
Distribuição de recursos internacionais é desigual entre os países
Estudo sobre investimentos de entidades filantrópicas revela que países do Sul Global recebem apenas 12% dos fundos
Os efeitos das mudanças climáticas não distinguem raça, classe social ou gênero, mas os recursos para ajudar as vítimas dos desastres climáticos são compartilhados de forma desproporcional. Conforme dados de documento sobre investimentos de organizações filantrópicas elaborado pela Climática Consultancy, em parceria com o Fundo Casa Socioambiental, comunidades vulneráveis do Sul Global enfrentam mais dificuldades de acessar recursos financeiros para a adaptação e combate às mudanças climáticas do que as populações do Norte do planeta.
Segundo estudo, apenas 12% do financiamento climático global chega a países do Sul Global, apesar de serem os mais afetados pelos eventos extremos. No ano passado, o Brasil registrou mais de 11 milhões de hectares queimados na Amazônia e no Pantanal — o pior número em 10 anos e o dobro da área queimada em 2023. Do outro lado do país, mais de 180 pessoas morreram nas enchentes que destruíram o estado do Rio Grande do Sul, em maio de 2024.
A diretora-executiva do Fundo Casa Socioambiental, Cristina Orpheo, explica que os recursos da filantropia ambiental são oriundos de grandes fundações, a maioria do Norte Global. “Essas fundações fazem parte de grandes empresas, ou de grandes famílias bilionárias, todas muito bem consolidadas financeiramente. Nas discussões do clima, o Norte tem uma responsabilidade muito grande com o Sul, já que aqui sempre foi local de extração de riquezas para o Norte”, comenta. E vale lembrar que os primeiros a serem afetados por alguma tragédia ou desastre ambiental são comunidades isoladas, povos originários, mulheres, crianças, pessoas negras e LGBTQIA.
No campo da filantropia, de acordo com o estudo, um dos principais problemas do financiamento é a concentração de recursos em grandes grupos que, via de regra, não chegam até as comunidades que possuem as respostas mais eficientes para a proteção desses territórios. “Alguns até chegam a ONGs intermediárias e movimentos mais organizados, mas de nenhuma forma conseguem chegar à escala compatível com a demanda, às comunidades mais excluídas e vulneráveis que, ao mesmo tempo, compõem o principal grupo de proteção desses territórios”, apresenta o documento.
Para Orpheo, existe investimento na mitigação das mudanças climáticas por parte das organizações filantrópicas do Norte Global, em especial na região Amazônica. No entanto, a diretora aponta para a importância de olhar também para a agenda de adaptação às tragédias ambientais.
“Na agenda do clima, o interesse das fundações está mais voltado para a mitigação, para a ‘floresta em pé’, ou seja, são ações de combate ao desmatamento para tentar manter a temperatura do planeta. O interesse da filantropia ambiental é a manutenção da Amazônia”, explica a diretora. “Mas existe outra agenda que é tão importante quanto, que é a agenda da adaptação. Aqui, a preocupação é muito mais com os direitos humanos, com as populações que estão em áreas de maior risco de tragédias ambientais”, acrescenta.
Investimentos
De acordo com o levantamento, enquanto os investimentos globais em mitigação climática somam US$ 1,2 trilhão por ano, os recursos destinados à adaptação são significativamente menores — apenas US$ 21,3 bilhões em 2021, queda de 15% em relação ao ano anterior. Além disso, o relatório ainda aponta que 62% do financiamento global para adaptação é oferecido em forma de empréstimos, não doações, aprofundando a crise econômica em países já endividados.
Os fluxos financeiros deveriam aumentar de 10 a 18 vezes para suprir as necessidades de adaptação globais, já que os custos de adaptação são estimados em torno de US$ 215 bilhões a US$ 387 bilhões por ano para países em desenvolvimento nos próximos 10 anos, segundo o estudo. “Isso significa que há uma contradição no direcionamento do financiamento climático, visto que há necessidade financeira de aumento de recursos para adaptação ao mesmo tempo em que há um decréscimo no investimento neste tema no mundo”, acrescenta o documento.
