Oportunidades e desafios do uso da Inteligência Artificial
Uso da Inteligência Artificial é promissor em segmentos como a indústria e prevenção das mudanças climáticas, mas desperta preocupações quanto à desinformação. Especialistas avaliam tendências para o setor em 2025
São Paulo — O avanço tecnológico segue em ritmo acelerado e 2025 promete trazer inovações que impactarão profundamente diversos setores da economia. Neste cenário, o uso da Inteligência Artificial (IA) assume papel central, tanto oportunidades quanto desafios. Enquanto novas tecnologias transformam setores como produção industrial, de desastres naturais e saúde, questões como segurança da informação e capacitação profissional se mantêm no centro das discussões.
As tendências para o setor foram apresentadas na 24ª edição do Futurecom 2024, maior evento de tecnologia, conectividade e inovação que acontece na América Latina. O encontro este ano adotou o tema “Brand New World on the Edge — A conectividade e as novas relações pessoas-máquinas”.
A Indústria 4.0 usa tecnologias digitais para desenvolver soluções inteligentes, eficientes e adaptáveis. IA é a base dessa revolução industrial, permitindo o uso de aprendizado de máquina e a mineração de dados para criar fábricas conectadas e inteligentes.
Essa transformação torna os processos produtivos mais ágeis, automatizando tarefas repetitivas e perigosas, deixando espaço para o ser humano focar em atividades mais criativas e estratégicas. A IA assume protagonismo ao possibilitar o processamento de grandes volumes de dados quase em tempo real, identificando padrões que ajudam a otimizar a produção e reduzir custos.
Contudo, os desafios permanecem, especialmente relacionados à segurança da informação e à ética no uso da IA, exigindo qualificação de profissionais para implementar essas tecnologias com sucesso. Para o diretor da Futurecom, Hermano Pinto, a tecnologia está se transformando rapidamente e prometendo impactar diversos setores. Ele destacou a aplicação em áreas como mobilidade urbana.
“O uso de semáforos inteligentes, por exemplo, como uma aplicação prática da IA, voltada para otimizar o tráfego e tornar o trânsito mais eficiente, pode ser uma opção para São Paulo. Contudo, para que essa tecnologia tenha um impacto verdadeiramente amplo, é preciso analisar o efeito cumulativo de todas as soluções em toda a cidade, e não apenas em pontos isolados”, avalia.
Desinformação
Segundo Hermano, o maior valor da IA a curto prazo está na sua capacidade de usar dados em larga escala para tornar processos mais eficientes. No entanto, a vantagem traz novos desafios, como o risco de desinformação. “As IAs são treinadas com grandes volumes de dados da internet, o que pode incluir informações falsas ou inconsistentes. Você coloca lixo para dentro, e a IA gera lixo para fora”, destacou, ao reforçar a necessidade de verificação de dados.
Para o diretor da Futurecom, a crescente popularidade de ferramentas como o ChatGPT tem levantado preocupações sobre a qualidade das informações que esses sistemas geram. O especialista citou um levantamento feito pela IA, que mostrou que 10% do consumo de energia de São Paulo era proveniente de data centers — o que é uma informação incorreta.
Esse erro, segundo ele, provavelmente foi gerado pela má interpretação de dados pela IA, exemplificando como a falta de filtragem adequada pode levar à disseminação de fake news.
Para o professor de Engenharia de Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e membro do IEEE, Marcos Simplício, um dos problemas dessas ferramentas é que ninguém sabe a origem os dados. “Enquanto as pessoas usavam dados apenas para fazer o treinamento, estava tudo certo. Pois ninguém tinha pensado em colocar notícias falsas para colocar isso dentro do treinamento de IA”, pontuou.
Ele alerta que as ferramentas correm o risco de estarem sendo treinadas para disseminar mentiras e o monopólio de detenção de tecnologias é um grande risco. “A partir do momento que pensaram em introduzir mentiras, como ‘vacinas matam’ dentro de IAs generativas, como o ChatGPT, começaram a treinar IAs para falar e disseminar na sociedade a mentira para a sociedade”, disse.
