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10 mil postos de trabalho disponíveis na área rural do Distrito Federal

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Ao CB.Agro, engenheiro florestal pela UnB e produtor de alimentos orgânicos destaca que carência de mão de obra no campo pode gerar um colapso na agricultura do DF em breve. “Você produz bem, ou quer produzir, e não tem quem plante”

A falta de mão de obra para o agro pode causar um apagão na agricultura do Distrito Federal, disse Joe Valle, engenheiro florestal pela Universidade de Brasília (UnB) e produtor de alimentos orgânicos. Em entrevista aos jornalistas Roberto Fonseca e Arthur de Souza, no programa CB.Agro — parceria entre o Correio e a TV Brasília — de ontem, ele falou que existe carência de, ao menos, 10 mil postos. Os impactos das mudanças climáticas para a agricultura também foram debatidos.

Estamos com carência de mão de obra no agro do Distrito Federal. A gente corre o risco de ter apagão de funcionários no agronegócio?

Eu falava que ia ser nos próximos cinco anos. Agora acho que vai ser bem menos. Esse apagão vai significar, inclusive, as pessoas fecharem fazendas e empresas. Você produz bem, mas não tem quem colha. Você produz bem, ou quer produzir, e não tem quem plante. Tem o frango para ser pego, mas não há quem faça isso na hora certa. Isso vai gerando um problema muito sério. Estamos vivendo isso, efetivamente. Aqui no Entorno, especialmente na região do PAD-DF, onde você tem essa pujança do agro rodando, 80% das pessoas são de fora. São trabalhadores que migram para o DF por um período, trabalham e depois voltam para a sua cidade de origem. Estou falando de um contingente que hoje apresenta uma carência de cerca de 10 mil postos de trabalho na área rural do DF.

Qual o motivo dessa carência? É o salário ou a função que não é atrativa? Onde está o problema?

Estamos trabalhando muito nisso e agora estou me dedicando a formar jovens. Temos o objetivo de formar 10 mil jovens daqui para frente. Estou tentando aprender, porque passamos por um momento de uma geração que é feita de um material diferente. Na área rural, o trabalho é mais duro. Você pega uma enxada, trabalha debaixo do sol e da chuva. Isso mesmo com todos os equipamentos que temos atualmente, pois precisamos nos adequar cada vez mais à questão trabalhista. E o problema não é só se adequar por lei. Se você não fizer um bom ambiente para dormir e se alimentar, por exemplo, as pessoas nem começam. Hoje, todo mundo quer conforto, o que é normal, real e tem que ser assim. Não existe mais aquela coisa do espaço do peão. E ainda há o aspecto do campo duro, de estar à intempérie, com o problema da chuva e do sol, e a dureza do trabalho. Além dos atrativos de consumo da cidade, como shopping center, cinema e restaurante. As pessoas, principalmente os jovens, são muito atraídas pela cidade.

E os salários?

Temos níveis de salários muito interessantes no campo. São extremamente atrativos, com todas as questões trabalhistas colocadas: carteira assinada, férias, décimo terceiro, hora extra, ou seja, todas as garantias que são mais do que obrigatórias, necessárias e justas. Mesmo assim, esse deslocamento da distância é bem duro. Aqui no DF, temos um programa em andamento chamado Caminhos da Escola, para chegar a todas as escolas rurais por asfaltamento, que vai permitir também todo esse circuito reverso. Então, quando chega o fim de semana, quem mora no núcleo rural quer vir ao shopping. Vamos ter ônibus aqui. Os meninos querem ver um filme, uma internet de boa qualidade, algo que ainda não tem na área rural.

Você dá aula para filhos de agricultores familiares, não é? Poderia falar sobre isso?

Dou aula todos os sábados. São turmas de 25 alunos, de 19 a 25 anos, e é gratuito. Claro que é só para filhos de agricultores familiares, que moram na roça, ou quem morou na roça e está morando na cidade, para, assim, resgatar esse menino para voltar para lá. Tem sido muito interessante trabalhar nessa dimensão. Estamos trabalhando em um movimento que envolve 100 mil jovens pela água. Então, eu tenho o empreendedorismo rural sustentável, um modelo de gestão que hoje divulgamos no Brasil inteiro, que é o modelo Toyota no agro, que é o agro mais lindo. Estamos em uma escola, uma cooperativa de ensino nisso, que atua no Brasil inteiro.

E quais problemas a falta de chuva causou no agro?

Agricultura sem água não existe. Aliás, vida sem água não existe. Lá em casa foram 170 dias. Aqui foi quase o mesmo período. Na semana seguinte aos 170 dias sem precipitações, choveu 100 milímetros.

Como o excesso dessa chuva pode atrapalhar a produção? Pois em 18 dias de outubro já choveu mais do que o esperado para o mês todo.

