Mobilidade urbana: especialistas apontam caminhos para serviço mais eficaz no DF
Maior integração entre modais, mais ciclovias, conexões de calçadas com terminais e estruturação das vias para que os ônibus circulem com mais fluidez são algumas soluções apontadas por especialistas
Trânsito parado: engarrafamentos são muito comuns em determinados pontos do DF, como em Taguatinga – (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Por Mila Ferreira, Adriana Bernardes, Carlos Silva*, José Augusto Limão* — A mobilidade urbana na capital do país é um desafio a ser superado no cotidiano de milhões de brasilienses. Ônibus e metrôs superlotados em horários de pico, falta de estacionamento e tempo excessivo gastos nos deslocamentos diários estão entre as maiores reclamações dos motoristas e usuários de transporte público. Especialistas ouvidos pelo Correio sugerem medidas estruturantes como forma de desafogar o trânsito, dar mais fluidez à mobilidade urbana e facilitar a vida dos moradores do Distrito Federal.
De acordo com a Secretaria de Transporte e Mobilidade do Distrito Federal (Semob), entre as ações em andamento estão as constantes criações, ampliações e melhorias nas linhas de ônibus. A Semob também inseriu no sistema os ônibus com portas dos dois lados para atender à população, com corredor exclusivo. A medida permitiu a utilização das paradas de ônibus do corredor central da EPTG, que passaram a operar com embarque e desembarque de passageiros.
Para Wesley Ferro Nogueira, secretário executivo do Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT), ainda é preciso aumentar a infraestrutura disponível para o sistema de transporte público. “Quando os ônibus do Entorno Sul (Cidade Ocidental, Luziânia, Novo Gama e Valparaíso de Goiás) foram liberados para circular no corredor do BRT em horários de pico, a viagem do passageiro foi reduzida em 30 minutos”, elogiou. Wesley, que também é conselheiro do Conselho de Transporte Público Coletivo do DF e do Conselho de Trânsito do DF, pontuou ainda que é preciso implantar mais faixas exclusivas, e a fiscalização precisa ser mais efetiva. “O corredor exclusivo da EPTG foi um ganho da população e isso foi percebido no mês passado, quando o DF, de forma equivocada, tomou a decisão de liberar o corredor para o trânsito de automóveis. Quando os carros passaram a circular naquela faixa, o tempo de viagem do passageiro aumentou significativamente. Faixas exclusivas com fiscalização e gestão são muito mais eficazes na melhoria da mobilidade do que a construção de viadutos”, analisou.
Integração
Outro ponto sugerido por Wesley Ferro é a conexão intermodal, isto é, a conexão entre calçadas e ciclovias com terminais. Dessa forma, o passageiro que anda a pé ou de bicicleta e não precisa pegar mais de um meio de transporte para chegar ao destino e ficar vulnerável no deslocamento. “A malha cicloviária é significativa, mas, em vários pontos, ela não tem conexão. A ligação entre a Torre de TV e a Esplanada dos Ministérios, por exemplo, precisa ser viabilizada. O bicicletário da Rodoviária do Plano Piloto precisa ser implementado”, destacou o especialista. “Deve haver um processo de integração otimizado e facilitado para evitar o desgaste do passageiro”, completou.
“Do ponto de vista funcional e logístico, os vários modais de transporte precisam primeiramente estar integrados. Precisam ser considerados dentro do escopo do layout urbano da cidade e a forma de integração deve considerar o pedestre, a bicicleta, o automóvel, o metrô e o ônibus”, pontuou Zuleide Feitosa, doutora em transportes e pós-doutora em políticas públicas de transportes. “As ações realizadas pelo GDF são simbólicas, pouco significativas. A carência de integração é expressiva, há necessidade de aumentar pontos de integração, ampliar vias exclusivas e a acessibilidade para ciclistas e pedestres. São demandas urgentíssimas”, concluiu Zuleide.
Segundo a Semob, a meta é, em breve, aumentar a malha cicloviária em mais 105km, fazendo a interligação de alguns dos trechos já existentes e também novos. Com esse acréscimo, a malha passará para 769,77km, podendo se tornar a maior do país. Hoje, o DF conta com a segunda maior malha cicloviária do Brasil, com 664, 77km de extensão.
A rede cicloviária está concentrada na área central de Brasília, onde, conforme especialistas, há uma circulação relativamente baixa de ciclistas. “Em regiões administrativas onde há grande circulação de pedestres e ciclistas, não há uma rede cicloviária suficiente, como, por exemplo, na Estrutural, no Itapoã e no Paranoá. A rede cicloviária precisa ser descentralizada para atingir todas as regiões administrativas do DF garantindo uma nova opção modal de circulação para a população e também para garantir uma integração com transporte público”, ressaltou Wesley Ferro. “É preciso construir calçadas que acessem terminais, pontos de ônibus, estações do metrô etc.”, acrescentou.