“Há um tempo atrás, li a notícia de um cara que havia comprado um conjunto de domínios, o equivalente a 30% da base de treinamento do ChatGPT. Se ele quiser mandar fazer a plataforma falar ‘qualquer groselha’, é só colocar nos sites que são dos domínios dele, e a IA vai pegar esse banco de dados e treinar”, explicou Simplício.
De acordo com o professor, lidar com esse tipo de ataque é uma tarefa complexa. Ele destacou o trabalho que está sendo desenvolvido em parceria com o Google. A big tech está instalando, na Universidade de São Paulo (USP), um centro de pesquisa focado em segurança cibernética, com o objetivo de aprofundar estudos sobre a interface entre tecnologia e segurança da informação.
O especialista apontou que, além da dificuldade em definir o que é desinformação, há o problema de determinar quem é a fonte confiável. Simplício ilustrou a questão com exemplos polêmicos: “Lula é melhor que Bolsonaro” ou “Bolsonaro é melhor que Lula”. Nesses casos, a verdade depende de opinião. Já no caso de informações como “a vacina mata”, a desinformação é mais clara, mas ainda assim, identificar e controlar essa mensagem é complicado.
Em meio às preocupações sobre a ética no uso dessas tecnologias, especialistas alertam que é fundamental educar as pessoas para que tenham senso crítico ao utilizarem modelos de IA, especialmente diante de erros ou informações imprecisas que esses sistemas possam gerar.
De acordo com Esther Colombini, membro do IEEE e professora de robótica e IA na Unicamp, embora a IA traga benefícios, é crucial que os usuários compreendam suas limitações e saibam como avaliar a veracidade das informações fornecidas.
“Esse esforço educacional se estende tanto para usuários comuns quanto para a academia e a indústria, que devem continuar trabalhando para desenvolver IA mais sustentável e ética. Modelos que ajudem a mitigar vieses e preconceitos e que possam ser aplicados de forma mais justa serão essenciais para uma implementação adequada”, disse Colombini.
Prevenção climática
Outra aplicação inovadora da IA está na capacidade de prever e mitigar os impactos de desastres naturais. Utilizando dados de estações meteorológicas e radares, a IA pode fornecer previsões mais rápidas e precisas do que os modelos tradicionais. A recuperação de áreas afetadas também se torna mais eficiente com o uso da IA, que automatiza tarefas de mapeamento e avaliação de danos, facilitando a reconstrução de regiões devastadas por desastres.
Essa capacidade de aprendizado contínuo, adaptando-se às condições em tempo real, será uma das tecnologias mais importantes até 2025 no enfrentamento das mudanças climáticas. O pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do IEEE Euclides Chuma afirmou que na mitigação dos desastres naturais, as IAs podem ser utilizadas em drones, robôs e veículos náuticos para torná-los autônomos durante o processo de localização e resgate de vítimas, sem colocar a vida de socorristas em risco.
“No caso de uma inundação, drones com IA podem identificar vítimas por meio de imagens e câmeras termais. Ele enviam a localização da vítima de inundação para um veículo náutico, que vai até a vítima para realizar o resgate. Tudo de modo autônomo e sem colocar a vida dos socorristas em perigo”, exemplificou.
Digital Twin
No setor da saúde, uma das grandes tendências para 2025 é o uso da IA aliada ao conceito de gêmeo digital (Digital Twin). Essa tecnologia permitirá criar simulações virtuais de ambientes de saúde, como hospitais ou unidades de pronto atendimento (UPAs), otimizando o fluxo de pacientes e reduzindo custos. O gêmeo digital simula o espaço físico, permitindo que gestores testem novas ideias e soluções antes de aplicá-las no mundo real.
Segundo a professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e membro do IEEE Cristiane Pimentel, a IA será cada vez mais usada para uma abordagem preventiva de doenças. “Centros de pesquisa estão usando IA para estudar padrões de saúde e prever doenças antes que se manifestem, tornando os tratamentos mais eficazes e personalizados. Com essa tecnologia, será possível evitar intervenções desnecessárias e melhorar a eficiência do atendimento, poupando vidas e recursos”, afirmou.
O uso abrangente da IA exige um equilíbrio entre inovação e ética. Em meio às incertezas sobre o futuro da tecnologia, a automação continuará moldando o futuro, exigindo adaptação constante e preparação para o que está por vir.
*A repórter viajou a convite do Futurecom
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