O Fundo Casa Socioambiental faz parte da chamada filantropia comunitária. “A filantropia comunitária são aquelas organizações que chegam até as comunidades. São organizações que doam diretamente para projetos de adaptação do clima elaborados e propostos pelas comunidades, em que elas próprias são as protagonistas, as tomadoras de decisão”, explica.
A diretora entende que, na agenda climática, o campo da adaptação deve ser feito por meio de soluções locais. “Cada território tem um impacto de uma maneira. As comunidades e populações locais vão, ao longo do tempo, construindo soluções locais para enfrentar as mudanças climáticas. Essas soluções locais precisam de financiamento, essas comunidades precisam de financiamento. Infelizmente, o estado não chega em todo o território, promovendo ações de adaptação local”, afirma.
De acordo com Cristina Orpheo, as grandes fundações e os grandes fundos públicos não conseguem apoiar ou chegar a territórios afastados. “A filantropia comunitária desenvolveu toda uma tecnologia de abordagem, de apoiar esses grupos com uma linguagem muito mais simples, com menos burocracia e com o tempo de resposta mais rápido”, argumenta. “Dentro da agenda do clima, e aqui eu não falo só da filantropia do Norte, eu falo de todos os mecanismos das convenções, criar mecanismo para que esses recursos cheguem nas comunidades é muito importante, porque as populações locais e populações tradicionais são os maiores aliados para agenda do clima, mas eles precisam receber financiamento e precisa ser um montante que faça a diferença. A gente investe tanto em tanto outra coisa, mas quando o recurso vai chegar para as comunidades, são valores muito pequenos”, comenta Orpheo.
Ainda assim, não é todo lugar que políticas de adaptação são amplamente conhecidas e divulgadas. Conforme dados da Plataforma AdaptaBrasil, dos 5.570 municípios Brasileiros, 3.679 têm capacidade adaptativa baixa ou muito baixa a eventos extremos e desastres hidrogeológicos, tais como vendavais, ondas de calor, fortes ressacas marinhas, deslizamentos e inundações.
Dentro da filantropia comunitária, existem diversos grupos que fazem o trabalho de adaptação local. Dentre eles, está a Brigada Voluntária Guardiões da Cafuringa, que atua na prevenção e conscientização sobre incêndios na Área de Preservação Ambiental da Cafuringa, no Distrito Federal. O grupo, que recebe o apoio do Fundo Casa, trabalha por meio da educação ambiental e adaptação do meio local.
Segundo a voluntária Caroline Dantas, o trabalho do brigadista nas mudanças climáticas vai além do combate ao fogo. “A gente entende que o brigadista é uma ferramenta, é talvez a protagonista do manejo de incêndio do fogo. O nosso trabalho está muito mais para atividades que estejam integradas ao fogo de forma preventiva do que de fato ao combate em série. Por exemplo, atividade de educação ambiental, atividade de manejo, atividade de diálogo com as comunidades”, explica.
“A gente prioriza a prevenção antes do combate. Nesse período, por exemplo, que está chovendo no cerrado, o nosso trabalho prioritário é educação ambiental e a otimização dos recursos, para que no período de seca a gente tenha menos incêndio, com um trabalho de base na prevenção mais amplo”, elucida Dantas.
*Estagiária sob a supervisão de Rosana Hessel
Quer ficar por dentro do que acontece em Taguatinga, Ceilândia e região? Siga o perfil do TaguaCei no Instagram, no Facebook, no Youtube, no Twitter, e no Tik Tok.
Faça uma denúncia ou sugira uma reportagem sobre Ceilândia, Taguatinga, Sol Nascente/Pôr do Sol e região por meio dos nossos números de WhatsApp: (61) 9 9916-4008 / (61) 9 9825-6604.
- Bolsonaro faz ato em Copacabana por anistia a envolvidos no 8/1. Siga
- Gleisi redefine articulação política e fortalece diálogo com líderes do Congresso
- ‘A maior responsabilidade é trabalhar pela unidade do partido para que esse PED seja um momento de grande mobilização nacional’, diz senador Humberto Costa presidente interino do PT
- Trump ataca Iêmen, silencia emissoras e assina projeto para evitar paralisação do governo
- Papa Francisco diz que passa por ‘período de provação’ na mensagem do Angelus