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Ainda Estou Aqui: um alerta contra o extremismo

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Especialistas ouvidos pelo Correio ressaltam a importância do filme, que reforça as advertências para o risco que o país correu com uma recente tentativa de golpe, embalada por narrativas que edulcoraram a ditadura militar

Com três indicações ao Oscar, incluindo o de melhor filme e o de melhor atriz para Fernanda TorresAinda Estou Aqui transcende o cinema ao tornar-se um manifesto contra o autoritarismo e um chamado à vigilância. A obra, dirigida por Walter Salles, revisita os horrores da ditadura militar brasileira e reforça os alertas sobre a fragilidade da democracia. Isso um ano depois de o Brasil ter vivido as tensões de uma tentativa de golpe de Estado, na sequência de um período em que tentou-se construir uma imagem positiva sobre a ditadura militar.

Especialistas ouvidos pelo Correio destacam o momento político, dentro e fora do Brasil, em que a defesa do autoritarismo não é feita mais de forma envergonhada — tal como o gesto do bilionário Elon Musk, em um discurso no qual celebrava a volta de Trump à Casa Branca, que foi interpretado como uma saudação nazista. Para eles, Ainda Estou Aqui serve para lembrar a violência da ditadura militar, cuja imagem o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro se empenhou para redesenhar.

Saudosismo

Para o cientista político Leonardo Paz Neves, que atua como analista de inteligência qualitativa no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional (NPII) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ainda Estou Aqui chega em um contexto de “saudosismo pelo regime militar”, agravado pelas acusações de envolvimento de integrantes das Forças Armadas em tentativas de golpe de Estado entre 2022 e janeiro de 2023. “O filme é um alerta sobre como os regimes autoritários destroem famílias e perpetuam crimes que ecoam por gerações. Resgata a memória de um período que muitos preferem ignorar, mas que é essencial para entendermos os riscos do presente”, ressalta.

Segundo Leonardo, o filme não só chama a atenção para os perigos do autoritarismo, mas, também, provoca uma discussão sobre a responsabilidade da sociedade em resistir ao discurso antidemocráticos que se espalha pelas redes sociais. “É essencial que as pessoas reconheçam os sinais de alerta. O autoritarismo não chega de forma súbita, mas, sim, com discursos que parecem inofensivos e ganham força quando não são contestados. Esse filme é um lembrete de que precisamos agir antes que seja tarde demais”, observa.

O professor de Relações Internacionais José Niemeyer, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), define Ainda Estou Aqui como “um bálsamo” em tempos de desinformação. Para ele, em tempos de fake news nos quais a informação é manipulada, e novas gerações são influenciadas por essas distorções, o filme vem como uma ferramenta na luta contra os discursos de ódio e as mentiras sobre a ditadura brasileira.

“Vivemos em um mundo inundado por fake news, onde as pessoas perdem a capacidade de analisar os eventos historicamente. O filme nos lembra de que as liberdades políticas são conquistas frágeis, que devem ser protegidas a todo custo”, adverte.

Niemeyer acrescenta que a enxurrada de informações, mentirosas ou não, também contribui para uma espécie de “amnésia histórica”. “Com tanta informação sendo consumida diariamente, esquecemos de contextualizar os eventos do presente com as lições do passado. O filme nos reconecta com a história, para que possamos compreender melhor o tempo atual”, frisa.

Potencial educativo

Um dos maiores méritos de Ainda Estou Aqui, segundo Niemeyer, é seu potencial educativo. Ele acredita que o filme será amplamente utilizado em universidades e outras instituições de ensino como ferramenta para estudar a história política brasileira, o contexto internacional no qual a história se passa e compará-lo com o cenário atual da geopolítica mundial.

“O filme faz uma ponte entre cinema e política, ajudando as novas gerações a entenderem os perigos do autoritarismo e a importância de proteger a democracia”, afirma, acrescentando que a capacidade do filme de dialogar com as novas gerações vai além do contexto brasileiro.

“Embora tenha raízes no Brasil, o impacto da obra transcende fronteiras. Em um mundo cada vez mais globalizado, pode ser usado como ferramenta para discutir os efeitos do autoritarismo na América Latina e até em outras regiões que enfrentam desafios semelhantes”, conclui.

A necessidade de educar as novas gerações é enfatizada por Silvia Souza, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ela alerta para o aparecimento de figuras extremistas no país.

“Estamos cercados por personagens que flertam com o autoritarismo e muitos não têm ideia dos perigos que isso representa. É essencial estarmos vigilantes para que nossa democracia não volte a ser ameaçada”, observa. Ela também considera Ainda Estou Aqui um marco essencial na luta contra o negacionismo.

“O filme escancara uma história que tentaram apagar, mostrando a violência institucionalizada, a impunidade e as tentativas de destruir documentos e silenciar vítimas. Traz à tona a importância de revisitar o passado para que erros como esses não se repitam”, afirma.

Para Silvia, a arte cumpre um papel de popularizar histórias que, muitas vezes, permanecem restritas a círculos acadêmicos e políticos. “O cinema tem essa capacidade única de traduzir temas complexos e transformá-los em mensagens acessíveis a todos. Ainda Estou Aqui consegue escancarar verdades incômodas sobre o período da ditadura, ao mesmo tempo em que nos força a questionar como estamos lidando com as ameaças atuais à democracia”, completa.

Mas, segundo Patrícia Marins, cientista política e gestora de crises do MeeToo Brasil, Ainda Estou Aqui alcança um espectro mais amplo: insere o país em uma discussão internacional sobre direitos humanos e justiça social. “É um tapa na cara de quem tenta reabilitar a ditadura como modelo de ordem. Mostra que a democracia é um processo contínuo, que exige vigilância e engajamento constantes”, salienta.

Patrícia destaca que o filme põe o Brasil em destaque em um momento de reconfiguração do cenário político global, pois não retrata só os traumas da ditadura brasileira — aponta o país como um exemplo de como as sociedades podem enfrentar medos históricos.

“Isso é especialmente relevante em um momento em que as democracias estão sendo desafiadas por líderes populistas ao redor do mundo. Ao abordar questões universais, como autoritarismo e resiliência, o filme nos lembra que essas ameaças não são exclusivas do Brasil. É uma mensagem poderosa para o mundo”, acredita.

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Jornalista

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