Com o objetivo de facilitar a integração de deslocamento de quem usa transporte público, o GDF disponibiliza bicicletas compartilhadas. São 70 estações e 530 bicicletas à disposição dos usuários. “Há concentração no Plano Piloto, sem perspectiva de expansão para outras regiões administrativas para que quem não tem bicicleta possa fazer o trajeto em distâncias menores. O ideal seria que o sistema de bicicletas compartilhadas fosse expandido para além do Plano Piloto e área central, principalmente para aquelas onde as viagens por modos ativos são bem representativas, atualmente. Além disso, o bilhete único do transporte público devia ser incorporado à bicicleta compartilhada, como forma de estimular a integração modal e o uso da bicicleta”, sugeriu Wesley Ferro.
Rodoviária do Plano Piloto
Há uma previsão inicial do projeto de concessão da Rodoviária do Plano Piloto onde devem ser investidos R$ 120 milhões, durante 20 anos pela vencedora do certame. O processo foi aprovado pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) e pelo Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal (Conplan) no mês de julho. A Semob esclarece que aguarda a aprovação da autorização legislativa que consta do projeto de lei 2260/2021, em tramitação na Câmara Legislativa do DF. Na sequência, dará seguimento ao processo de elaboração do edital de licitação.
“Defendemos que o espaço seja requalificado. A rodoviária precisa ser resgatada como um terminal de integração intermodal. É preciso que haja um centro de controle operacional que dê informação ao usuário”, disse Wesley Ferro.
O vigilante Leoncio Alves dos Santos, 34 anos, passa pela Rodoviária do Plano Piloto diariamente e se queixou da estrutura. “Além de pegar engarrafamento e passar cerca de três horas por dia dentro de ônibus lotados, a estrutura da rodoviária é muito precária e o local é muito inseguro”, reclamou.
A pasta explica ainda que a concessão, com prazo de 20 anos, tem por objetivo a melhoria da mobilidade de passageiros e veículos na rodoviária, por meio da adequação do modelo operacional do terminal. O projeto também abrange a recuperação estrutural de todo o complexo viário, além da reurbanização da plataforma rodoviária. No complexo rodoviário que será concedido por meio de parceria público-privada estão incluídos quatro estacionamentos, que ficam nas plataformas superior e inferior, próximos do Conic e do Conjunto Nacional, sendo cerca de 2.900 vagas que terão sistema de tarifa e rotatividade dos veículos.
O especialista Wesley Ferro observou que, no projeto de concessão da rodoviária, os recursos arrecadados com os estacionamentos irão para a empresa que ganhar a concessão. “A Política Nacional de Mobilidade Urbana é muito clara. Quando são utilizados instrumentos de gestão como a política de estacionamento, os recursos devem ser investidos na mobilidade urbana”, avaliou.
Carro x ônibus
Segundo análise feita pela doutora em transportes e pós-doutora em políticas públicas de transportes Zuleide Feitosa, o sistema de políticas públicas do Distrito Federal reforça o uso do automóvel na mobilidade urbana. “A competição entre ônibus e automóveis foi nutrida por esse sistema. Isso é um problema. A aquisição de automóveis não resolve o problema do tráfego. Há uma minimização da importância do ônibus, que acaba sendo um problema expressivo. Ainda assim, mesmo que o cidadão tenha noção de que o custo é muito alto para a aquisição e manutenção de automóvel, quem pode acaba optando por este caminho devido aos atrasos, às condições dos ônibus, à estrutura das frotas de ônibus”, afirmou a especialista.
Além disso, a escassez de estacionamentos é um problema crônico que atinge todos os brasilienses que andam de carro. O projeto Zona Verde pretende abranger cerca de 115 mil vagas no DF, sendo que a empresa contratada deve fazer a manutenção dos espaços e construir 6 mil novas vagas. “O projeto é necessário, mas os recursos precisam ser revertidos à melhoria da rede cicloviária, rede de circulação de pedestres e para o investimento em infraestrutura exclusiva para o sistema de transporte público. O fortalecimento e qualificação dos modais ativos estão expressos na Política Nacional de Mobilidade Urbana, até mesmo reduzindo o volume do subsídio feito com recursos públicos ou barateando as tarifas públicas”, apontou Wesley Ferro.
Com informações do Correio Braziliense
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