa de Brito, morreu aos 87 anos, em 2016.
Atenta, Vânia Tolentino, 60, transmite as perguntas da reportagem ao pé do ouvido do pai, sempre falando um pouco mais alto. “Acho que a palavra para definir o meu pai é carismático. As pessoas gostam muito dele, então a casa está sempre cheia”, destaca a filha caçula. Não é à toa que receba tantas visitas, pois Lourenço tem 15 netos, 12 bisnetos e “centenas” de afilhados. “Ele e a minha mãe, eram muito convidados para serem padrinhos, não sei por quê. Esses afilhados vêm aqui, e trazem os filhos também”, conta.
Em sua vida social agitada, Lourenço cultivou duas paixões: o Flamengo, e o truco, ao qual dedicou uma estante inteira de troféus e medalhas. O dominó também é um dos passatempos preferidos, que joga diariamente com as visitas e a secretária Maria Helena Ferreira, 49. O idoso é leitor do Correio há duas décadas e, para não perder nenhuma atualização, risca e anota as folhas do jornal, para conversar sobre as notícias. “A minha vida foi e é, até hoje, uma novela”, brinca Lourenço.
Personagem conhecida
“Eu não escuto muito bem, principalmente quando é para pagar a conta”, provoca Percival Machado aos familiares, que não escondem o riso diante das piadas do idoso centenário. Ele confessou à reportagem que tinha muito receio, em sua juventude, de ficar idoso. “Normalmente, em uma idade desta, a pessoa está dependendo só dos familiares, porque não consegue fazer mais nada. Mas eu ainda penso em fazer negócios!”, comenta, animado.
Nascido em Palmeira das Missões, Percival mostra, orgulhoso, a foto de quando desfilou, em um distante 7 de Setembro, com a colheitadeira automotriz que o tornou pioneiro nas lavouras da cidade. “O problema era a venda do produto, porque não existia comércio, nem cooperativa. Para tirar o financiamento, tinha que andar 120 quilômetros até a cidade mais próxima”, recorda.
De seu pai, Percival aprendeu o gosto pelo ofício de comerciante e, com o passar do tempo, decidiu começar a viajar em busca de fazer bons negócios. Durante toda a vida, desempenhou atividades na agricultura, nas indústrias madeireira e têxtil, bem como nos setores de serviços, de restaurantes e de comércio.
Contemporâneo à construção de Brasília, o idoso diz que era cético sobre a nova capital. “Eu me perguntava ‘será que vai sair uma capital dessas?’ Não acreditava que hoje estaria assim. Naquela época tudo era mais difícil”, comenta. No entanto, em 1978, seu filho Lorival Machado, 72, começou a trabalhar em Brasília, e ele passou a visitá-lo todos os anos com a esposa, e se ambientou ao clima seco do cerrado.
Em quase 40 anos indo e vindo do Sul para a capital, Percival e esposa, Adalgisa Vieira, foram se afeiçoando à cidade, e decidiram se mudar, definitivamente, em 2006, para a 210 Norte. Na parede de sua casa, há uma reportagem do Correio, emoldurada, sobre o aniversário de 65 anos de casamento, comemorado em 2013. Lê-se: Ccomeçaram a namorar ainda jovens, na década de 1940: hoje, eles têm quatro filhos, 10 netos, e oito bisnetos.”
No mesmo ano de comemoração das bodas de platina, entretanto, Percival se tornou viúvo, e passou a morar “solito”, como ele diz. Há um ano, o filho Lorival reformou o segundo andar de sua casa para criar uma residência adaptada ao pai, que não deixa de tomar conta dos filhos, sempre com bom humor. “Estou começando a ficar velho”, ele admite. Foram 100 anos bem vividos, mas ele conta com a próxima festa de aniversário.
Com informações do Correio Braziliense
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