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Home office e os desafios da organização sindical

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Parte 1: “O mundo que sai da pandemia não cabe mais no nosso modelo sindical”

Carmem é o nome fictício de uma assessora de comunicação do Distrito Federal que migrou para o trabalho em domicílio, o home office, desde o início da pandemia da covid-19, há um ano e sete meses. Com medo de integrar o grupo dos 15 milhões de desempregados, ela prefere não dizer o nome, mas sobram relatos das marcas deixadas pelo novo regime de trabalho imposto.
Nesse um ano e sete meses, foram raros os momentos em que Carmem não está conectada às atividades do trabalho. “Não para de chegar mensagem. Pode ser sete da manhã ou onze da noite. Tem demanda o tempo todo. E como que a gente diz não diante de um cenário desse de desemprego generalizado?”, pergunta retoricamente.
Enquanto mulher em um sistema patriarcal, os poucos minutos de folga que Carmem tem são dedicados aos afazeres domésticos e aos cuidados com o filho de quatro anos. Todos os outros são em frente a uma tela de computador que fica em desnível com a cadeira de escritório velha demais para segurar na altura certa. “Sempre fico com dor nas costas. Acho que a cadeira está muito baixa”, comenta. Entretanto, é o sofrimento psicológico que mais dói na mulher, mãe e trabalhadora de 37 anos.

Sem muita noção de tempo, Carmem diz que chora quase sempre. Ela sente uma “estafa constante, uma tristeza profunda, uma irritação infundada”. “Parece que está tudo ruim, e eu nem sei explicar muito bem o que é”, diz pelo telefone. Com a voz amuada, ela conta que “tem muita coisa que queria mudar no trabalho”, mas diz que “muita gente da empresa foi trocada, que ela não conhece pessoalmente praticamente ninguém” e que “é difícil compartilhar medos e pensar estratégias de mudança com quem nunca se viu cara a cara”.
Carmem é uma das milhares de trabalhadoras acometidas pelos graves problemas do home office, que ataca direitos trabalhistas e nocauteia o modelo sindical vigente no Brasil.
Distante mais de mil quilômetros de Carmem, o presidente da CUT Brasil, Sérgio Nobre, disse, no último dia 20 de outubro, para milhares de pessoas do país inteiro: “o mundo que sai da pandemia não cabe mais no nosso modelo sindical”. E a fala, não direcionada especificamente à assessora de comunicação do DF, dialoga diretamente com essa e de tantas outras trabalhadoras e trabalhadores.

“O home office, que foi acelerado durante a pandemia, é uma realidade. Há categorias (de trabalhadores) em que 60%, 85% está em home office. Portanto, o lugar de trabalho mudou: não é mais o escritório, não é mais a fábrica; passou a ser o lar. Isso não é uma transformação pequena. Significa que hoje, ao chegar no local de trabalho, nós vamos falar para 15%, 20% dos trabalhadores. Bairros passam a ser um local de atuação dos sindicatos. Mas não é uma mudança só de espaço. Isso vai exigir do movimento sindical uma mudança de comportamento e também de atuação”, discursou Sérgio Nobre na abertura da 16ª Plenária Nacional da CUT, dedicada a discutir a organização sindical diante no novo mundo do trabalho que emerge. 
Em uma conjuntura marcada pelo retorno da fome aos lares e pela morte de mais de 600 mil pessoas para a covid-19 – muitas delas que poderiam ter sido evitadas, não fosse o esquema de corrupção que atrasou a chegada de vacina no Brasil –, dirigentes sindicais de todo o Brasil se debruçam para pensar a (re)organização das diversas categorias de trabalhadores que antes se encontravam todos os dias, no mesmo horário e no mesmo local de trabalho.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, o Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal (Sintrajufe-RS) resolveu criar espaços virtuais para a categoria interagir. “Entre nossas várias atividades, realizamos muitos grupos focais, que são reuniões de acordo com o tema. Fundamos, por exemplo, um grupo focal de literatura”, lista a diretora do Sindicato Cris Viana.
Ela conta que a dificuldade de entrar em contato com a categoria após a massificação do home office foi uma das maiores barreiras para o Sintrajufe-RS, e que o problema mais relatado por aqueles que procuravam o Sindicato tratava de doença psicológica, ocasionada pelo novo regime de trabalho. “Chegaram muitos casos de trabalhadores com adoecimento mental gerado por estarem dentro de casa, isolados. Teve gente que, só de imaginar que ia ter que acessar o computador para trabalhar, tinha pânico. Tivemos muito atendimento em relação a isso”, relata. 
No caso dos professores da rede pública de ensino do DF, a tecnologia também foi utilizada como principal ferramenta de manutenção da organização da categoria. “Mantivemos a luta nas redes, e a categoria respondeu bem a isso. Foram centenas de lives, reuniões setoriais, programas de TV, campanhas; tudo pela internet. Também realizamos algumas assembleias virtuais e conseguimos ter ampla participação da categoria. Mas a nossa reinvenção teve que ser ágil. Estávamos acostumados a organizar a categoria com conversa presencial, com visita aos locais de trabalho; e, de repente, nos vimos com a categoria dando aula remota – totalmente necessária naquele momento”, conta a coordenadora de Imprensa e Divulgação do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF) Letícia Montandon.

A secretária de Comunicação da CUT-DF, Ana Paula Cusinato, afirma que as ações mediadas pela tecnologia foram uma realidade de todo movimento sindical. “Não há outra saída. É utilizar a internet, redes sociais, ou ficar isolado. Pelo menos na base cutista, a principal forma de organização da categoria foi com lives, reuniões online, mensagens de whatsapp. O grande problema é que há uma carência muito grande no Brasil quanto ao acesso à internet. O trabalhador não tem plano de dados pra ficar olhando internet o tempo todo. Isso é caro. As pessoas não têm dinheiro nem pra comprar comida”, contextualiza.

Segundo a TIC Domicílios 2019, lançada em maio de 2020, embora o aumento no número de usuários de Internet tanto no meio urbano como rural, 47 milhões de pessoas seguem desconectadas. O estudo ainda mostra que o celular é o principal dispositivo para acessar a Internet, principalmente na classe DE, onde 85% dos usuários usa exclusivamente este equipamento para se conectar. O uso exclusivo do telefone celular também é realidade entre a população preta (65%) e parda (61%). Ainda segundo a pesquisa, 20 milhões de domicílios não possuem conexão à Internet. 

Diante dos números complexos e de uma conjuntura que confronta qualquer tipo de esperança, dirigentes sindicais correm contra o tempo para desenvolver um método capaz de reascender na classe trabalhadora a consciência de que o avanço em direitos trabalhistas só é possível de forma organizada. A agilidade nessa corrida, entretanto, se faz cada vez mais urgente frente a um Brasil que, ainda em 2020, apresentava 8,4 milhões de trabalhadores em home office. Número esse que tem perspectiva de ficar muito maior diante das regalias que o novo regime de trabalho apresenta ao patrão.

FONTE: CUT-DF

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Jornalista

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