Eu tenho uma chuva de 100 milímetros. Isso significa que choveu 100 litros de água por metro quadrado. Dependendo do tempo, essa água não se infiltra por conta da quantidade que cai em um curto espaço de tempo. Começa a ter um monte de problemas, especialmente para os produtores de hortaliças, como eu. As hortaliças têm uma sensibilidade a isso. Percebemos que, no verão, é natural elas subirem de preço, porque produzem menos por causa da umidade e do calor.

Quais problemas são causados quando temos esse volume de chuva em um período curto e em áreas específicas?

Isso foi o que aconteceu no meu caso. Eu posso até ter a mesma quantidade de chuva, mas muito mais concentrada é um desastre. Estamos nos adaptando nesse processo, isso realmente prejudica e diminui a produtividade das culturas.

Vivemos a maior seca da história do DF e agora estamos no período chuvoso. Sabemos que os efeitos no campo surgem na safra seguinte. Corremos algum risco de ter um problema na safra do ano que vem?

Corremos sempre risco, porque são mudanças que estão ocorrendo muito rapidamente. Eu tive, por exemplo, queima de folha de hortaliça, nunca tinha tido isso. É algo impressionante. Corremos risco, sim. Temos hoje uma organização de produtores, a nível de PAD-DF, para trabalhar com bacias hidrográficas, pois estão todas estranguladas. Há uma diminuição efetiva da quantidade de água. Então precisamos trabalhar nisso.

O que fazer para mitigar esses efeitos?

Primeiro, educação forte. Temos trabalhado com esses 10 mil jovens para conscientizá-los sobre como segurar toda a água possível dentro de suas propriedades. Temos os programas de microbacias, de pagamento por serviços ambientais, que ainda precisam avançar muito, pois a água é fundamental para todos. Estamos no berço das três grandes bacias brasileiras e precisamos tomar todos os cuidados possíveis para preservar a água efetivamente na capital da República. Imagina um dia em que um senador for puxar a descarga e não sair água. É um risco que corremos. E essas mudanças climáticas, da forma como estão, seja por sobrecarga, desbalanço, seja por queimadas, podem ser o nosso Armagedom.

Esta semana o presidente Lula anunciou dois programas voltados basicamente para alimentação saudável do brasileiro. Poderia falar um pouco sobre eles e o que representam?

Foi um evento fantástico, com seis ministérios muito importantes, como os da Agricultura, Saúde, Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento Agrário, Agricultura Familiar, entre outros. Isso mostra a importância que a alimentação tem. Eu digo que a alimentação deveria ser a prioridade de tudo, porque é a base da saúde pública. Se eu trabalho com alimentação de forma a garantir segurança alimentar efetiva, nutricional e alimentar, estou fazendo um investimento gigante em saúde pública. Esses dois programas vêm resgatando muitos valores do passado, que haviam sido perdidos, e implementando recursos necessários para que isso chegue na ponta. Efetivamente, quando vemos um programa desse tamanho, que teve uma grande mobilização, sabemos de todos os gargalos e que é um processo que demanda muita educação. Eu diria que vai demorar uns dois anos. Precisamos ter esse cuidado, mas é necessário esse lançamento. Esses dois programas têm a capacidade e característica de atacar de frente a fome.

Quais são os nomes dos programas e para que são voltados?

O primeiro programa é o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar “Alimento no Prato” (Planaab), voltado para combater a fome com alimentação saudável em todo o Brasil. O segundo é o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), que especifica e amplia a produção de alimentos orgânicos de base agroecológica, aqueles produzidos segundo a norma brasileira de agricultura orgânica. E o que é necessário para que todos produzam? Tecnologia. Então, há um incentivo à tecnologia, à pesquisa, ao crédito. Especialmente, voltado para o pequeno agricultor e à agricultura familiar, que é efetivamente algo que vai resolver e que melhora muito a condição. O que precisamos é efetividade. Eu tenho eficácia e eficiência, mas e a efetividade? Quer dizer, chegar na ponta. Esse é um esforço concentrado e por isso acho muito importante ter lá — nos programas — seis ministérios e o presidente — Lula — falando efetivamente para que isso possa se tornar realidade. Porque, senão, não vira realidade. Vamos ver virar narrativa, mas não chega realmente à mesa do brasileiro. Esses projetos precisam chegar ao produtor do alimento, produzi-lo, trabalhá-lo e depois chegar à mesa do consumidor. O Pnapo também está ligado ao consumo e ao consumidor. Ele trabalha todo o marketing relacionado a isso para poder gerar valor nesse alimento. Não preço, mas valor, para que as pessoas queiram se alimentar deles também.

*Estagiário sob a supervisão de Eduardo Pinho

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